Gestoras planejam lançar fundos focados em residencial para renda

Tese de investimento ainda é pouco consolidada no Brasil

4 de agosto de 2021Mercado Imobiliário

Com mais de 150 anos de existência nos Estados Unidos, os fundos de investimento imobiliário (FII) focados no modelo residencial para renda estão dando início à sua trajetória no Brasil. Duas gestoras, Navi Capital e RB Capital, estudam a tese e querem lançar ativos desta modalidade em breve.

De acordo com Gustavo Ribas, Deputy CEO & Real Estate CIO da Navi Capital, essa categoria representa somente cerca de 1% dos FIIs brasileiros. No mercado norte-ameriano, por sua vez, este número salta para 20%, com boa parte dos fundos atuando no multifamily property.

Regis Dall’Agnese, sócio-diretor da RB Capital, ressalta que, no Brasil, o mercado de fundos imobiliários é muito mais recente e foram desenvolvidas inicialmente outras teses de investimento, mais voltadas aos mercados corporativo, logístico, de shopping centers e de certificados de recebíveis imobiliários (CRI). 

"Aqui, os ativos residenciais nunca precisaram muito do mercado de capitais porque os brasileiros têm a cultura de comprar unidades para explorar a locação. Fora isso, os fundos residenciais são muito dependentes da combinação de juros baixos com aumento da renda da população", diz o executivo, lembrando que este é um cenário atípico no Brasil.

Em conformidade, Ribas cita que os motivos principais para a baixa evolução desta modalidade no país são as altas taxas de juros e os baixos rendimentos com a locação de ativos imobiliários residenciais. "Muitas vezes, o yield é entre 3% e 5%, retornos que dificilmente viabilizam um fundo imobiliário", garante o gestor, que enxerga na tecnologia uma oportunidade de aumentar os rendimentos. 

"O setor imobiliário é um dos mais rudimentares e apresenta diversas burocracias na construção, na compra e no aluguel de imóveis. Acreditamos que com tecnologia podemos aumentar os rendimentos no long stay para uns 6%, 7% ou até 8% ao ano", complementa.

Não por acaso, a Navi Capital fechou uma parceria com a startup mexicana Casai para abrir o seu primeiro FII com foco no mercado residencial para renda. A empresa utiliza algoritmos para precificar a locação diariamente, o que permite explorar os ativos também na modalidade de imóvel de temporada ou o chamado short stay. Além disso, Ribas declara que a ideia é criar um fundo híbrido, no qual também seja possível explorar operações de crédito.

A RB Capital tem atualmente três fundos imobiliários de desenvolvimento residencial e conta com a expertise neste mercado para abrir o seu primeiro FII residencial para renda. Dall’Agnese aponta quais serão os principais desafios para obter uma boa rentabilidade nesse novo fundo.

"Será preciso adquirir os ativos por preços adequados, em regiões onde seja possível prever a taxa de ocupação e os preços de locação. Também deve haver uma operação eficiente, pois o segmento residencial é mais detalhista do que os demais. São mais inquilinos e deve haver uma boa estrutura a respeito dos contratos, da questão tributária, do sistema de reservas, do condomínio etc.", diz.

Neste momento, a gestora está negociando a compra de alguns imóveis e fazendo análises de mercado. Segundo Dall’Agnese, a intenção é lançar o produto até o fim deste ano, começando com volumes 'menores', entre R$ 100 milhões e R$ 200 milhões, para depois escalar as atividades. 

O foco do fundo será exclusivamente o mercado paulistano, olhando inicialmente para apartamentos compactos bem localizados, ativos já bastante explorados para renda por investidores pessoa física. "Os jovens, que se interessam por estes imóveis e têm menor desejo de compra, são o maior público na largada. Entretanto, vamos buscar ter uma carteira pulverizada", afirma o executivo.

Previsão de alta da Selic

Como explicado anteriormente, os baixos níveis na taxa básica de juros favorecem a atuação de todos os FII, mas em especial dos fundos focados no residencial para renda. Os consecutivos cortes na Selic a partir de 2016, portanto, foram um dos motivos pelos quais as gestoras se interessaram pelo lançamento destes produtos.  

"À medida em que os juros foram reduzindo, abriu-se a oportunidade para atuação do mercado de capitais", esclarece Dall’Agnese. Entretanto, no início deste ano, o governo decidiu voltar a promover aumentos na Selic como forma de conter o avanço da inflação no país.

Nesta quarta-feira (4), inclusive, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) deve subir a taxa básica de juros pela quarta vez consecutiva. A autoridade monetária indicou no comunicado da última reunião que o aumento deve ser de, no mínimo, 0,75 ponto percentual, de 4,25% para 5%. Para o fim do ano, já há algumas previsões apontando para uma Selic de 8%.

Levando em conta a operação de fundos residenciais para renda, o sócio-diretor da RB Capital entende que há um prejuízo, mas continua viável ter uma operação eficiente e rentável. "Obviamente que fica mais difícil fechar a conta. Por estes percalços, vejo que este mercado ainda levará algum tempo para se estabelecer no país", analisa Dall’Agnese.

A situação também eleva a concorrência para os FII, em função do ganho de atratividade dos ativos de renda fixa. Para o líder da Navi Capital, certamente haverá um reflexo no mercado de fundos imobiliários, mas não se trata de um 'divisor de águas'.

"Continua sendo uma classe atrativa, oferecendo valorização no longo prazo e permanecendo isenta de imposto de renda. Além disso, a ameaça de tributação das holdings patrimoniais, que atualmente oferecem boa parte dos recursos para a incorporação, pode mitigar o impacto da alta na Selic nos fundos imobiliários, podendo estes se consolidarem como a melhor alternativa de capitalização", pondera Ribas. 

Para Dall’Agnese, outro vetor vantajoso para os FIIs é que, a partir do momento em que o mercado de fundos residenciais para renda se consolidar, aos poucos as pessoas físicas que atualmente compram imóveis nesse intuito passarão a investir via mercado de capitais, já que estarão mais protegidas.

Além disso, o executivo entende que deve ser analisada a valorização dos imóveis residenciais, especialmente por conta do aumento no custo de construção. "Hoje, o investidor de FII está mais focado no dividend yield e olha muito pouco para o potencial de valorização. É uma variável importante", finaliza Dall’Agnese.

Por Daniel Caravetti