Retirada da tributação de FII traz alívio após susto com a proposta inicial

Mercado estimava queda de 15% no valor de mercado dos fundos imobiliários listados

15 de julho de 2021Mercado Imobiliário

De acordo com o boletim mensal da B3 referente a junho de 2021, os fundos imobiliários listados têm valor de mercado equivalente a R$ 131 bilhões, o que significa a manutenção do recorde histórico alcançado no mês anterior. Desde janeiro, a quantidade de investidores saltou de 1,1 milhão para 1,4 milhão, outro recorde deste mercado. 

Tais números correram um sério - porém efêmero - risco de caírem expressivamente em razão da segunda etapa de reforma tributária apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no último dia 25. “A proposta acabava com a isenção dos fundos imobiliários para os investidores pessoas físicas, que hoje representam a grande maioria dos investimentos em FII”, resume o especialista no assunto, Rodrigo Dias, sócio do escritório VBD Advogados.

O efeito foi imediato: no dia da apresentação do PL 2337/2021, de autoria do governo federal, o Ifix - principal índice dos fundos imobiliários - chegou a cair 3,5%. “Vimos a manutenção da isenção para todos os instrumentos hoje isentos no mercado de capitais, com exceção dos fundos imobiliários, cuja proposta inicial era tributar em 15% os rendimentos”, afirma o sócio e head imobiliário da Kinea Investimentos, Carlos Martins

Se mantida e aprovada, tal mudança teria grande impacto negativo no setor, segundo cálculos feitos por gestoras. O diretor executivo da Ourinvest, Rossano Nonino, estima que o mercado de fundos imobiliários teria queda próxima de 15% no valor de mercado, algo em torno de R$ 20 bilhões. 

“E aí, o que acontece: esse dinheiro deixaria de ir para o mercado imobiliário. Se pegar R$ 20 bilhões a menos de capital entrando no setor e só aplicar sobre esse valor o ITBI de 3% ou 4%, estamos falando de R$ 800 milhões que se perderia em tributos, fora o efeito negativo que isso teria na construção de novos empreendimentos”, afirma o executivo. 

A primeira projeção do BTG Pactual era a mesma: queda de 15% no setor. “A indústria iria cair e haveria menos lucro para tributar. No fim das contas, teria uma arrecadação positiva de uns R$ 400 milhões, que é inexpressiva perto do impacto em toda a cadeia de investimentos e na geração de renda”, avalia o sócio do BTG, Fernando Crestana

“O mercado de FII vem crescendo a um ritmo de R$ 30 bilhões a R$ 35 bilhões por ano desde 2019. Este ano, já foram emitidos R$ 22 bilhões até agora, então mesmo que haja uma desaceleração, chegaremos nessa média”, destaca Nonino, que também é diretor de fundos imobiliários do Secovi/SP e coordenou esforços junto ao ministro Paulo Guedes, aos deputados e ao relator Celso Sabino para a retirada da tributação dos dividendos a pessoas físicas do PL.

O anúncio foi feito pelo relator nesta terça-feira (13) e trouxe alívio para o setor. “O relator e o próprio governo entenderam o baixo potencial de arrecadação e o impacto muito grande que haveria na geração de funding para o setor; assim, decidiram retirar toda a discussão de fundo imobiliário da reforma tributária, o que foi bem visto pela gente. Eu entendo que essa discussão está encerrada, o que é positivo para a indústria”, comenta Martins.

De acordo com estimativas compartilhadas pelas fontes ouvidas na reportagem, caso fosse mantida a proposta de tributação de dividendos para pessoas físicas, o mercado de fundos imobiliários sofreria um impacto de R$ 130 bilhões em relação ao crescimento esperado para os próximos cinco anos. 

“No ritmo que vem crescendo, será um mercado de R$ 270 bilhões [em 2026], o que ainda é uma fração do que é nos Estados Unidos. Se a tributação fosse mantida, a estimativa é que essa indústria chegaria daqui a cinco anos com R$ 150 bilhões em valor de mercado”, diz o sócio do BTG Pactual, Fernando Crestana

Metade dos investidores tem menos de R$ 10 mil aplicados

Além de ser o único instrumento de equity voltado a financiar o mercado imobiliário, ou seja, aquele no qual o investidor toma risco de acordo com o desempenho dos ativos, ao contrário de produtos da renda fixa, como LCI, LIG e CRI, o mercado de fundos imobiliários exerce o importante papel de pulverização dos investimentos no mercado de capitais dentre pequenos investidores. 

Segundo Rossano Nonino, da Ourinvest, 80% dos investidores em FII têm menos de R$ 50 mil aplicados na soma de todos os fundos da carteira. Metade tem menos de R$ 10 mil e incríveis 25% possuem até R$ 1 mil reais em cotas, apenas. “Isso é dinheiro que está saindo da renda fixa e indo para investimento de risco no mercado imobiliário”, ressalta o executivo.

O sócio da Kinea Investimentos, Carlos Martins, destaca um levantamento recente feito pela CBRE segundo o qual, de 2018 até o momento, 60% das aquisições de shoppings, centros logísticos e complexos corporativos foram realizadas por fundos imobiliários. “E aí tem o papel muito importante de liberar o capital das empresas para que elas possam desenvolver novos empreendimentos”, complementa o executivo. 

Para Crestana, o caminho natural se houvesse a tributação dos dividendos seria o retorno da bancarização, com maior apelo à renda fixa. “O que é a renda fixa? É o título bancário, então teríamos novamente uma concentração. Lembrando que a gente já tem uma das estruturas bancárias mais caras do mundo exatamente por isso, então seria muito nocivo, em nossa leitura”.

O texto do relator Celso Sabino mantém vigentes as regras atuais, conforme esclarece o especialista Rodrigo Dias, do VBD Advogados: “Os rendimentos pagos pelos FII para pessoas físicas são isentos de IR desde que o fundo cumpra com três requisitos: i) cotas negociadas exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado; ii) FII deve ter no mínimo 50 cotistas; iii) cotista pessoa física deve ter menos de 10% do total de cotas ou cotas que lhe deem direito a rendimentos iguais ou inferiores a 10% do total de rendimentos do FII”. 

“Esse assunto gerou um certo stress no mercado, uma preocupação, mas permitiu mostrar a força dessa indústria, a importância dela, e que os investidores escolheram esse canal para fazer uma poupança de longo prazo. Os parlamentares e o governo entenderam que era pouca arrecadação e um grande impacto [para o pequeno investidor e para o setor imobiliário]. Olhando o copo meio cheio, foi importante por isso”, ratifica Martins.

A Kinea detém R$ 16 bilhões em investimentos em fundos imobiliários e é a gestora dos três maiores fundos listados na B3 atualmente. Já o BTG Pactual gere R$ 12,5 bilhões alocados em FII, dos quais R$ 2 bilhões levantados no primeiro semestre. A Ourinvest soma R$ 770 milhões distribuídos em cinco fundos imobiliários.


Por Henrique Cisman