Regulamentação do CNJ pode ser necessária em transações de tokens imobiliários

TJ-RS já proferiu decisão no fim do ano passado; segurança jurídica está em jogo

11 de fevereiro de 2022Mercado Imobiliário

Artigo escrito por Luiz Di Sessa, Marcos Lopes Prado e Tania Liberman, sócios do escritório Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados

A Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) publicou um Provimento que pode iniciar um processo de regulamentações estaduais - para fins notariais e registrais imobiliários - relacionadas à tokenização imobiliária, ou seja, operações em que ativos reais (imóveis) são transformados em porções digitais criptografadas únicas, um movimento de mercado que vem ganhando espaço. 

O Provimento CGJ-RS nº 038/2021, publicado recentemente, regulamenta a lavratura e o registro cartorário de escrituras públicas de imóveis quitados com tokens/criptoativos. A decisão teve origem em consulta formulada pela Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul em um caso em que um ex-proprietário alienou seu imóvel em contrapartida da emissão de um token virtual representativo da propriedade e versou sobre a possibilidade legal, validade e eficácia da lavratura e registro desse novo tipo de escritura. 

A decisão do tribunal gaúcho especifica que a “propriedade digital” do imóvel não pode ser confundida com a “propriedade formal”. A primeira possui natureza meramente contratual, com a possibilidade de transações de direitos sobre frações virtuais dos imóveis a terceiros. Já a segunda, registrada em cartório, garante ao ex-proprietário a posse, uso, fruição e livre disposição do imóvel. 

Segundo o Provimento, não há qualquer impedimento ilegal para esse novo tipo de operação, desde que as obrigações de natureza tributária continuem sendo cumpridas e que não haja qualquer objeto fraudulento e/ou ilícito envolvido. 

O Provimento determina que haja declarações entre as partes sobre o reconhecimento dos tokens como objeto de permuta e de que eles não representam direitos reais sobre o imóvel permutado, além de posicionar que os valores transacionados guardem as devidas proporções em relação à avaliação atualizada de mercado do imóvel permutado. 

Assim, apesar da preocupação com todos os requisitos legais de praxe, o Provimento não deve atrapalhar a inovação econômica trazida pelas novas operações de tokenização imobiliária, que estão ganhando cada vez mais espaço no mercado. 

A decisão reforça que, apesar de um proprietário não possuir o ativo digitalmente, ele ainda detém o ativo imobiliário real registrado em cartório. A transação digital não exclui as obrigações legais e tributárias referentes a uma propriedade formal e ainda valoriza a importância dos Cartórios de Registro de Imóveis no Brasil, como responsáveis pela segurança jurídica das transações imobiliárias. 

Em um mercado ainda desregulado, o posicionamento de outros tribunais e corregedorias estaduais de serviços notariais e registrais serão determinantes para que haja uma percepção mais clara acerca dos riscos jurídicos atrelados a este modelo de negócio. 

Também é importante ressaltar a possibilidade de diferentes interpretações criarem polos regionais de operações baseadas na comercialização de tokens. Para que haja uma padronização nacional do assunto, será necessário o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) normatizar as novas operações imobiliárias com tokens, uniformizando o tratamento notarial e registral das escrituras públicas de alienação de imóveis com tokens registrados na blockchain, ambiente virtual que apresenta todos os registros de transações.

(O conteúdo publicado nesta sessão não reflete necessariamente a opinião do GRI Club ou de seus membros.)
Marcos Lopes Prado
Partner
Cescon Barrieu Advogados