Possível volta dos cassinos: oportunidade ao setor hoteleiro?

Somados, cassinos, máquinas caça-níqueis e jogo do bicho podem representar um mercado de US$ 20 bilhões.

6 de setembro de 2017Mercado Imobiliário
Muitos agentes do setor hoteleiro estão animados com a perspectiva de legalização dos jogos de azar no Brasil. Somados, cassinos, máquinas caça-níqueis e jogo do bicho podem representar um mercado de US$ 20 bilhões, elevando o País à terceira posição no ranking global desse tipo de atividade, atrás apenas de Estados Unidos e Macau.

Essa estimativa, traçada pela Spectrum Gaming Capital, líder mundial em consultoria para o setor, leva em conta referências de outros países ajustadas à realidade nacional. O valor equivaleria a aproximadamente 1% do PIB brasileiro.

A 'sorte grande' foi lançada sob a forma de dois projetos de lei que tramitam na Câmara (PL 442/1991) e no Senado (PLS 186/2014) e abrem caminho para o desenvolvimento de empreendimentos hoteleiros no Brasil. O PL da Câmara, chamado de Marco Regulatório dos Jogos e em estágio mais avançado rumo à aprovação (pronto para pauta no plenário), autoriza até 35 cassinos no País. Nele, o critério previsto para implementação dos cassinos é que estejam incorporados a resorts de luxo, em número limitado por estado (variando entre um e três) conforme o tamanho populacional.

Canastra real

O deputado federal Herculano Passos, presidente da Comissão de Turismo e da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Turismo no Congresso Nacional que debateu a questão no GRI Hotéis 2017, destaca que o PL da Câmara garante a concessão de 30 anos para cassinos mediante concorrência pública, desde que funcionem junto a resorts construídos com esse fim, de preferência em lugares com potencial turístico.

Conforme o texto, um mesmo grupo econômico pode ter somente um casino por estado e até cinco no País, mas o deputado admite que o plenário pode vir a incluir a possibilidade de transferência de permissão de um que não tenha interesse para outro que queira ir além do limite.

O PL 442 também busca estabelecer bases para um 'compromisso objetivo' com o jogo responsável e com mecanismos efetivos de combate a fraudes, lavagem de dinheiro e crimes contra a ordem econômica.

Vale lembrar que a jogatina é proibida no Brasil desde 1946 (decreto-lei 9.215), quando 71 cassinos foram fechados. Desde então, o País se isolou da maioria do globo e hoje faz companhia apenas a nações islâmicas mais alguns países laicos, como Cuba e Coreia do Norte, igualmente restritivos à prática. Com o embargo, os cofres públicos deixam de arrecadar anualmente taxas que poderiam alcançar R$ 18,9 bilhões.

Cassinos-resort

“Os resorts estão ansiosos para que o projeto seja aprovado. Enxergamos a incorporação dos cassinos como uma vantagem competitiva", celebra Luigi Rotunno, diretor presidente Associação Brasileira de Resorts (ABR).

Ele diz que, com a aprovação do modelo cassino-resort, a busca pelo turista estrangeiro, sobretudo o latino-americano, deve se intensificar no País. “O atributo cassino é um a mais que teremos para competir com México, Colômbia, Argentina e Uruguai por um público de 500 mil viajantes”, anima-se. Além disso, os cerca de 200 mil brasileiros que vão ao exterior todo ano para jogar poderiam ser atraídos pelos empreendimentos nacionais.

A estratégia de um número limitado de cassinos-resorts é o adotada com sucesso por Singapura. Lá, são apenas dois megacassinos em todo o território, que angariaram US$ 5 bilhões em 2015 com um fluxo de turistas três vezes maior do que a própria população.

Em outras partes do mundo, há também cassinos em hotéis regionais, como o River City Casino (EUA) e o Estoril (Portugal), com bom potencial para atender à população local ao oferecer conjuntamente restaurantes, cafés, shows e centro de convenções.

Segundo Robert Heller, CEO da Spectrum, o investimento para colocar em pé cassinos regionais pode atingir algumas centenas de milhões de dólares. É, contudo, menor do que o necessário para viabilizar cassinos-resorts de luxo – um desses, em São Paulo, por exemplo, exigiria um valor próximo a US$ 1 bilhão. “Imagino que, para novos cassinos [em resorts], o retorno financeiro do investimento leve até cinco anos, por causa do risco envolvido em um mercado principiante e daquele inerente ao cenário político-econômico nacional”, completa.

Roleta girando

Apesar da observação atenta dos hoteleiros e da empolgação de vários deles, há diversos que demonstram uma postura bastante cautelosa. “A legalização dos jogos pode provocar um impulso positivo e ajudar a fortalecer o turismo brasileiro, mas não sou otimista a ponto de achar que seja a redenção do setor”, pondera Alexandre Zubaran, CEO da Enjoy Administradora de Hotéis. Para ele, os cassinos deveriam privilegiar novos destinos turísticos “que precisem de mais musculatura”.

Ronaldo Albertino, diretor de Desenvolvimento para a América Latina da Bourbon Hotéis & Resorts, julga haver uma superestimação de resultados decorrentes da jogatina. “Temos uma operação em Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira. Observamos que , apesar de Argentina e Paraguai permitirem jogos, existe baixa ocupação nesses países”, conta.

Ele faz uma conta simplificada. “Se o Estado de São Paulo tiver três cassinos com 3 mil quartos no total e 100% de ocupação, isso não representará nem 10% do que sua capital já oferece [42 mil apartamentos]”, calcula, para em seguida recomendar aos empreendedores uma avaliação muito criteriosa antes de qualquer decisão, a fim de verificar se a taxa de retorno sobre o investimento de fato compensa.

Zubaran, a seu turno, aposta que a opção por grandes resorts possa mudar para não privilegiar alguns e “dar margem a questionamentos”.

Cartada crucial

Além da aprovação do projeto de lei, a fase de regulamentação será uma cartada crucial para o futuro dos cassinos no Brasil. “Entre o que o PL desenha e o que realmente vai acontecer, vejo uma grande diferença. Hoje, temos duas linguagens diferentes: uma, dos deputados, de querer megacassinos em grandes empreendimentos; e outra, dos empresários, que são os que, afinal, vão decidir onde os cassinos serão abertos”, comenta Luigi Rotunno.

“Trata-se de um investimento muito elevado e ninguém vai correr risco por uma vontade política. Muita coisa pode mudar depois da aprovação. Sou a favor, por exemplo, de não restringir [a permissão] a grandes cassinos e de autorizar um número maior de unidades, divididas por categorias conforme a capacidade de atendimento", afirma.

Robert Heller rebate: “Faz sentido a proposta de um número limitado de cassinos espalhados pelo País de acordo com a população de cada estado. Ninguém deseja um cassino em cada esquina. Além disso, o modelo sugerido ajuda a ter uma regulação rigorosa para os cassinos, com padrões elevados para definir quem pode obter licença para operá-los”.

Na ótica de Heller, o padrão previsto no PL da Câmara traz uma vantagem adicional. “Com menos concorrência, o operador investe mais em extras [campos de golfe, teatro etc.]. Isso gera mais impacto econômico e empregos, e muda o foco do negócio”, justifica.

Nos cassinos menores, se vierem a ser liberados, a oferta de apartamentos de luxo dependeria do tamanho da população local (permanente ou flutuante). Esse seria um modelo mais parecido com o que se vê na França e em Portugal.

Olhos bem abertos

A JLL e a CBRE estão entre as consultorias que vêm assessorando grupos estrangeiros alertas a esse quadro. “Vai ser necessário construir novos hotéis. Nesse sentido, para a cadeia toda, a legalização é um ponto positivo, sobretudo porque os cassinos vão investir num período em que a oferta hoteleira está reprimida pela crise econômica”, analisa Ricardo Mader, diretor da divisão de Hotéis e Hospitalidade da JLL.

“Os principais operadores de Las Vegas estão olhando para o Brasil. É impossível qualquer grande player não estar atento a um mercado como esse”, admite Gilberto Martins, gerente regional da CBRE. Luigi Rotunno nota que também chilenos e espanhóis se mostram interessados, principalmente por produtos menores.

O primordial, reforça Robert Heller, é ter uma regulação e um controle extremamente rigorosos para assegurar o cumprimento da lei. “Sem isso, o investidor não vai aparecer, tampouco os operadores estrangeiros de cassinos de melhor reputação”, adverte.

Heller arrisca dizer que, devido ao tamanho do Brasil, haverá dezenas de bons negócios, quer para o grande quer para o pequeno e médio operador de cassino. “A abundância de oportunidades vai superar a capacidade dos operadores internacionais. Ou seja, os players de capital nacional terão pela frente chances extraordinárias”, aponta.

Ele entende que vamos ver se formarem joint ventures envolvendo incorporadores locais, grandes e médios operadores nacionais e internacionais de jogos, e investidores brasileiros e de fora. "Até porque a legislação proposta limita o número total de cassinos, mas abre espaço para centenas de casas de bingo, que não deixam de ser pequenos cassinos”, argumenta.

Localidades

Uma grande preocupação está na sustentabilidade econômica dos empreendimentos. “A sazonalidade é um dos principais problemas do negócio hoteleiro, sobretudo nos resorts de lazer. Um cassino seria uma âncora turística. De qualquer forma, fora das cidades é muito difícil manter mil quartos”, alerta Gilberto Martins, da CBRE.

Ronaldo, da Bourbon, pondera: “apesar de Las Vegas ser considerada uma cidade do jogo, só 30% do movimento local são fruto dessa atividade. O restante é gerado pelos grandes eventos, que não dependem dos cassinos”.

Por aqui, o investimento em cassinos-resorts por parte das empresas internacionais de jogo tende a se concentrar nas áreas mais populosas, tais como São Paulo, Minas Gerais ou Rio de Janeiro, reconhece Ricardo Mader.

“Talvez não sirva para quem tem um mix de negócios mais diversificado, com fluxos corporativos, de congressos e convenções. Todavia, para um operador de hotéis voltados à família em momento de lazer, como é nosso caso, o cassino pode completar a atratividade. Estamos 100% interessados”, revela Alexandre Zubaran, da Enjoy.

“Só vejo benefícios: vai ser bom para a captação de impostos e para o turismo”, pontua Daniel Ribeiro, diretor Financeiro da Tauá Hotéis, que administra o Tauá Grande Hotel Araxá (MG), inaugurado em 1944 para ser um cassino. “Não seria estranho para a cidade tê-lo de volta”, afirma.

Outros dois empreendimentos da rede Tauá, um em operação em Atibaia (SP) e outro em construção em Alexânia (GO), estão entre os potenciais eleitos para o mesmo fim, por se situarem próximos a grandes municípios, estimulando viagens de fim de semana.

Luigi Rotunno destaca que a continentalidade do Brasil ainda assombra os de fora. “Macau e Las Vegas são territórios muito pequenos. Os estrangeiros não conseguiram, até aqui, avaliar o potencial do nosso mercado interno. Cabe a nós 'vender' essa questão e abrir os olhos deles a novas possibilidades”, indica.