Players imobiliários aderem ao mercado de criptomoedas

Segmentos residencial e de hotéis saíram na frente no País.

7 de março de 2018Mercado Imobiliário

Embalados pelos ventos fortes que levaram uma multidão ao mercado de criptomoedas (moedas digitais), players imobiliários brasileiros começaram a se mobilizar. As primeiras iniciativas despontaram nos segmentos residencial e hoteleiro.

 

Embora a maioria tenha despertado para esse mercado em 2017, há quem tenha iniciado bem antes. Pioneiramente no País, a Tecnisa passou a aceitar bitcoins como parte do pagamento de apartamentos em 2014. A companhia oferece 5% de desconto a quem quiser desembolsar até R$ 100 mil em bitcoins.

 

“A verdade é que nunca conseguimos fechar uma venda antes de o bitcoin se tornar tão popular; os poucos interessados não foram até o final da jornada de compra”, lembra Romeo Busarello, diretor de Marketing e Ambientes Digitais da incorporadora.

 

Ele entende que a empresa acabou chegando muito cedo a esse mercado. Até janeiro deste ano, haviam sido feitas 30 consultas sobre esse tipo de operação; nove delas evoluíram, mas apenas quatro foram efetivadas. “Em inovação, não se pode estar nem muito à frente nem muito atrás. Em 2014, estávamos muito à frente”, admite.

 

Conforme Romeo, como companhia de capital aberto, a Tecnisa se preocupa com colocar o dinheiro no caixa assim que a transação se concretiza. “Não deixamos o capital em bitcoin. Da mesma forma que, em uma compra em dólar, a corretora converte o valor recebido para reais e transfere o montante instantaneamente”, compara.

 

Percepção de marca

 

Mesmo com adesão dos clientes a passos lentos, a Tecnisa avalia como “maravilhosa” a repercussão da decisão. Romeu conta que não foi investido um único centavo em campanhas de publicidade. “Anunciamos simplesmente que aceitaríamos bitcoins e a informação tem ajudado a melhorar a percepção da marca”, garante.

 

Ele revela que a empresa estuda elevar o limite de R$ 100 mil e a margem de desconto para quem usar bitcoins, além de receber outras criptomoedas. “Tivemos duas consultas sobre pagamento com ethereum; entretanto, ainda não estamos preparados para isso”, completa.

 

Meu bitcoin, minha casa

 

Para a Valor Real Construções, de São José dos Pinhais (PR), o impacto de entrar no mercado das moedas digitais, no segundo semestre de 2017, também é considerado muito positivo.

 

“Tanto vale a pena que estamos em fase avançada de ampliação da nossa participação nesse mundo”, afirma Antonio Lage, sócio da companhia, que aceita e realiza pagamentos com bitcoins. “Já quitamos serviços em criptomoedas, mas essa realidade ainda está muito distante do dia a dia das pessoas e das empresas no cenário brasileiro.”

 

A Valor Real é precursora no recebimento de bitcoins como parte do pagamento de unidades residenciais financiadas pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Neste início de ano, algumas propostas se encontravam em fase de negociação avançada.

 

A companhia tem dado atenção especial ao assunto, desde a divulgação de conteúdo até o treinamento dos corretores e agentes imobiliários, e oficializado todas as transações com a moeda virtual.

 

Aspectos fiscais

 

“O único risco fiscal que vejo está na situação de não se reportar de maneira correta a negociação tal qual ocorreu”, previne Fernando Colucci, sócio do Machado Meyer Advogados. Para ele, a criptomoeda deve ser tratada como um bem imaterial com valor econômico subjacente.

 

Fernando frisa que os governos ao redor do mundo vêm assumindo conceitos diferentes para definir as moedas digitais, mas que a Receita Federal do Brasil já olha para elas como bens alienáveis como outros quaisquer, tributáveis sobre ganhos de capital.

 

“O fato de transacionar bitcoins não é visto como algo ilícito ou ilegal. Contudo, deve ser registrado. Se ficasse tudo no mundo dos bitcoins, realmente seria muito difícil fiscalizar. Um imóvel deixa rastros, um 'pé' no mundo real”, destaca.

 

Apostando no futuro

 

Na mineira Katz Construções, os bitcoins passaram a valer no segundo semestre de 2017; porém, até o princípio de 2018, nenhum negócio havia se efetivado.

 

“Nossa estratégia será manter 20% [do valor recebido em vendas] em criptomoeda e transformar 80% em reais, ou seja, vamos deixar parte do resultado para médio e longo prazos”, anuncia o CEO Daniel Katz. Ele adianta que a empresa poderá vir a aceitar outras moedas digitais.

 

“Não tenho a menor dúvida de que tem valido a pena. É inquestionável que vai haver muita criptomoeda no futuro”, antevê. Ele narra que, para novos projetos no sul da Bahia, a Katz tem feito campanha publicitária fora do Brasil e a expectativa é facilitar as transações ao viabilizar o uso de moeda digital. “Ainda é muito ousado falar em estabelecer uma meta de negociações em bitcoins; porém, a ideia já entrou para a nossa cultura”, diz.

 

Reservas e fidelidade

 

No segmento hoteleiro, as iniciativas por enquanto são tímidas. Existem vários complicadores, mas também atrativos. “A vantagem para o hotel é que não precisa pagar as tarifas elevadas do cartão de crédito e ganha margem para oferecer descontos nas reservas”, analisa Antônio Hoffert, economista que tem se dedicado ao tema das criptomoedas.

 

Na rede Vert Hotéis, o Ramada Encore Virgínia Luxemburgo, em Belo Horizonte, começou a aceitar bitcoins no início de 2017. Contudo, a procura ainda é pouca. “Até aqui, tivemos só duas reservas”, relata Pollyanna Sousa, gerente-geral do empreendimento. As transações são feitas no próprio site do hotel, por um valor no mínimo 10% inferior ao da tabela.

 

Já a Nobile Hotéis chegou a anunciar em 2017 que poderia receber bitcoins, mas recuou. Roberto Bertino, fundador e presidente do grupo, se mostra preocupado com a falta de regulação do sistema e suas possíveis consequências. “Por administrarmos o patrimônio de terceiros, preferimos trabalhar de outra forma. Estamos estudando oferecer aos clientes do nosso plano de fidelidade trocar pontos por bitcoins", afirma.

 

O plano de fidelidade é uma ferramenta apartada da gestão hoteleira, o que facilita cambiar a moeda e transferir o valor para o hotel. “Pensamos ainda em aceitar bitcoins [apenas] via central de reservas da rede”, adianta.

 

Outras iniciativas

 

Fernando Ulrich, especialista em blockchain e criptomoedas da XP Investimentos, ressalta que o mercado imobiliário mundial tem testado vários usos ligados à blockchain, como no registro de titularidade de imóveis. “Em Honduras e na Suécia, já há projetos-piloto desse tipo, se valendo do alto grau de confiança de que a informação ali contida é segura e imutável”, diz. Há também ações semelhantes na Estônia, nos Estados Unidos e na Austrália.

 

O Rex é outro exemplo de aplicação. Trata-se de um portal (marketplace) de transações imobiliárias no qual compradores, vendedores e outros agentes podem propor e concluir negociações em nível global.

 

Cuidados

 

Apesar de toda essa efervescência, especificamente em relação às transações de imóveis com uso de bitcoins no Brasil neste momento, Nuno Pereira, consultor da Logicalis e especialista em blockchain, se mostra um tanto cético. “Pela volatilidade da moeda, vejo muito mais risco do que em outros instrumentos de intermediação financeira tradicionais. Creio que seja seguro apenas em negociações cujos montantes sejam menores”, argumenta.

 

Juan Castro, diretor de Inovação Tecnológica da Trend Micro, especializada em segurança na internet, lembra que o mercado de criptomoeda “é um investimento de curto prazo e alto risco e que ninguém pode garantir o preço da moeda”.

 

A fim de evitar uma enxurrada de ações judiciais, Nuno evoca a importância de as incorporadoras serem muito claras nos conteúdos de marketing.

 

Para os especialistas, a indústria imobiliária tem muito a ganhar com transparência, digitalização e automação via blockchain, e o melhor instrumento para isso seriam os chamados smart contracts (contratos inteligentes), cujas cláusulas podem ser autoexecutáveis, disparando um aviso de cobrança ou de multa no caso de um imóvel que não seja entregue na data marcada ou de um aluguel não pago.


Um bom exemplo vem do ShelterZoom, dos Estados Unidos, que conecta as partes em negociações de compra e aluguel de propriedades e gera contratos inteligentes via ethereum. No Brasil, processo parecido é feito pela plataforma imobiliária Ô de Casa, que utiliza segurança blockchain para efetivar contratos de locação.