PL que estabelece IPCA para reajuste de aluguel fere a liberdade econômica

Legislação atual permite que as partes entrem em comum acordo

4 de junho de 2021Mercado Imobiliário

A votação do Projeto de Lei 1026/2021, que pretende definir o IPCA como índice para correção de aluguéis, tramita com urgência na Câmara. De autoria do deputado Vinicius Carvalho (PRB/SP), a moção é uma resposta às sucessivas altas do IGP-M, principal indexador dos contratos de locação.

O indicador, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), teve elevação de 4,10% em maio. No acumulado em 12 meses, o avanço chega a 37,04%, maior taxa registrada desde o início do Plano Real, em 1994. A inflação, por sua vez, fechou o mês com aumento de 0,44%, o que significou uma alta acumulada de 7,27% em 12 meses.

Fato é que, em meio à disparada do IGP-M e à crise econômica instaurada pela Covid-19, o IPCA tem realmente sido uma alternativa utilizada para indexar contratos de aluguel. A proptech de coliving Yuca, por exemplo, concretizou os primeiros negócios no início de 2020, já estabelecendo a inflação oficial do país como índice de correção.

"Através do IPCA, é possível repassar o aumento no aluguel, em geral dispensando negociações. Além disso, utilizando o IGP-M poderíamos perder inquilinos. Por trabalhar com o segmento residencial, não temos tanta margem para reajuste como os segmentos que alugam para empresas. É preferível ter estabilidade do que subir preços", diz o co-fundador, Rafael Steinbruch.

Desse modo, se o projeto de lei for aprovado não haverá impacto para a Yuca. Mesmo assim, Steinbruch julga como ideal uma economia menos indexada. Olivar Vitale, sócio-fundador da VBD Advogados e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), aponta que o intuito da proposta é exatamente o oposto: travar as correções.

"O objetivo da lei é abranger todos os contratos que dizem respeito à locação, estabelecendo que não poderá mais haver correções acima da variação do IPCA", explica o advogado, que se posiciona totalmente contra o projeto de lei que tramita na Câmara. 

"Demonstra um despreparo do legislativo no tratamento de situações extremas causadas pela pandemia. Há uma tentativa de intervir em relações privadas, reduzindo a autonomia das pessoas físicas e jurídicas. É importante esclarecer que hoje a lei dá ampla liberdade para as partes fixarem, em comum acordo, a forma de reajuste do aluguel", complementa Vitale.

Igualmente contra a intervenção do governo nos acordos privados, Marcos Carvalho, copresidente da Ancar Ivanhoe, aponta que a empresa tem fornecido descontos 'caso a caso' e trabalha com ambos os índices: "A maioria dos nossos contratos é regulado pelo IGP-M, mas alguns são corrigidos pelo IPCA".

Em sintonia, Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), assegura que a crise não tem afetado todos os lojistas igualmente e, por isso, os auxílios devem ser realizados em diferentes escalas, com foco naqueles que mais vêm sofrendo. 

O representante do setor ainda mensura o tamanho da ajuda que vem sendo oferecida aos inquilinos. "As administradoras de shopping centers abstiveram-se de mais de R$ 6 bilhões em adiamento e suspensão de despesas aos lojistas, inclusive com longos períodos de isenção de aluguel", cita Humai.

No setor de escritórios, Adriano Sartori, vice-presidente da CBRE Brasil, garante que as negociações também têm sido pontuais, com os repasses ocorrendo de forma bastante variada. "Depende muito se existe uma variação do valor pago naquele respectivo contrato em comparação ao valor de mercado", declara.

A grande exceção, pelo bom desempenho atual, é o segmento de galpões logísticos. Sartori indica que estes talvez sejam os únicos contratos em que a negociação pese a favor do locador, uma vez que o locatário não conta com uma oferta tão vasta no momento.

Também contra o Projeto de Lei 1026/2021, o executivo reforça que a Lei do Inquilinato não obriga a utilização do IGP-M, justamente o que abre precedente para as negociações. "Se a inflação subir, o que vai acontecer? O legislativo novamente vai interferir para trocar o índice?", questiona.

Sartori também recorda que algumas empresas se alavancaram em dívidas atreladas ao IGP-M e pode haver um descasamento caso os recebíveis passem a ser corrigidos pelo IPCA. "Se alterarem uma ponta, teriam que mexer na outra também. Os contratos correlatos precisariam igualmente de mudança", enaltece.

Uma das companhias nesta situação é a JFL Realty. "Alguns serviços contratados por nós são reajustados pelo IGP-M. Devemos fazer uma repactuação desses contratos, mas ainda não detalhamos a ordem de grandeza", diz o diretor Américo Nakano, que também é a favor de uma negociação livre entre as partes nos acordos de locação.

O vice-presidente da CBRE ainda acredita que a aprovação da lei poderia aumentar a insegurança jurídica no setor imobiliário. "É tudo aquilo que nós não precisamos neste momento, uma vez que afasta os investidores. Nosso mercado já é volátil por diversas razões, como a desvalorização do Real e as condicionantes políticas do país", completa.

Enxergando igualmente um possível aumento da insegurança jurídica, Vitale ressalta que a eventual aprovação do projeto pode gerar uma série de brigas judiciais em relação aos contratos de locação assinados anteriormente à vigência da lei.

"Em respeito ao direito constitucional de não retroatividade das leis, nos contratos firmados anteriormente à lei, o índice eleito deveria valer, e não a inflação. Todavia, certamente haveria locatários com contratos corrigidos pelo IGP-M levando a questão para o judiciário", menciona.

Aprovação do projeto

Por mais que o projeto de lei tenha como base o protecionismo ao locatário, Vitale vê como improvável a sua aprovação. O advogado tem sido muito procurado em relação ao tema e garante que todas as empresas que tratam de locação, independente do segmento, são contrárias a esse projeto, assim como os operadores do Direito.

"O principal recado que eu dou aos empresários é para não deixar de fazer nada em função da ameaça criada pelo projeto de lei. Nós, profissionais de Direito que atuamos por entidades, vamos fazer de tudo para que esse tipo de intervenção do poder público não ocorra sobre os contratos privados", promete.

Por Daniel Caravetti