Estruturação de fundos públicos é oportunidade à vista?

Com pressa por recursos, governos se movimentam para criar fundos imobiliários e atrair interesse privado.

7 de março de 2018Mercado Imobiliário

A estruturação de fundos imobiliários tem sido tema de intenso esforço por parte de governos nas esferas federal, estadual e municipal. Embora o modelo já esteja consolidado na iniciativa privada, é algo novo para o setor público, que corre para aproveitar a estabilização da economia, profissionalizando a gestão de seus ativos em busca de maiores eficiência e rentabilidade.

 

O movimento começou no Estado de Minas Gerais que, entre outros, criou o Fundo de Ativos Imobiliários (Faimg), contemplando 5.493 imóveis não-alienáveis, e o Fundo de Investimentos Imobiliários (Fiimg), com 245 propriedades que podem ser vendidas. A iniciativa, oficializada pela Lei 22.606/2017 e que pode captar até R$ 5 bilhões, tem o objetivo de permitir a utilização inteligente de tais bens, ressaltou o governador Fernando Pimentel no momento do anúncio. Atualmente, a administração mineira aguarda a regulamentação dos instrumentos financeiros.

 

Na mesma direção caminha São Paulo. Em conversa com a GRI Magazine, Mario Engler, presidente da Companhia Paulista de Parcerias (CPP), antecipou que o portfólio estadual a ser colocado à venda começa com 267 unidades, entre residências, escritórios, terrenos, barracões e também fazendas, e está avaliado em R$ 1 bilhão. No total, há um estoque de mais de cinco mil imóveis, boa parte dos quais poderia ser incluída no escopo futuramente. Por meio de licitação, cujo resultado saiu em 30 de janeiro, o governo contratou o consórcio formado pela corretora de valores Socopa e pela gestora de recursos TG Core para ficar a cargo da estruturação, administração, custódia, escrituração e operação imobiliária do fundo.

 

Mais iniciativas

 

Sintonizada com essa dinâmica, a capital paulista planeja otimizar a venda de sua herança vacante. “Quando falamos da Prefeitura de São Paulo, temos aproximadamente 40 mil imóveis, dos quais cerca de cinco mil estão subutilizados. Após um refinamento, trabalharíamos com quinhentos a mil”, esclarece Sérgio Lopes, diretor da SP Parcerias, empresa vinculada à Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias e que atua na estruturação e no desenvolvimento de programas de concessão, privatização e parcerias.

 

Para viabilizar a iniciativa, a gestão comandada por João Doria apresentou o Projeto de Lei 404/2017, que estava em análise na Câmara dos Deputados até o fechamento desta edição e prevê a comercialização de todas as áreas municipais de até 10 mil m², além de um imóvel de 50,4 mil m² localizado o bairro de Pinheiros. Os valores arrecadados vão integrar um fundo voltado ao desenvolvimento do município.

 

“Desenhamos a estrutura e encontramos alguns gargalos, como a regularização de imóveis e sua avaliação, todos superáveis. Entretanto, existe um ponto principal que é a autorização legislativa, seja para vender diretamente [o bem] ou para incluí-lo no fundo; por isso, chegou-se ao PL”, explica Sérgio.

 

Ainda engatinhando, o governo federal, que possui cerca de 650 mil imóveis em seu cadastro, também ensaia ação similar. A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) está analisando propostas de estruturação de tais ferramentas. A estimativa é de que cerca de 20 mil imóveis da União poderão formar a carteira de ativos dos fundos.

 

Diferenciais de cada modelo

 

Em Minas, o Executivo vai pagar aluguel dos imóveis não-alienáveis que ocupa ao Faimg, que passa a ser o proprietário. É o caso da Cidade Administrativa, avaliada em R$ 2 bilhões e sede do governo. Os recursos serão transferidos ao Fiimg, uma espécie de braço financeiro de toda a operação. O Fiimg, por sua vez, poderá vender as propriedades (alienáveis) que detém diretamente e lançar cotas para investidores interessados. A remuneração será baseada nos ganhos proporcionados pela gestão, como já fazem os fundos privados.

 

No caso do Estado paulista, a prioridade será a venda, com diferenciais em relação ao que se vê no mercado, adianta Mario Engler. “Nosso objetivo maior é comercializar esses imóveis pelo melhor preço, nas melhores condições e com flexibilidade, inclusive de receber permuta, admitindo que o pagamento seja feito mediante participação nos resultados de empreendimentos”, detalha ele. O retorno virá por meio de amortização de cotas, após o pagamento de todas as despesas relativas à operação.

 

“A parte mais relevante é que a remuneração possui natureza variável incidente da receita líquida, o que é importante para alinhar interesses. Quanto mais eficientes forem o administrador [Socopa] e o operador [TG Core], maior será o resultado para os cotistas e também melhor a remuneração para esses dois [prestadores de serviços]”, explica Mario.

 

A partir da assinatura do contrato, o consórcio vencedor tem 60 dias para a estruturação do fundo propriamente dito. Em paralelo, são iniciados contatos com empresas de avaliação para analisar cada um dos bens e definir a melhor vocação. Embora o objetivo principal seja a comercialização, “nada impede de sugerimos o desenvolvimento em alguns desses imóveis, se comprovarmos que isso vai gerar mais ganhos”, complementa Marcelo Varejão, diretor da Socopa.

 

Interação com o setor

 

A prefeitura paulistana vai trabalhar com um benchmark no qual o gestor, se conseguir um ganho acima da inflação para o cotista, terá direito a até 20% do excedente. O município será o único cotista. “A ideia é participarmos do desenvolvimento visando a alienação e a venda desses imóveis para aplicar os recursos na cidade”, aponta Sérgio Lopes.

 

Já o governo federal pretende ainda conversar com agentes de mercado e potenciais investidores para estabelecer o modelo dos fundos que pretende lançar. “A intenção é aliar os objetivos da União com as necessidades dos investidores”, informa Sidrack de Oliveira,  secretário federal do Patrimônio.

 

“Entre as opções estudadas, mais adequadas aos interesses da SPU, estão os fundos de desenvolvimento e de renda. A fim de montar as propostas, a secretaria pretende contratar uma consultoria [processo não concluído até o fechamento desta edição]. Os próximos passos seriam a seleção dos administradores, o lançamento dos fundos e o início de venda das cotas”, complementa.

 

Onde estão as oportunidades?

 

No caso de Minas Gerais, além do fluxo de recursos via aluguel, a expectativa é de que os os investidores se beneficiem da valorização dos ativos e consequente apreciação das cotas. Conforme informações divulgadas pela Assembleia Legislativa do Estado, entre os interessados na empreitada estariam fundos de pensão de grandes empresas estatais.

 

Quando se trata do modelo paulista, a CPP destaca como vantagens a elaboração a partir do diálogo com o mercado e a sustentação jurídica. “Desenhamos toda a estrutura de remuneração, governança e responsabilidades respeitando a regulação dos fundos imobiliários, mas ouvindo muito a visão do mercado, suas preocupações, como podíamos mitigar riscos e oferecer mais conforto. Trabalhamos muito para que essa proposta estivesse alinhada com as expectativas do setor privado”, diz o titular da companhia.

 

Com uma localização estratégica, “o grande atrativo [do município de São Paulo] é o volume de imóveis, estimado entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões inicialmente. Será um fundo bastante robusto e com ativos interessantes, por exemplo, no Itaim [Bibi] e nas marginais, que, com uma visão profissional, rapidamente seriam colocados no mercado”, afirma o diretor da SP Parcerias.

 

O que diz o mercado

 

“Essa profissionalização e a cooperação entre os entes públicos e privados é uma tendência que deve crescer ao longo dos próximos anos e ser replicada”, avalia Thiago Costa, sócio da Hemisfério Sul Investimentos (HSI) e responsável por aquisições e desinvestimentos.

 

Ele revela que a HSI analisou parte do portfólio do Estado de São Paulo. "É uma classe de ativos bem abrangente, de imóveis em diferentes estágios de desenvolvimento e maturação, e consideramos que, nas mãos de um gestor profissional, o valor tende a ser maximizado”, atesta.

 

Caio Castro, sócio sênior e responsável por Propriedades na RBR Asset, pondera que é preciso analisar o momento de cada gestor. “Para nós, agora, não faria sentido participar da licitação [paulista]. Analisamos o portfólio e vimos que muitos [imóveis] precisam de regulamentação. Acreditamos que a gestão demandaria muito trabalho, o que não seria nosso foco hoje”. Por outro lado, existe a possibilidade de a RBR atuar como compradora. “Vimos um prédio no Itaim que pode ser interessante”, comenta.

 

Vencedora do pregão paulista, a Socopa já estava preparada para participar desde o primeiro edital, programado para outubro de 2017 e que foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). “Veio um segundo edital, com algumas mudanças que não afetaram nossa análise prévia”, conta Marcelo Varejão. A empresa não descarta participar de licitações semelhantes.

 

Por sua vez, Regis Dall'Agnese, sócio-diretor da RB Capital, considera essas iniciativas públicas interessantes e desafiadoras. “Existe uma cesta de ativos que pode incluir bens considerados bons, médios e ruins. Então, é preciso ter um gestor capaz de identificá-los, conseguindo extrair deles o máximo de valor”, argumenta. O executivo sinaliza que a RB "possui interesse nesse tipo de operação e vai avaliar todas as que aparecerem”.