Aumento no preço dos insumos ameaça segmento econômico

Programa Casa Verde e Amarela impossibilita repasse de custos para o consumidor

19 de fevereiro de 2021Mercado Imobiliário
O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), teve alta de 0,93% em janeiro deste ano. Com o resultado, o indicador - que calcula o custo tanto de materiais e equipamentos como de serviços e mão de obra - acumula elevação de 9,39% em 12 meses.

A principal alta é em relação ao preço dos suprimentos. Rodrigo Navarro, presidente da Associação Brasileira das Indústrias dos Materiais de Construção (Abramat), explica que o ramo foi surpreendido com um abrupto aumento na demanda, principalmente no varejo. Historicamente próxima a 70%, a utilização da capacidade instalada caiu para 53% no início da pandemia. 

"Além disso, problemas com a falta de
matéria-prima, a variação cambial e o desligamento de portos corroboraram para o aumento dos preços. Hoje, os valores estão estabilizados, mas ainda acima dos percentuais pré-pandemia. Nossa expectativa é que a situação se normalize ainda neste primeiro semestre", diz. 

O mesmo é esperado pelas incorporadoras, que têm perdido rentabilidade com os significativos aumentos dos insumos. "Corremos o risco de haver um descasamento entre preço de venda e preço de custo do produto, comprimindo margens", diz Eduardo Fischer, CEO da MRV.

A situação se agrava no caso de empresas que, assim como a MRV, trabalham no segmento econômico. De acordo com Breno Prestes, fundador e CEO da Prestes Construtora, a margem é muito estreita, chegando a 10% em alguns empreendimentos. 

O executivo ainda destaca outros pontos que complicam o cenário: "Fora do Casa Verde e Amarela, é possível repassar o INCC no contrato de financiamento; de alguma forma, está resolvido o problema. No programa, porém, o comprador assina com o banco, que quita a dívida. Ou seja: nós recebemos o valor integral no momento da venda sem nenhuma correção futura. Se disparar o custo durante a obra, é um problema gravíssimo", afirma.
 
"Além disso, dificilmente o cliente de baixa renda absorve o aumento de preço e existe um teto no programa, hoje de R$ 190 mil. Se o valor inicial do apartamento for R$ 185 mil e se fizer necessário realizar uma correção, a empresa provavelmente rompe o teto", completa.
 
Outro vetor que promove a alta do INCC é o aumento do custo de mão de obra, motivado principalmente pelo aquecimento do setor. Atuando prioritariamente no Paraná, a Prestes tem sofrido com a migração de empreiteiras para mercados pujantes, como São Paulo.
 
"Empresas nas quais investimos e que trabalham conosco há mais de cinco anos têm deixado os nossos canteiros. As taxas de juros caíram, o mercado imobiliário aqueceu e naturalmente cresceram lançamentos e obras. A mão de obra, porém, segue em mesmo número", assegura Prestes.

Respostas ao problema

Em meio a este cenário desfavorável, incorporadoras têm buscado saídas para minimizar o impacto do aumento do INCC. Leonardo Mesquita, vice-presidente comercial da Cury Construtora, garante que a companhia tem buscado realizar negociações estratégicas na compra de insumos e alcançar a máxima eficiência nos canteiros.

Na MRV, Fischer afirma que os contratos de longo prazo com boa parte dos fornecedores têm ajudado a mitigar os efeitos momentâneos. Ao mesmo tempo, a companhia visa o aumento de produtividade e explora novos métodos construtivos como alternativa.

"Estamos migrando para um processo construtivo no qual as paredes são de drywall. É uma solução que consome menos aço - material muitas vezes substituído por fibra - e concreto. Temos feito investimentos nessa direção há algum tempo para tentar controlar custos e ficar menos exposto a essas variações", afirma.

Com raciocínio semelhante, a Prestes já construiu mais de 500 unidades habitacionais em wood frame, segundo o fundador da empresa, e tem desenvolvido tecnologias como a parede de concreto, que neste caso, porém, não contorna o aumento do INCC. 
 
"O problema é que este método construtivo utiliza bastante concreto e aço, materiais com os maiores aumentos de preço. De qualquer modo, entendemos que a construção precisava se renovar. Somos o segundo setor que menos se industrializou, atrás somente da pesca", indica o executivo.
 
Como alternativa às adversidades impostas pelo aumento do INCC, a incorporadora paranaense também criou um comitê de gestão de crise e conectou-se a outras empresas e entidades do setor. "É uma oportunidade de unir o empresariado. Temos que discutir soluções", diz Prestes.
 
Em São Paulo, o vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon/SP), Eduardo Zaidan, garante que a entidade tem atuado para tentar resolver a situação. "Dialogamos com a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e com fornecedores de materiais, mas ainda não vimos mudanças, principalmente por conta da desorganização do setor produtivo", diz.
 

Zaidan não descarta que a composição de margem por parte da indústria produtiva e de fornecedores seja outro componente para o significativo aumento no preço dos insumos. "Podem estar usufruindo da oportunidade de fazer caixa, mesmo porque existe uma grande desconfiança quanto à capacidade de recuperação da economia brasileira. Problemas que tínhamos antes da pandemia foram agravados e o trabalho será longo até restabelecer uma confiança fiscal", aponta.

Perspectiva de melhora

Existe a expectativa de que o ambiente se normalize nos próximos meses. Quanto ao preço dos suprimentos, Mesquita, da Cury, não enxerga o mercado tão aquecido a ponto de gerar problemas de fornecimento a longo prazo.

"Aparentemente, tem tudo para ser uma adversidade temporária, já que o suposto aumento no volume de negócios não é tão real.
No comparativo com anos anteriores, tivemos mais volume do que agora e não houve um descasamento tão grande", reitera.

Em relação ao custo de mão de obra, por sua vez, Zaidan lembra que os dissídios no início do ano interferiram no aumento do INCC no período. "Os dissídios importantes caem até maio, então teremos uma componente de mão de obra mais razoável. Acredito que no mês citado o INCC estará próximo dos 6%, no acumulado dos 12 meses anteriores", conclui.


Por Daniel Caravetti