Alta no preço de materiais é o maior fator de risco para lançamentos

Agravamento da pandemia em abril também foi prejudicial, apontam executivos

4 de maio de 2021Mercado Imobiliário

O recrudescimento da pandemia de Covid-19 neste início de ano e os altos custos da construção, que dispararam desde o 2º semestre do ano passado, forçaram muitas incorporadoras a mudar o cronograma de lançamentos planejado inicialmente. 

Bianca Setin, diretora de Operações da Setin Incorporadora, afirma que a empresa iria lançar seis empreendimentos em 2021, com um total aproximado de R$ 900 milhões em VGV (valor geral de venda), mas o prolongamento da fase vermelha em São Paulo atrapalhou os planos. 

“A previsão do primeiro lançamento era março, mas não pudemos abrir os estandes devido às restrições, então prorrogamos para entre maio e junho; como é inviável acumular lançamentos, outros dois empreendimentos foram alocados para 2022. Vamos lançar quatro empreendimentos em 2021, algo em torno de R$ 650 milhões”, explica a executiva. Uma redução de VGV, portanto, de 27%. 

Marcelo Gonçalves, sócio da Brain Inteligência Estratégica, reforça que os números de vendas e lançamentos devem ser prejudicados devido ao agravamento da pandemia, principalmente a partir de abril, interrompendo uma sequência de alta iniciada em julho do ano passado, após os primeiros meses da chegada da Covid-19 ao Brasil.

“Nós praticamente perdemos um trimestre inteiro no ano passado e por isso os lançamentos caíram [em relação ao ano anterior], mas as vendas foram pujantes e os empresários perceberam a perenidade do mercado residencial. Começamos o ano com muitas unidades lançadas, sem a queda que costuma ocorrer no primeiro trimestre [em relação ao quarto trimestre]”, diz Gonçalves. 

Apesar da pandemia, o maior fator de risco atualmente é o descontrole de preços dos materiais: “A gente acredita, assim como todos os incorporadores, que hoje o impacto principal na viabilidade do negócio é o custo de construção. Todo mundo está sofrendo um pouco com a valorização dos insumos fora da curva, fora do que tinha previsto lá atrás, e isso tem um impacto direto no preço de venda do metro quadrado”, diz Felipe Antunes, sócio fundador da incorporadora Next Realty.

A Setin está antecipando a compra de aço para evitar pagar mais caro, sabendo que existe previsão de novos aumentos no preço do material na ordem de 10% a 20% a partir de maio, segundo revela a diretora de Operações da incorporadora. “O INCC [usado para corrigir o valor de imóveis vendidos na planta] não consegue acompanhar todo esse aumento; nos últimos 12 meses, ele variou em torno de 12% a 13%, contra o aumento de alguns insumos superior a 40%”, afirma Bianca Setin.


Em 12 meses, a variação dos custos de materiais e equipamentos foi o dobro do Índice Nacional do Custo da Construção. Fonte e Elaboração: FGV

Para Gonçalves, o maior impacto vai ocorrer nos empreendimentos econômicos, cujos preços são limitados às tabelas do programa Casa Verde Amarela. “O incorporador faz uma adequação de custos e tenta passar isso para o comprador, mas o produto de baixa renda não tem essa elasticidade que permite refletir o aumento no preço dos insumos”, pontua o especialista. 

Por outro lado, também não faria sentido ampliar o teto da tabela porque o comprador não teria renda para bancar tal aumento de preço, o que resultaria em uma redução da demanda. 

Neste contexto, pode haver queda na oferta de unidades econômicas. “É preocupante que possa existir uma diminuição forte do número de lançamentos desse segmento. Se o incorporador tem uma elasticidade maior em outros segmentos, ele vai buscar lançar neles; as incorporadoras têm essa visão”, completa Gonçalves. 

É o caso da Next Realty, que desde sua fundação, em 2018, é voltada a investidores imobiliários com produtos desenvolvidos em bairros nobres de São Paulo: Jardins, Itaim Bibi e Vila Nova Conceição. A incorporadora mantém a quantidade de lançamentos prevista para 2021, embora também tenha feito alguns ajustes no cronograma. 

Dos quatro empreendimentos, dois já foram lançados - Next Franca, situado na Alameda Franca, e Next Haddock, localizado na Rua Haddock Lobo. “Vamos colocar R$ 161 milhões à venda este ano e já temos metade disso performado”, afirma o sócio fundador Felipe Antunes

Next Franca é um dos lançamentos previstos pela incorporadora Next Realty em 2021. Foto: Divulgação/Next Realty

Juros baixos e dólar alto equilibram equação 

Se o alto custo da construção e a dificuldade para superar a pandemia se colocam como os grandes desafios da atualidade, a manutenção de baixas taxas de juros é um dos fatores que gera otimismo para a realização de novos lançamentos. 

“A gente tem a expectativa de encerrar o ano com uma Selic entre 5% e 6%, o que ainda é uma boa taxa para financiamentos imobiliários. Os números da Abecip mostram que tem havido quebra de recorde mês após mês”, ressalta Marcelo Gonçalves, sócio da Brain.

Em março, o Brasil registrou o maior volume de crédito imobiliário contratado junto à poupança em toda a série histórica, iniciada em 1994: foram R$ 18,35 bilhões destinados à compra ou construção de imóveis, de acordo com boletim da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. 

“Por incrível que pareça, mesmo no alto padrão estamos vendo os clientes pegarem financiamento imobiliário porque as taxas estão muito competitivas e isso faz com que mais pessoas tenham acesso. A demanda está alta e tem motivado os lançamentos no setor, principalmente neste momento”, afirma Bianca Setin

Já Antunes assinala que a alta do dólar beneficia as operações da Next Realty: “Muita gente trouxe dinheiro de fora e começou a investir no mercado imobiliário nacional. O preço do dólar supriu o aumento nos valores dos imóveis”. Para ilustrar o raciocínio, o executivo conta que das 105 unidades já lançadas em 2021, apenas vinte estão no estoque.

Outro efeito positivo vem do mercado de capitais. Com mais recursos captados pelos fundos imobiliários no contexto de Selic em baixa e do dólar em alta, a Next Realty passou a ser procurada para vender prédios inteiros para FIIs. “Como são ativos com poucas unidades e localizações muito interessantes, tem bastante fundo batendo na nossa porta para ver se a gente tem interesse em comercializar o empreendimento todo; isso foi uma frente de negócio que surgiu na pandemia”, afirma Felipe Antunes

Ano deve marcar a retomada dos lançamentos

Em que pese as dificuldades mencionadas na reportagem, Gonçalves enxerga que os impactos da segunda onda não serão sequer parecidos com os observados em 2020. Assim, o especialista conta que a Brain mantém a projeção de lançamentos feita: alta na casa dos 20% na comparação anual. 

“Estávamos um pouco receosos com o primeiro trimestre, mas os números nos empolgaram. Uma maneira de enxergar isso é olhar os balanços das incorporadoras que têm capital aberto”, aponta Gonçalves. 

De fato, mesmo no segmento econômico, as empresas apresentaram grandes volumes de novas unidades colocadas no mercado. A MRV bateu seu recorde de lançamentos, com mais de 10,5 mil unidades no período. Outra gigante do segmento, a Direcional aumentou em 311% a quantidade de apartamentos lançados em relação ao primeiro trimestre de 2020. 

Bianca Setin conta que três dos quatro lançamentos da incorporadora serão em São Paulo: o primeiro na Rua Francisco Leitão, com apartamentos entre 150 m² e 180 m², além de uma torre com studios e lajes comerciais; depois, em agosto, será lançada uma nova linha da Setin, chamada Smart Home, com unidades cujos preços são mais acessíveis e localização mais próxima de modais de transporte. 

Em setembro, a incorporadora vai lançar um empreendimento de alto padrão próximo ao Parque do Ibirapuera, na Rua Henrique Martins, com apartamentos de 220 metros quadrados, que vai se somar a outros dois projetos de mesmo perfil entregues na região. 

A Setin também vai lançar unidades em Campinas. “É uma das cidades em que atuamos fora da capital paulista, já temos outros empreendimentos lá. Serão apartamentos de 120 metros quadrados para famílias no bairro Cambuí, uma região bem nobre, um endereço conhecido e consolidado”, afirma a executiva.

A Next Realty ainda vai lançar o Next Bela Cintra, com 62 unidades, e o Next Paulista, com 87 unidades, ambos no 2º semestre do ano. Segundo Antunes, os imóveis têm assinatura do escritório Athié Wohnrath e serão entregues 100% mobiliados para os compradores - geralmente investidores que os colocam para locação.

A incorporadora também vai seguir lançando unidades da linha Signature by Next, casas de altíssimo padrão em condomínios fechados, produto que também foi criado durante a pandemia.


Por Henrique Cisman e Julia Martini