Novas concessões de aeroportos regionais em São Paulo vão decolar?

Diretor de Assuntos Institucionais da Artesp fala sobre a modelagem com investidores

27 de maio de 2021Infraestrutura

Tendo em vista a proximidade do leilão - marcado para 15 de julho - que visa conceder 22 aeroportos regionais situados no Estado de São Paulo à iniciativa privada, o GRI Club Infra realizou um eMeeting Premium para colocar em discussão a modelagem desenhada pelo governo estadual e elucidar eventuais dúvidas sobre a atratividade das concessões.

Moderador da reunião, o diretor de Novos Negócios e Inovação da Socicam, Wanderley Galhiego, classificou o processo como um “grande desafio”. Os aeroportos são administrados atualmente pelo Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp) e movimentam 2,4 milhões de passageiros por ano. 

As concessões serão realizadas em dois lotes - um abarca nove aeroportos de aviação comercial regular e outro é composto por treze aeroportos destinados à mobilidade executiva. Estimam-se investimentos de R$ 700 milhões ao longo dos 30 anos de concessão e um aumento 
de demanda de 230% no período, equivalente a 8 milhões de passageiros anualmente. 

O diretor de Assuntos Institucionais da Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), Rodrigo Barata, endossou que as concessões são desafiadoras, uma vez que os aeroportos têm características distintas, alguns conectando municípios do interior, outros fazendo ligação com a capital, e outros ainda com características bem peculiares, como em Sorocaba, onde ocorre a manutenção de aeronaves. 

“Fizemos a modelagem considerando diversas premissas, sempre buscando assegurar a viabilidade integral da rede e que ela seja explorada da melhor forma possível”, disse Barata. 

Também convidada para compor o painel, a assessora jurídica da Subsecretaria de Parcerias do Governo de São Paulo, Izabel Dompieri, afirmou que o clima é de confiança porque a modelagem foi elaborada por técnicos com grande experiência no setor e utilizou como mote as concessões federais, com a devida preocupação de manter a atratividade, considerando o perfil da aviação regional. 

“Tivemos muito diálogo com entes privados durante a modelagem do projeto, além das audiências públicas. Essa rodada de conversas com investidores foi super positiva e resultou, inclusive, em mudanças na modelagem”, disse. O roadshow que antecede o leilão será realizado nos dias 7, 8 e 9 de junho. 

Edital traz novidades

Dentre as inovações inseridas nos dois lotes, está a criação de uma conta centralizadora responsável pelas receitas da operação, na qual haverá três tipos de movimentação: uma de outorga variável para o poder concedente; outra de ônus de fiscalização para a Artesp; e uma terceira de livre movimentação para a concessionária, segundo explicou Dompieri. 

“A gente entende que a conta traz mais organização para o fluxo do contrato porque divide na origem o que vai para o concedente e o que vai para a Artesp, reduzindo o risco de discussão sobre o pagamento porque ele já vai ser retido na fonte. A ideia foi trazer mais transparência, mais organização e facilitar o papel de fiscalização e controle da Artesp”.

Segundo Barata, o mecanismo é útil para o regulador, que consegue ter uma noção fidedigna de como está a situação econômico-financeira da concessionária, evitando processos administrativos que poderiam gerar discussões e até penalidades.

Outra novidade é a adoção de valores pré-fixados por tipo de fonte de receita, quando o mais comum é que haja liberdade tarifária ou um modelo de receita teto por passageiro. “Sobre a tarifa, a primeira coisa que precisamos entender é que os ativos não são do Estado de São Paulo; eles são de titularidade da União e delegados ao Estado”, pontuou o diretor da Artesp. 

Neste contexto, continuou Barata, o órgão que permite a liberdade tarifária é a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). “A gente adoraria inserir a liberdade tarifária; o problema é que se a qualquer momento tem uma mudança de regra da ANAC, a recomposição disso seria algo muito desafiador para o Estado”.

Um segundo ponto, considerando que a norma federal limita as concessões a um prazo de 35 anos, é que o Estado não tem à disposição o instrumento de prazo para um eventual reequilíbrio contratual, incorrendo no pagamento de indenização. 

“Olhando pela lógica do Estado, isso não faz sentido em termos de atratividade porque a gente sabe que haverá reequilíbrios ao longo do contrato, é normal. Ter mecanismos regulatórios que nos permitam lidar com essa mudança é importante para a gente, por isso a decisão de trabalhar com tetos tarifários nos pareceu o que melhor possibilita operar no cenário que estamos inseridos”, argumentou Barata.

Outra inovação do edital é o abandono dos gatilhos de investimento, que em outras concessões - principalmente de rodovias - gerou discussões entre o poder concedente e a concessionária. “Tentamos fazer uma evolução para o setor de aeroportos, que tem algumas particularidades que nos afligiam na modelagem. Há projetos superdimensionados no setor, investimentos que não se pagam, e esse era nosso maior medo”, indicou o diretor da Artesp.

Assim, a estruturação traz o conceito de gatilho às avessas, que é baseado em ciclos de investimentos. “Tem uma obrigação estabelecida, porém passível de revisão. Se a previsão inicial se mantiver, a concessionária já está obrigada a fazer o ciclo de investimentos estabelecido, mas isso pode mudar. A gente trabalhou usando os instrumentos que o próprio governo federal já tinha desenvolvido no PGI (Plano de Gestão de Infraestrutura)”, explicou Barata. 

“A cada ciclo de revisão ordinária, conseguimos discutir o próximo ciclo de investimentos. Se eventualmente precisar, nós ajustamos este ciclo. É possível até migrar os valores para trabalhar isso em rede. Supondo que um aeroporto se desenvolva mais que outro, podemos migrar os valores entre os aeroportos para otimizar a dinâmica dos investimentos conforme o potencial e o desempenho de cada ativo”, ratificou. 

Risco de demanda e cobranças de IPTU

Dentre outros pontos debatidos no eMeeting, o risco de demanda foi relacionado à necessidade de mais investimentos do Governo de São Paulo nas regiões interioranas de modo que haja maior atratividade para as cidades e, consequentemente, um melhor desempenho dos aeroportos. 

O diretor da Artesp ressaltou que já existe um programa de incentivo tributário para a aviação regional e que o Estado vê periodicamente potenciais novas empresas aéreas focadas em aviação regional olhando para o Brasil - e principalmente para São Paulo, que já tem uma economia desenvolvida e possui uma demanda que busca uma oferta não materializada.

Barata também reafirmou que o risco de demanda, embora seja 100% da concessionária, é reduzido pela estratégia de investimentos mencionada anteriormente. “Além disso, a gente não quis forçar ou induzir receitas não tarifárias, ou seja, de exploração comercial das áreas; a gente quis mostrar um cenário de viabilidade sem induzir para um caminho que depende da dinamicidade da economia”, complementou. 

Segundo Ana Beatriz Fernandes, diretora geral da Investe São Paulo, há iniciativas em curso para aumentar a atratividade de regiões menos avançadas em termos econômicos, como o Vale do Ribeira e o Vale do Paranapanema. “Estamos fazendo um esforço extra para melhorar a infraestrutura da região e trazer mais investimentos”, afirmou Fernandes. 

O moderador da discussão, Wanderley Galhiego, que é diretor da Socicam, parabenizou o Governo do Estado de São Paulo por “sair de cima do muro” em relação às cobranças de IPTU nos aeroportos, um risco que nas concessões federais cabe integralmente à iniciativa privada. 

“A gente procurou entender a legislação tributária de cada um dos 22 municípios para saber onde haveria, de fato, espaço para cobrança de IPTU, pois há municípios cujos aeroportos estão em áreas rurais. Tendo em vista a perspectiva de receitas na exploração de áreas comerciais, a gente estabeleceu qual seria o montante devido pela cobrança de IPTU nas municipalidades onde há essa possibilidade, sempre limitado às áreas comerciais, pois parece ser a tendência jurisprudencial do assunto”, disse Barata.

“O risco da cobrança fora das áreas comerciais não faz o menor sentido, em nossa análise, pois inviabiliza a concessão dos aeroportos; há, inclusive, uma cláusula de saída contratual nesses casos. A ideia é que a gente possa acabar com o contrato de concessão antecipadamente ou excluir o aeroporto da concessão, fazendo o reequilíbrio se isso for possível”, continuou.

Em linhas gerais, concluiu o diretor da Artesp, “o intuito [da modelagem] foi não deixar brecha neste sentido e criar os mecanismos para evitar que os municípios, no afã de sair cobrando [o IPTU] por achar que isso vai revolucionar a receita municipal, não inviabilizem o investimento na infraestrutura, que é o que todo mundo quer, inclusive o município”.


Por Henrique Cisman