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Mudanças propostas em revisão de REN 482 geram divergências

Entre os pontos polêmicos, estão o pagamento pelo uso do fio e as revisões do sistema de compensação e dos gatilhos

11 de outubro de 2019Infraestrutura

Considerada o marco legal do segmento de geração distribuída (GD), a Resolução Normativa nº 482/2012 caminha para ganhar uma nova revisão. Necessária do ponto de vista econômico e parte de um esforço de modernização do setor elétrico, a atualização da medida é vista como um divisor de águas, mas gera divergências, em especial no que diz respeito à eliminação de benefícios e à cobrança pelo uso do sistema de distribuição. Entre os cenários que estão sendo propostos, há a perspectiva de manutenção do sistema vigente, por meio da alternativa 0. Espera-se que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apresente a proposta ainda neste mês. 

"Se analisamos a experiência europeia, por exemplo, vemos um elemento que hoje repercurte no continente em termos de diretivas, ou seja, mais do que uma regulação, uma visão de política setorial. Hoje, [no Brasil,] estamos em um contexto de trabalhos de um grupo de modernização que vão nos apontar os pilares e a ótica de futuro para o setor. Nesse quadro, essa revisão nos indica qual será o papel da micro e da minigeração distribuída e como vão se expandir", afirma Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (FGV/Ceri) e ex-titular da Aneel. "Como economista, avalio que esse processo é fundamental e está alinhado à modernização [do setor elétrico]", opina. 

Por sua vez, Marina Meyer, diretora jurídica da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), defende a manutenção do modelo atual. "A distribuidora fala que teríamos que pagar pelo uso do fio [sistema de distribuição], mas já pagamos.  Se entramos com um processo de conexão na microgeração, pagamos pelo uso do fio por meio do custo de disponibilidade. Acima de 75 quilowatts [KW] e abaixo ou igual a 5 megawatts [MW], que seria a minigeração, já pagamos um valor – uma demanda contratada em um contrato específico de uso do sistema de distribuição [...]. Agora, a intenção é propor outra taxa", pondera.


Histórico da medida

Publicada em abril de 2012, a REN nº 482 foi percebida como o marco do segmento de micro e minigeração distribuída, trazendo as condições gerais para o acesso de ambas aos sistemas de distribuição de energia elétrica e estabelecendo o sistema de compensação de energia elétrica, entre outros pontos. 

Posteriormente, a Aneel realizou uma nova atualização, por meio da REN nº 687/2015, alterando a 482 e módulos dos Procedimentos de Distribuição (Prodist). Esse texto já trazia em sua redação a previsão de mais uma  revisão até o dia 31 de dezembro de 2019. Antes, porém, outra norma, a REN nº 786/2017, passou a especificar o enquadramento da minigeração. 

Players do setor energético, desde então, analisam como proceder diante da possibilidade de manutenção do atual cenário ou de estabelecimento de um ambiente com nova regulação. 

"Ao longo do período, como a Aneel já está fazendo, é importante que [a mudança] ocorra de forma transitória e o mercado não seja bruscamente impactado. Estamos falando de uma mudança de paradigma no setor, de um sistema que era puramente centralizado para um distribuído, de planejamento energético. Portanto, vejo que essa transição deve ser suave, de forma também a incentivar o crescimento da GD", declara, por sua vez, Luiz Fernando Serrano, Business Development & Investment Officer da RZK Energia. 


Possíveis mudanças

Espera-se que a Aneel apresente um novo texto ainda em outubro. A partir daí, seriam organizadas audiências públicas para registrar o recebimento de contribuições e o processo estaria concluído em 90 dias, o que atenderia o prazo proposto anteriormente. A agência trabalha com seis alternativas, já considerando o período de transição e distintos cenários de expansão da GD. 

"A resolução que está vindo agora está reavaliando os impactos para os anos vindouros. Na minha avaliação, o processo é fundamental e se alinha a todos os outros desenvolvimentos do setor [de energia]", opina Joisa Dutra. Em relação às alternativas propostas, ela entende que relativizar o benefício é essencial para o crescimento sustentável do mercado. 

Nas alternativas propostas, a Aneel considera diferentes componentes da tarifa. Além da alternativa 0, que mantém o sistema exatamente como é atualmente, há outras cinco: na primeira, o consumidor com geração própria paga pelo valor correspondente ao transporte e à distribuição da energia que foi consumida (equivalente a cerca de 28% do kWh); na segunda, ele passaria a pagar por todo o transporte, o que equivale, em média, a 34% do valor do kWh utilizado; a alternativa três considera o pagamento da parcela do transporte e dos encargos, o que corresponde, em média, a um total de 41% do valor do kWh utilizado; já na opção quatro, além dos custos das demais alternativas, o consumidor também arcaria com as perdas no transporte de energia, o que representaria cerca de 49% do valor do kWh utilizado; e, por fim, na alternativa cinco, o consumidor com geração distribuída paga por todos os componentes tarifários com exceção da parcela correspondente à compra de energia. Essa última proposta equivale ao pagamento de aproximadamente 63% do valor do kWh utilizado.

Outro ponto que gera dúvidas está relacionado aos gatilhos específicos que, ao ser atingidos, acionariam determinadas medidas. Em nota técnica divulgada em 2018, a Aneel pontuava a diferenciação entre o gatilho da geração local e da remota, uma vez que possuem diferentes impactos econômicos e técnicos, e propunha que o modelo do sistema de compensação fosse avaliado de forma independente. 

"Há duas opções de implementação: a primeira é estabelecer valores específicos de potência para o gatilho da geração local e da remota, opção que gera maior dificuldade no acompanhamento; a segunda é estabelecer um único gatilho, obtido com a soma das potências dos dois tipos de geração, o que tem como principal vantagem a simplicidade: porém, sua desvantagem é o risco de uma das modalidades crescer de forma mais acentuada e limitar a potência de conexão da outra. A opção de gatilhos distintos para a GD remota e a local é a proposta dessa AIR [Análise de Impacto Regulatório]", considera a agência no texto.


Oportunidades à vista? 

A definição é esperada para os próximos passos de companhias que atuam no segmento. Uma fonte de uma companhia do setor de tecnologia que preferiu manter anonimato informou ao GRI Hub que trabalha com os dois cenários – a possibilidade de manutenção do sistema atual e o planejamento de trabalho a partir de uma revisão da 482, que traria novas oportunidades de negócio. 

O mesmo posicionamento foi apontado pela portuguesa EDP em reportagem realizada pela equipe do GRI Club anteriormente. Em um projeto dedicado ao uso de blockchain e inovação no setor elétrico, o direcionamento que será adotado pela companhia depende ainda da decisão proveniente da revisão da REN nº 482/2012.

"Temos a expectativa de que haja ainda um prazo de adaptação, visto que a revisão caminha com certa morosidade", diz, por sua vez, Luiz Fernando Serrano, da RZK Energia. Para ele, devido às regiões atendidas, os gatilhos propostos ocorreriam depois de 2020; portanto, a empresa teria um período de adaptação, dentro da regra atual. 

A equipe do GRI Hub tentou contato com Rodrigo Limp, diretor da Aneel e relator do processo. Ele não retornou até o fechamento da matéria. 


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