Financiamento de projetos de infraestrutura com títulos sustentáveis

23 de março de 2021Infraestrutura
 A partir de 5 de junho de 2020, com a publicação do Decreto nº 10.387, foi alterado o Decreto nº 8.874, de 11.10.2016, para incluir projetos que “proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes” no rol de projetos passíveis de enquadramento como prioritários, para fins da emissão de debêntures de infraestrutura, conforme previsto na Lei n° 12.431, de 24.6.2011.

Até então, eram considerados prioritários apenas os projetos de investimento (i) objeto de processo de concessão, permissão, arrendamento, autorização ou parceria público-privada e que integrem o PPI – Programa de Parcerias de Investimentos; ou (ii) aprovados pelo ministério setorial responsável ou realizados por concessionária, permissionária, autorizatária, arrendatária ou sociedade de propósito específico constituída para esse fim. 

Com a alteração promovida pelo Decreto 10.387/20, também passaram a ser enquadrados como prioritários os projetos “verdes”, isto é, aqueles cujo escopo proporciona benefícios ambientais ou sociais relevantes. Para fins desta caracterização, referido decreto estabelece que serão considerados os seguintes setores e projetos:
  • Mobilidade Urbana: projetos de sistemas de transporte urbano sobre trilhos (monotrilhos, metrôs, trens urbanos e VLT); aquisição de ônibus elétricos para sistema de transporte e implantação de infraestrutura de Bus Rapid Transit (BRT);
  • Energia: projetos baseados em tecnologias renováveis de geração de energia solar, eólica, de resíduos e pequenas centrais hidrelétricas com densidade de potência mínima de 4 W/m² de área alagada;
  • Saneamento Básico: projetos que envolvam sistemas de abastecimento de água; esgotamento sanitário; manejo de águas pluviais e drenagem urbana; manejo de resíduos sólidos urbanos;
  • Projetos Sociais: projetos realizados em aglomerados subnormais ou áreas urbanas isoladas, conforme definido pelo IBGE.
Em princípio, com as alterações promovidas pelo Decreto acima mencionado, projetos de infraestrutura que apresentem as características elencadas passariam a ser automaticamente enquadrados como “prioritários”, o que pode promover agilidade na captação de recursos através de ofertas públicas de debêntures de infraestrutura.

Por fim, uma vez que tais projetos são, conforme expressamente estabelecido no Decreto 10.387/20, designados como relevantes para fins sociais e ambientais, tal fato deve facilitar a certificação das debêntures de infraestrutura a serem emitidas para fins de seu financiamento como “Títulos Verdes”. Como exemplo, vale mencionar as emissões de debêntures realizadas em julho de 2020 pela Iguá Saneamento e pela sua subsidiária Paranaguá Saneamento, no montante agregado de R$ 880 milhões, cujos recursos estão sendo investidos em projetos que trarão benefícios socioambientais.

Ademais, é de se esperar que seja observada a demanda por tais debêntures certificadas, uma vez que no mercado nacional e internacional é cada vez maior o interesse de investidores pelos chamados “títulos sustentáveis”.

Emissão de títulos verdes por companhias brasileiras: cenário atual

O mercado de Títulos Verdes (também chamados de “Green Bonds”) tem crescido de forma significativa ao longo dos anos diante da forte demanda de investidores que priorizam a gestão de riscos e governança das empresas em relação aos impactos sociais e ambientais gerados pelo negócio.

Neste sentido, uma quantidade cada vez maior de companhias tem utilizado Títulos Verdes como modalidade de captação de recursos. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o volume de emissões desses títulos foi de US$ 41 bilhões em 2014, passando para US$ 328 bilhões em 2019 (sendo que, até julho de 2020, foram emitidos títulos em montante de aproximadamente US$ 122 bilhões). Segundo dados da Climate Bonds Initiative, até o início deste ano, era esperado um volume de US$ 350 bilhões em 2020.
¹ https://www.greenfinancelac.org/wp-content/uploads/2020/07/Webinar_Titulos-Verdes_IDB-CVM-B3-SSE-FINAL-290720.pdf - Dados do BID baseada em dados da Bloomberg de 04/06/2020.
² https://www.climatebonds.net/


Conceito: o que são os Títulos Verdes?

Títulos Verdes são instrumentos de renda fixa por meio dos quais o emissor capta recursos que devem ser exclusivamente utilizados para investimentos em “projetos verdes”, isto é, projetos e/ou atividades que promovam a sustentabilidade ambiental, inclusive a climática.

Um Título Verde é essencialmente como qualquer instrumento de dívida utilizado por companhias, como e.g., debêntures, notas promissórias (no mercado local) e bonds e notes (no mercado internacional), com o diferencial de possuírem esse “carimbo verde”. Portanto, a principal distinção existente entre os títulos de dívida normalmente encontrados no mercado e um título verde é que neste o emissor se preocupou em classificá-lo como tal, indicando ao mercado sua preocupação em investir e desenvolver projetos sustentáveis (i.e., destinação específica de recursos captados para tais projetos). 

Experiência internacional: características do mercado internacional de Títulos Verdes

Atualmente, o mercado internacional de Títulos Verdes (Green Bonds) é autorregulado. Em outras palavras, os próprios emissores estipulam as regras e os parâmetros que deverão ser observados para a emissão de tais títulos. Tipicamente, não há órgão governamental que regule a classificação dos títulos como “verdes”.

Os primeiros Green Bonds foram emitidos pelo Banco Europeu de Investimento e pelo Banco Mundial, em 2007 e 2008, respectivamente. Desde então, iniciou-se um movimento no mercado que impulsionou as emissões de Green Bonds por bancos de desenvolvimento, companhias privadas e até mesmo órgãos do setor público, que aproveitaram o apelo sustentável desses títulos para atrair novos investidores, especialmente aqueles interessados em investimentos que tenham, além do retorno financeiro, um resultado socioambiental mensurável. 

O mercado mundial de Green Bonds tem crescido rapidamente. Segundo a Climate Bonds Initiative, em 2019 alcançou-se o recorde de emissões desses títulos no mundo, com total de USD 258.9 bilhões, divididos em 1.802 emissões realizadas por 506 emissores. Entre esses emissores, 291 são empresas que emitiram Green Bonds pela primeira vez.

Como consequência de tal crescimento, determinadas instituições financeiras interessadas em estabelecer princípios para o desenvolvimento sustentável do mercado de Green Bonds divulgaram, em conjunto, o “The Green Bond Principles”, um manual que contém diretrizes gerais para a emissão dos Títulos Verdes. Entre as diretrizes, destacam-se as políticas de transparência, monitoramento e divulgação de informações com objetivo de demonstrar aos investidores e ao mercado em geral que os recursos por eles investidos são utilizados para investimentos em projetos sustentáveis. 

Uma característica interessante do mercado internacional de Green Bonds é que, na maioria das vezes, os próprios emissores classificam seus títulos como verdes. Todavia, nota-se que o mercado tem se mostrado mais exigente com relação a essa classificação, cobrando dos emissores a contratação de uma empresa especializada que certifique o projeto como tal.

O desenvolvimento do mercado de Títulos Verdes no Brasil

Algumas companhias brasileiras já realizaram captações no mercado internacional por meio de Green Bonds, como BRF, BNDES, Rumo, Klabin, Suzano Papel e Celulose, entre outras. Em todos os casos, as emissões foram realizadas em linha com os padrões internacionais, sendo os recursos destinados a projetos sustentáveis.
 
No mercado local, diversas companhias (principalmente dos setores de energia renovável, transporte e saneamento) já obtiveram o “carimbo verde” para suas ofertas de debêntures (inclusive de debêntures de infraestrutura), tais como Neoenergia, Iguá Saneamento, Rio Energy, entre outras. Segundo dados da ANBIMA, há um volume total de debêntures “verdes” no mercado atualmente que ultrapassa o montante de R$ 7 bilhões.

Tais operações reforçam as demonstrações de interesse dos participantes do mercado local pelo desenvolvimento do mercado de Títulos Verdes no Brasil. Entre as iniciativas recentes, destaca-se a publicação do Guia para Emissão de Títulos Verdes no Brasil, elaborado em uma parceria entre a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. O guia tem como objetivo, além de fomentar o desenvolvimento do mercado nacional de títulos verdes, instruir os participantes do mercado de renda fixa em relação aos procedimentos envolvidos na emissão de tais títulos. 

Nos últimos anos, diversas ações foram desenvolvidas visando promover as finanças sustentáveis no Brasil. Em novembro de 2018, a B3 passou a identificar em sua plataforma os Títulos Verdes e Sustentáveis. Adicionalmente, a B3 passou a apoiar a Plataforma de Transparência de Títulos Verdes para a região da América Latina e Caribe (
Green Bond Transparency Platform) do BID a fim de dar visibilidade aos Títulos Verdes registrados no Brasil e atrair mais investidores.
³ http://www.climatebonds.net/
Bank of America Merrill Lynch, Citibank, Credit Agricole Corporate and Investment Banking e JP Morgan Chase

 
Conclusão

Segundo o Climate Bonds Initiative, o Brasil possui papel de destaque no desenvolvimento do mercado mundial de Títulos Verdes, tendo em vista os diversos projetos desenvolvidos no País que poderiam ser classificados como “verdes” pelos parâmetros internacionais.

Em linha com tal entendimento, as autoridades e os agentes de mercado locais têm buscado criar incentivos para que companhias brasileiras utilizem tal mecanismo de forma a obter o funding necessário a seus projetos que tenham natureza sustentável, uma vez que a demanda por tais títulos demonstra-se consolidada (observado o incremento no volume de captações verificado nos últimos anos).

Pinheiro Neto Advogados

Fundado em 1942, Pinheiro Neto Advogados é um escritório brasileiro, independente, de atuação diversificada (full service), especializado em operações multidisciplinares e capaz de traduzir o ambiente legal brasileiro em benefício de seus clientes.

Co-Autores

Marcos Saldanha Proença

Felipe Morais Assunção

Maria Christina M. Gueorguiev

Thais Lorenzi Ambrosano

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