Roberto Setubal: momento do País e crédito imobiliário

Empresário fala também sobre a transição de comando no Itaú Unibanco.

10 de julho de 2017Mercado Imobiliário
Depois de 23 anos como presidente executivo do Itaú – e do Itaú Unibanco a partir da fusão com o então concorrente celebrada em 2008 –, Roberto Setubal deixa o cargo, mas continua a ocupar uma importante posição no grupo, no conselho de administração e como acionista. Em reunião a portas fechadas com membros do GRI em abril, ele falou sobre essa transição e diversos outros tópicos. Acompanhe os principais:


Crescimento nacional

"É surpreendente que um governo com baixa popularidade esteja fazendo mudanças tão importantes. Imaginei que seria uma transição que apenas levaria o navio para o porto. A equipe econômica é espetacular. Com o teto dos gastos públicos, e se passar a reforma da Previdência, o País vai ficar blindado contra aventuras populistas. A questão fiscal está sendo organizada. Já a trabalhista ainda é um grande problema. O crescimento nacional vai depender de ganhos de produtividade, especialmente agora que a expansão populacional está menos acelerada."

Donald Trump e Brexit

"O Brasil tem hoje tantas dificuldades internas para administrar que questões externas como a posse de Trump e a decisão do Reino Unido de deixar a Comunidade Europeia causam relativamente pouco efeito aqui. Ainda assim, o humor do investidor é impactado."

Perspectivas do mercado de crédito

"Existe, no País, um potencial de crescimento de crédito muito grande em algumas áreas. Em comparação com outros mercados, o volume de crédito na nossa economia é alto, especialmente para pessoa física e principalmente ligado ao consumo. Por outro lado, o crédito imobiliário e os financiamentos de longo prazo seguem baixos. Há, aí, um potencial enorme de expansão."

Uniformização das condições de financiamento

"Construir um mercado de financiamento de longo prazo é um processo que vai se dar aos poucos, partindo do juro alto para o médio e depois o baixo. Contudo, é possível atrair o interesse do investidor na medida em que ele comece a acreditar nesse movimento e a demandar alternativas de prazo mais longo para ter maior yield. Defendo que se acabe com o CRI e o CRA para o mercado ficar mais uniforme. É como a história da meia-entrada: para dá-la a um grupo, há que se cobrar mais caro dos demais. Com os juros, acontece algo semelhante: se há gente beneficiada em certo setor, outros precisam pagar mais. O sistema financeiro, para ser eficiente e dar juro mais baixo para todo mundo, tem de eliminar tudo isso, ou seja, eliminar subsídios, isenções tributárias e direcionamento de crédito."

Potencial do crédito imobiliário

"Nosso sistema de crédito imobiliário baseado na caderneta de poupança tem uma limitação de crescimento enorme. Em dois ou três anos, se os juros baixarem, a demanda por esse tipo de crédito deve subir e bater a caderneta de poupança, que não tem espaço para se expandir mais. Precisamos de um mercado de longo prazo de juros mais baixos. Se fizermos as reformas [de que o País necessita] a médio prazo, crédito imobiliário na casa de 6% a 7% ao ano será algo totalmente possível."

Futuro da rede de agências

"Eu nos vejo reduzindo o número de agências; porém, esse é um processo que quem vai definir é o cliente. Vai acontecer naturalmente, conforme o cliente opte por usar o banco de outras maneiras e as agências fiquem ociosas. Se o cliente voltasse a querer ir à agência, nós as reabriríamos. Seguindo a tendência atual, em dez anos devemos ter metade das agências de hoje ou menos. Todavia, ressalto que gostaríamos muito de dar utilidade para os pontos que detemos, pois é muito difícil construir uma rede de agências nas localizações em que estamos."

Transição no Itaú

"Acredito muito em governança e ela foi a base do processo de transição de comando que estamos fazendo no Itaú Unibanco [Candido Botelho Bracher assumiu a presidência executiva em abril]. Eu até teria condições de continuar à frente do banco, mas consideramos mais importante seguir o estatuto, que previa a mudança, e estimular que o banco se renove. O fato de eu estar bem me dá condições inclusive de apoiar quem está entrando, garantindo uma transição suave. Nos últimos dois anos, desde que definimos o momento da minha saída, debatemos a governança que queríamos, mais do que o nome de quem me substituiria. Fui CEO por 23 anos, estava na vice-presidência do conselho e ainda era acionista, uma mistura que me dava uma autonomia muito grande para decidir. O banco não poderia funcionar assim no futuro. Aí organizamos detalhadamente qual será o papel do executivo e que decisões ficam para o conselho. Montamos algo que creio ser espetacular. Governança existe para garantir que a empresa continue operando bem e dando bons resultados. Como assegurar isso? Ao longo dos anos, criamos um programa de metas para todas as áreas e funcionários. São metas tipicamente quantitativas e amarradas com a política de remuneração. Hoje, se alguma coisa tem de mudar no banco, alteramos a meta – ou o peso dela, se for o caso. As metas, no fundo, definem o que se quer para a companhia. Por isso, as levamos para o conselho. É lá que vão se concentrar essas decisões, para assegurar que o banco continue focando as coisas certas."

Estilo de liderança

"Sou naturalmente tímido. Minha forma de ser e de conduzir o dia a dia do banco foi ir criando confiança em torno de mim muito pelo exemplo. Essa autenticidade confere substância. Não há fórmula. Liderança de longo prazo é algo que se dá muito mais pela consistência dos atos e pelo jeito de tratar as pessoas."

Carreira pública

"Não me vejo no setor público. Minha maior contribuição para o Brasil é fazer um banco eficiente. Alguém do setor privado ir para o público pode ser bom, mas também complicado, especialmente caso se trate da presidência da República. O presidente deve ter uma visão para além da de um gestor. É fundamental ter experiência política e saber interagir com o Congresso."