Repasse do INCC gera contestações no CVA; o que fazer?

Alta do indexador aperta o bolso dos clientes, mas cobrança encontra embasamento legal e jurídico

5 de outubro de 2022Mercado Imobiliário
Um dos pesadelos da construção civil desde o segundo semestre de 2020, a alta nos custos de materiais e equipamentos também afeta os compradores de imóveis. Isso porque o valor das unidades é corrigido pelo INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) durante a fase de obras, impactando o bolso das famílias, principalmente as de menor renda. 

O sócio do escritório Chodraui & Tambuque Advogados, Rodrigo Tambuque, revela que nos últimos meses foi bastante procurado por incorporadoras que receberam contestações de clientes no repasse do INCC, especialmente em imóveis econômicos. “Já emitimos alguns pareceres tranquilizando as empresas sobre a legalidade da cobrança”, afirma.

O especialista explica que o crédito associativo firmado com a Caixa Econômica Federal no âmbito do programa Casa Verde e Amarela considera o valor orçado da obra sem o repasse do INCC. “Após cada medição, a Caixa faz o pagamento à incorporadora sem essa correção, por isso orientamos que haja uma cláusula no contrato de compra e venda deixando claro ao comprador que haverá este repasse”. 

Esta cobrança, continua Tambuque, serve para preservar o equilíbrio econômico-financeiro do projeto. “O que nós orientamos é que sempre haja essa previsão contratual, em que o comprador concorda com o direito de cobrança da eventual diferença entre a importância liberada pelo agente financeiro e aquela que seria devida mediante a aplicação da variação positiva do INCC”. 

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Embora a inclusão no contrato seja importante, o repasse do indexador é garantido por lei e encontra respaldo jurisprudencial, como no julgamento do Tema 996, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com repercussão geral. “Aplicar a correção monetária não significa ter um acréscimo patrimonial; pelo contrário, sua não aplicação daria enriquecimento sem causa à outra parte, o que é vedado pelo ordenamento jurídico”, ratifica Tambuque.

Dentre as leis que garantem essa recomposição inflacionária, estão a Lei da Liberdade Econômica, que alterou os artigos 421 e 421A do Código Civil; o artigo 46 da Lei 4.591/1964, que dispõe sobre as incorporações imobiliárias; o artigo 884 do Código Civil, que veda enriquecimento sem causa, e o artigo 28 da Lei 9.069/1995, que dispõe sobre o Plano Real e o Sistema Monetário Nacional. 

Maior proximidade com o cliente

Segundo a gerente jurídica da Yuny Incorporadora, Elisa Avólio, houve um aumento nas contestações da cobrança do INCC na virada de julho para agosto deste ano, quando o reajuste foi “importante”.

“Entramos em contato com cada um desses clientes para explicar o porquê da cobrança e do valor. Em paralelo, estamos elaborando uma cartilha e um vídeo explicativo com essas informações para deixá-las ainda mais claras para o adquirente, tornando o processo mais transparente e didático”, afirma. 

Até o momento, todos os questionamentos foram extrajudiciais, sejam diretamente com a empresa ou através do Procon. 

Avólio assinala que a correção pelo INCC durante a obra está prevista nos compromissos de compra e venda da empresa. “Acredito que seja mais uma questão de esclarecer mesmo, pois quando vem um aumento importante no valor, é normal que o cliente questione. O esclarecimento foi fundamental para evitar litígios”, completa. 

Além desta iniciativa de comunicação, a incorporadora oferece alternativas para os clientes a fim de aliviar o impacto do repasse no bolso, como o parcelamento dos valores. 

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Ponto de inflexão

O INCC desacelerou para 0,1% em setembro, segundo a FGV. O grupo de materiais e equipamentos, maior vilão no rali de preços do setor, apresentou deflação de 0,06% no período. 

Segundo o proprietário da Tallento Engenharia, Hernani Varella, os preços estavam comprimidos, mas já se aproximam da média histórica - considerando a inflação. “Já vemos uma inflexão dessa curva na maioria dos materiais, como aço e concreto, cujos preços já não sobem com a mesma velocidade de antes”. 

A previsão da companhia é que entre o final de 2022 e o início de 2023 já não ocorra mais tamanha defasagem entre o INCC e as variações reais dos insumos, embora os próximos capítulos da guerra na Ucrânia e o resultado das eleições presidenciais sejam fatores de atenção.


Preços dos insumos aumentaram muito acima do INCC, não sendo suficiente para recompor a inflação setorial no período. Fonte: Tallento Engenharia

“Ainda existe um descolamento do INCC em relação ao que existe efetivamente nos custos de obra. Em nossos projetos, este gap negativo é de aproximadamente 22%, apurado entre junho de 2020 e maio de 2022”, endossa Elisa Avólio. 

Nas medições realizadas pela Tallento, a discrepância é ainda maior, em torno de 35%, segundo Varella. Como exemplo, em agosto de 2022, o INCC-DI acumulado desde janeiro de 2020 foi de 34,1%, enquanto a variação no preço do aço, no mesmo período, foi de 114,1%; do concreto, de 86,3%; do alumínio, 54,6%; e do cobre, 40,3%, segundo dados da Tallento Engenharia

O executivo aponta que a companhia faz as medições desde 2007 e, neste período, destaca a crise econômica nacional iniciada em 2014 como um ponto relevante para a situação atual: “A cadeia de fornecimento se esfacelou; muitas empresas quebraram ou saíram do mercado, enquanto poucas resistiram”.

Conforme a economia do país se recuperava, a demanda crescia, e a partir do segundo semestre de 2020, houve um choque. “A cadeia de suprimentos não estava preparada para isso, e aqueles fornecedores que estavam há cinco anos no vermelho entenderam que era hora de recompor margem, quase sem concorrência”. 

Agora, contudo, a continuidade de uma recuperação econômica e de um mercado imobiliário aquecido já começa a atrair novos players, resultando em estabilidade. “Faz parte do nosso trabalho buscar novos fornecedores e hoje já encontramos novos entrantes, com administração diferenciada e margens menores em busca de ganhar mercado”, encerra Varella. 

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Por Henrique Cisman