Oferta de multipropriedades aumenta 18% em 2020 e mantém tendência de alta

Alto VGV atrai interesse de incorporadoras; crescimento médio anual nos últimos três anos é de 26%

25 de março de 2021Mercado Imobiliário
O segmento de multipropriedades se sobressaiu no ano passado, principalmente devido à maior procura por opções de lazer durante a pandemia. O Nordeste foi a região que mais se destacou, cuja oferta de unidades cresceu 32%, seguida pela região Sul, com 28%, segundo dados da Caio Calfat Real Estate Consulting. De acordo com este levantamento, havia até abril do ano passado 109 empreendimentos de multipropriedade no país.  

Em relação ao perfil dos projetos, os apartamentos representam 77% do total, seguidos por casas, bangalôs e chalés (18%) e empreendimentos mistos (5%). Entretanto, o que mais chama atenção é o valor geral de vendas (VGV), que somou R$ 13,7 bilhões comercializados até a data mencionada, de um total de R$ 24 bilhões lançados (VGV potencial). 

Para Rafael Almeida, CEO do Grupo Natos, apesar de o setor ainda enfrentar dificuldades, a multipropriedade tem apresentado boa atratividade, dado que, ao serem vendidas várias cotas de uma mesma unidade imobiliária, os custos são divididos entre os adquirentes. Por este mesmo motivo, o imóvel é utilizado na maior parte do tempo, ao contrário do que ocorre quando há apenas um dono.

A maior procura, atualmente, direciona-se a empreendimentos das classes B e C, mas Almeida afirma que multipropriedades para a classe A também têm sido demandadas no mercado, uma vez que, ao invés de o indivíduo optar por uma segunda moradia, pode - com o mesmo recurso financeiro - desfrutar de estadias em vários lugares.

“Entretanto, é uma incorporação que exige trabalho maior porque como há vários proprietários por apartamento, a cobrança e o pós-venda são mais complicados. Fora isso, neste quesito, são muitos os pontos positivos”, ratifica o executivo. 

Fabio Godinho, CEO da GJP Hotels & Resorts, destaca um dos aspectos favoráveis da multipropriedade, que é o fato de ela ser intensiva em capital e aumentar significativamente a TIR do investimento. “A maior dificuldade, entretanto, e também o que mais nos motiva, é prestar um serviço de hospitalidade impecável para este cliente que investiu conosco no longo prazo. Isso garantirá proprietários satisfeitos e uma carteira imobiliária bastante saudável”, complementa.

O presidente da VCI SA, Samuel Sicchierolli, menciona o aumento do VGV como um fator de grande atratividade nesse mercado, mas explica que muitas incorporadoras entram no segmento sem a estrutura necessária, um ponto que requer atenção. “Acredito que o conceito de ancoragem só faz sentido com uma marca de primeira linha que agregue valor”. 

Compartilhando do mesmo pensamento, o executivo Rafael Almeida explica que, pelo fato de o cliente comprar uma parcela do imóvel, e não o valor por metro quadrado, é possível atingir VGVs maiores; entretanto, o índice de cancelamentos também é maior e há um aumento das despesas administrativas e de pós-venda, como o custo de comercialização. “Só um VGV alto não resolve muita coisa se o ciclo não estiver todo fechado”, afirma.

Para atingir sucesso nos projetos, o CEO da GJP Hotels & Resorts menciona, além da boa experiência ao cliente, a necessidade do conhecimento sobre a dinâmica do mercado local. “A GJP consegue visualizar efetivamente as diferenças regionais e as diversas variações dos públicos em cada localidade”, acrescenta Godinho.

Particularidades para se ancorar um projeto desse perfil

Marcelo Gonçalves, sócio-consultor da Brain Inteligência Estratégica, expõe que diferentemente de um timeshare, que se encontra ancorado em intercambiadoras , na multipropriedade existe um vínculo devido à compra de uma fração do imóvel, muito embora também seja possível intercambiar a estadia.

“É por isso que a multipropriedade utiliza grandes intercambiadoras de sucesso para que a pessoa consiga disponibilizar algumas semanas naquele empreendimento. Além da âncora efetiva, a intercambiadora é essencial para poder proporcionar uma boa experiência”, aponta o executivo.

Para Sicchierolli, os projetos necessitam de um grande planejamento na escolha da área, dos arquitetos, na definição da marca, na aprovação de campanhas de marketing, nos contratos e no pós-venda. “Temos hoje canais de venda online e concept stores espalhadas em locais estratégicos. Com relação ao acesso de capital, temos alguns FIDCS e CRIs nacionais e algumas estruturas internacionais que estão com apetite para o mercado”, assinala.

Na GJP Hotels & Resorts, Godinho evidencia que o principal ponto na estratégia de vendas e marketing é o foco nas férias para as famílias e nas experiências diferenciadas que eles terão ao adquirir o produto; com relação ao acesso a capital, o executivo explica que a indústria está evoluindo rapidamente com a securitização de recebíveis em conjunto com players financeiros de alto nível.
 
Dado que alguns meses de 2020 surpreenderam quantitativamente nas vendas, muitas vezes sendo o dobro do planejado pelo Grupo Natos, Almeida expõe a necessidade de as incorporadoras reverem suas prioridades a fim de oferecerem o melhor serviço aos clientes.
 
“Antigamente, concentrávamos nossa análise em coisas básicas como água, esgoto e energia. Como a cada dia que passa, as pessoas estão trabalhando mais remotamente, hoje focamos na infraestrutura de dados porque temos que ter isso adequado aos hotéis e resorts”, afirma.

A multipropriedade pode tomar o espaço ocupado pelos hotéis?

Para Gonçalves, além de a demanda ter uma tendência crescente, o mercado de multipropriedades encontra-se hoje muito mais maduro, dado que os desenvolvedores e usuários perceberam que se trata de um mercado turístico, e não de investimento, e que, para atingir um bom resultado, não basta considerar somente a multiplicação do VGV.

Mesmo neste contexto, Sicchierolli não acredita que a migração de modelo da hotelaria tradicional para multipropriedade ocorra de maneira rápida, tendo em vista que os condo-hotéis possuem dificuldade na mudança do regime de incorporação. “No caso de hotéis puros, os proprietários brasileiros usualmente têm um racional de valuation que a conta não fecha, mas no pós-pandemia haverá vários distressed assets, na minha opinião”.

Para Rafael Almeida, quando o proprietário coloca a segunda moradia no pool de locação, o empreendimento passa a concorrer com os hotéis; entretanto, os projetos que atualmente vêm sendo desenhados não se constituem somente por um quarto, mas sim por outros serviços e experiências envolvidos. “Não vejo [a multipropriedade] como um concorrente que prejudica a hotelaria e que abaixa a diária média. Vejo como um setor que eleva o nível da hotelaria de lazer”. 

Com ideia parecida, Godinho explica que o perfil do cliente não é o mesmo, sendo importante existir diferentes opções no mercado a fim de adequar a oferta de produto correta aos desejos do público. “Na GJP, acreditamos que hotelaria, multipropriedade e também o timeshare se complementam e devem coexistir”.

Revenda de cotas: diferenças entre Brasil e Estados Unidos 

Ao tratar sobre o mercado de resale para o Deed Timeshare nos Estados Unidos, formato que mais se assemelha à multipropriedade no Brasil, Almeida, do Grupo Natos, explica que, diferente do timeshare, cujo contrato ocorre por quantidade determinada de anos, na multipropriedade é permitido utilizar o imóvel por uma fração de tempo e, caso isso não ocorra, pode-se escolher outras alternativas.

Nos Estados Unidos, essa indústria de multipropriedade nasceu primeiro, mas após a entrega os incorporadores e operadores não se preocupavam com a gestão, gerando resultados insatisfatórios. Por conta disso, sempre procuramos fazer uma gestão específica, desenvolvendo administradoras especializadas em multipropriedade, cada uma com um foco diferente”.

O executivo explica que o mercado secundário no Brasil não acontece por má gestão, mas por fatores como perda de renda e de interesse, isto é, por questões de mercado, e não operacionais. “Essa é a grande divergência entre esses dois mercados”, afirma.

O CEO da GJP Hotels & Resorts, Fabio Godinho, aponta a importância de se preservar o valor das cotas adquiridas para o desenvolvimento contínuo e saudável do mercado no longo prazo. “É um ponto que merece bastante atenção devido à necessidade de se oferecer flexibilidade entre produtos de diárias hoteleiras, timeshare e multipropriedade”.

Na visão de Sicchierolli, o segmento ainda passará por muitas transformações. “Nos EUA, esse mercado de revenda de cotas está baseado em empreendimentos que deram errado, não possuem serviço ou são distressed assets. No Brasil, a venda no mercado secundário ocorre porque temos cotas que valorizaram de 44% a 77% e o cliente prefere obter lucro a vender à VCI pelo preço de compra com as comissões subtraídas”, explica.

Ao compartilhar as principais dicas aos novos entrantes nesse setor, Sicchierolli destaca a necessidade de se avaliar bem o movimento do mercado, dado que os custos comerciais e operacionais são altos; possuir uma marca forte, que aumenta o VGV e garante a perpetuidade do ativo hoteleiro; e estabelecer uma estrutura de vendas multicanais e de atendimento ao cliente.

Para Godinho, é necessário procurar parceiros estratégicos com experiência comprovada no mercado, especialmente na concepção, comercialização e construção do projeto. “Contudo, o mais importante é a entrega consistente de hospitalidade. Essa é a chave para a continuidade saudável do mercado”, finaliza.
Por Henrique Cisman e Júlia Martini GRI Residencial para Renda eSummit