Novos métodos construtivos são alternativa para alto preço dos insumos

Especialistas defendem a industrialização e a sustentabilidade do setor

5 de março de 2021Mercado Imobiliário
 "A necessidade é a mãe da invenção", disse o filósofo grego Platão (428 a.C.- 347 a.C.). Trazendo para os dias atuais, os desafios impostos pela pandemia do novo coronavírus exigem que grande parte das atividades econômicas procure por alternativas aos modos tradicionais. Para a construção civil, a situação não tem sido diferente.   

Isso porque o surto de Covid-19, juntamente com a depreciação do Real, desencadeou um problema na cadeia de suprimentos do setor, seja pela falta de materiais, seja pelo aumento nos preços. Em fevereiro, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), registrou alta acumulada de 10,18% em 12 meses.

Considerando apenas vergalhões de aço e sacos de cimento, insumos primordiais na construção convencional, um levantamento feito por FGV e Sinduscon/SP (Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo) aponta para respectivos aumentos de 45,73% e 37,42% nos últimos 12 meses. No mesmo período, um modelo de fio de cobre atingiu alta de 51,26% no preço. 

Face a essa dura realidade, Bruno Dias, diretor da Diase Construtora, cogitou a opção de importar materiais, mas não considera a opção viável: “O prazo para receber o insumo é de quatro a seis meses. Não conseguimos executar uma obra no segmento industrial e logístico com esta delonga”. Além disso, as tarifas de importação reduzem as vantagens financeiras da operação. 

Hernani Varella, proprietário da Tallento Engenharia, afirma que o empresariado precisa ter criatividade para achar novas soluções que evitem refletir o aumento de custos no preço para o consumidor. Inclusive, no caso de obras já em andamento, lastreadas pelo INCC, o problema pode ocasionar distratos.

“Conforme a jurisprudência, o comprador não precisa de justificativa para distratar o imóvel. Com o aumento de custos, é possível que o cliente se sinta pressionado e peça o rompimento do acordo”, garante o advogado Guilherme Terra, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Neto & Terra.

Em tal contexto, uma opção para o setor é buscar materiais e métodos construtivos que substituam os tradicionais. Ana Belizário, gerente de Projetos e Novos Negócios da Amata, tem notado diversos players do ramo se movimentando nesse sentido.

“Essa relação de disparada no custo de insumos, assim como de mão de obra, é uma tendência. Mesmo que haja uma acomodação em algum momento, vemos que, historicamente, essa pressão tem aumentado nos últimos anos e décadas. Essa é uma das razões pelas quais o mercado tem procurado soluções alternativas de sistemas construtivos, principalmente industrializadas”, diz a especialista.

Fornecedora de madeira engenheirada, a Amata tem visto uma valorização de seu modelo de negócio: “Costumávamos fazer a transposição de projetos inicialmente desenvolvidos para a construção em concreto ou estruturas metálicas. Agora, muitos já estão nascendo com a nossa solução”, complementa Belizário. 

Conservadorismo do setor

Vale lembrar, ainda, que mesmo com as atuais dificuldades em relação à obtenção e aos custos dos insumos, o avanço tecnológico da construção é uma necessidade antiga. Tradicionalmente conservador, o setor evoluiu muito pouco nas últimas décadas, segundo especialistas ouvidos pelo GRI Club.

“Podemos observar uma grande diferença na comparação com outras indústrias. Nos últimos 20 anos, por exemplo, a agricultura introduziu novas tecnologias e máquinas e implantou o controle digital. A produtividade aumentou muito, diferentemente da construção”, assegura André Glogowsky, ex-presidente e atual membro do conselho da Hochtief do Brasil (HTB).

Para Varella, a situação também envolve uma certa acomodação dos players do setor: “Como já tinham os seus fornecedores e materiais preferidos, muitos construtores não buscaram novas alternativas nos últimos anos”.

Rafael Dias, diretor da Diase Construtora, traz um exemplo: “O caixilho de PVC é um produto de alta qualidade usado na Europa e na América do Norte, mas no Brasil não há especificações. Creio que haja algum tipo de preconceito com o produto”, opina.

O conformismo do setor, portanto, acabou por diminuir a gama de materiais e fornecedores da construção. Para Glogowski, inclusive, esses motivos contribuem para a alta no preço dos insumos: “As empresas apertaram os fornecedores [ao longo dos últimos anos] e sobraram poucos no mercado. Quando ele se aqueceu, faltou suprimento e, naturalmente, o preço subiu”.

Industrialização e sustentabilidade

É importante ressaltar que os novos métodos construtivos resolvem não apenas a questão dos insumos: tecnologias como wood frame, construções em containers e a seco (drywall) trabalham em prol da industrialização do setor. 

Fabio Viccari, diretor da Racional Engenharia, explica os benefícios: "À medida que a construção se industrializa, consegue reduzir a mão de obra, melhorar o controle de estoque e reduzir o desperdício de materiais. Nesse contexto, o planejamento também se torna mais assertivo”.

“Nós, por exemplo, modelamos projetos em BIM [building information modeling] visando analisar todas as interfaces, enxergar o projeto como um todo e improvisar o mínimo possível. Pensando nisso, faz muito mais sentido a pré-fabricação”, acrescenta o executivo.

Uma questão aliada ao conceito de industrialização e à utilização de novos materiais é a sustentabilidade. Segundo a gerente da Amata, deverá ser cada vez mais transparente a preocupação com a origem de cada material. As produções de aço e concreto, por exemplo, emitem bastante gás carbônico (CO2).

“Hoje, o impacto ambiental da produção dos insumos não é exatamente precificado, mas em breve será. A entrada dos fundos ESG apontam para isso. Mesmo que seja mais caro em um primeiro momento, não vamos continuar construindo a qualquer custo ambiental”, assegura Belizário.

Isso porque, à medida que os insumos renováveis sejam mais utilizados pelo setor, o preço deles tende a diminuir. Inclusive, países como Canadá, França, Alemanha e Espanha já estimulam a construção a adotar materiais e métodos construtivos mais sustentáveis através de incentivos fiscais ou políticas públicas.

No Brasil, ainda não existe um apoio público neste sentido. Por outro lado, pelo menos não há grande restrição sob o aspecto legal. "O método construtivo deve apenas estar homologado, respeitar a legislação vigente e as normas técnicas da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]”, conclui Terra.

Por Daniel Caravetti

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