Nova dinâmica de trabalho e ESG mudam configuração de produtos imobiliários

Em entrevista ao GRI, Marcos Kahtalian, sócio da Brain, avalia a transformação do setor

28 de outubro de 2021Mercado Imobiliário

Não sei você, mas eu estou um pouco cansado de ouvir o mesmo papo que as casas passaram a ser mais valorizadas durante a pandemia e que os escritórios precisam se adaptar a um modelo híbrido, angariar novas funcionalidades e que o futuro é um regime flexível. Todos já sabemos disso, mas nunca é demais entender as exigências para que os novos produtos imobiliários sejam aderentes à demanda dos consumidores.

Em uma entrevista das boas concedida para o GRI News Brazil, o sócio da Brain Inteligência Estratégica, Marcos Kahtalian, chama atenção para o crescimento do mercado residencial durante a pandemia - traduzido nos mais variados indicadores, dos quais destaco o volume de crédito imobiliário contratado junto à poupança (R$ 154 bilhões de janeiro a setembro, 96% mais que em 2020 e recorde histórico, segundo a Abecip). 

Ora, em que pese a conjunção de fatores, não se pode desprezar que a nova leitura do lar foi um ingrediente importante. Isso não quer dizer que os hotéis, os shoppings e os escritórios perderam seu valor. Foi só a vacinação fazer efeito, já vimos praias lotadas e a volta do trânsito indigesto nas metrópoles, ratificando que o período sombrio de pandemia - agora quase superado - não marca o fim dessas classes de ativos, mas é um marco, sim, da modernização deles. 

Nas palavras de Kahtalian: “Antes da pandemia, era tudo muito dividido. No horário de trabalho, as pessoas iam para o escritório. Acabava o trabalho, era hora de ir para casa, e se estivessem de férias, iam para o litoral ou para a casa de campo. Parece que a pandemia deixou muito mais fluidas essas divisões”. 

Usando uma fórmula, o sócio da Brain sugere que os ativos comerciais sejam mais parecidos com as residências em alguns aspectos, assim como as casas e os apartamentos precisam equivaler ao ambiente de trabalho em certa medida. Ou seja: um escritório mais acolhedor e uma moradia capacitada para experiências profissionais - reuniões a fio sem interferências são um bom exemplo.

Nem mesmo os imóveis de temporada podem ficar na mesmice. Quantos casos de executivos trabalhando na praia - provavelmente de terno, shorts e chinelos - não vimos desde março do ano passado? A segunda moradia passou a ser primeira, uma tendência que vale ser observada pensando em novos projetos. 

A hora e a vez do ESG

Se não engrenar agora, não vingará mais. Esse pensamento simplista sobre sustentabilidade é do autor deste texto, mas de certa forma reflete a análise feita pelo sócio da Brain: “Eu diria que a ficha caiu mundialmente. É um movimento antigo, e de repente se tornou um tema muito presente, começou a ser cada vez mais imperativo”, diz Kahtalian. 

E continua: “Caiu a ficha de que uma empresa sem governança, sem sustentabilidade, sem padrões éticos, legítimos e corretos não tem futuro. Então, o que eu diria que as empresas têm que fazer? Primeiro, fazer uma reflexão e se movimentar para essa orientação, mas não como algo promocional. Ela tem que, de fato, assumir isso como uma condição da sua cultura”.

E os custos de ser uma empresa sustentável? Bem, atender os critérios ESG (você já sabe o significado de cada letra, certo?) implica ter regras de compliance e uma política corporativa bem estabelecida, isto é, lançar mão de investimentos agora para colher a recompensa em termos de geração de valor no futuro. 

Segundo o sócio da Brain, algumas companhias já têm esse DNA há um bom tempo, principalmente empresas de capital aberto. Aliás, este pode ser o grande gatilho da implementação do ESG: sem sustentabilidade, sem dinheiro. O fato novo, porém, é a difusão de tal movimento no mercado imobiliário (brasileiro e mundial). 

“O setor é um dos maiores geradores de resíduos sólidos do mundo. Que gestão ele faz desses resíduos? Nós entendemos que um prédio com vida útil de 50 a 100 anos terá um impacto muito grande na cidade, de ordem socioambiental e energética, ou vamos manter o paradigma de construí-lo para vender ou alugar, e daí em diante o problema não é mais nosso?”, reflete Kahtalian.

Muito mais complicado que assimilar o raciocínio, é colocar em prática que a responsabilidade econômica, social e ambiental consiste em pensar o empreendimento em ciclos longos, desde a cadeia de suprimentos para a construção até o funcionamento do ativo - seja ele qual for.

Por Henrique Cisman