Meio Cheio, Meio Vazio

26 de fevereiro de 2021Mercado Imobiliário
Já passamos o carnaval (que não houve) e segundo a tradição, o ano agora começa para valer. Mas que ano será este 2021? Nunca foi tão difícil acertar uma previsão, a julgar mesmo pela disparidade dos principais agentes econômicos do país, que às vezes estimam a taxa básica de juros ao final do período variando de 2% a 5%. Idem para a inflação, para o crescimento econômico, para o câmbio e por aí vai. Afinal, o que está acontecendo de fato e como será o desempenho do mercado imobiliário esse ano?

Para muitos, o copo está meio cheio, para não dizer cheiíssimo, quase transbordando. Há uma visão comum no meio empresarial de que estaríamos com ótimas condições este ano: taxa de juros muito baixa (mesmo que dobre, continuará ainda baixa em termos reais); crédito abundante (sobretudo do SBPE); demanda forte por galpões e logística em geral (efeito do e-commerce), início da vacinação (com reaquecimento do varejo físico) e crescimento econômico (PIB). Some-se a isso alguns fatores subjetivos; por exemplo: há inegavelmente um efeito de desejo pelo imóvel oriundo de tensões comportamentais advindas da pandemia – nossas pesquisas atestam isso – rearranjando e reaquecendo setores do residencial. E não menos importante: Já sabemos como lidar com a pandemia; ela já é uma “velha” conhecida nossa. Lembram o novo “normal”? Normalizou.

Contribui também para essa visão do copo meio cheio, de certa forma, até mesmo a guinada política para o centrão, o domínio das duas casas legislativas, o que vai gerar - para muitos - as tais das sempre aguardadas aprovações de reformas estruturais e projetos críticos como a independência do banco central. Ou seja, o ano tem tudo para repetir - e até superar - o desempenho surpreendente do mercado imobiliário de 2020.

O empresário, claro, é um otimista por condição. Mas vamos aos analistas de pena mais fria, esses corvos da catástrofe, cuja profissão é avistar e magnificar todos os riscos. Tratam-se de pessimistas por natureza. Como se sabe, o bom de alertar para crises econômicas é que uma hora você acerta e para muitos analistas econômicos o copo está meio vazio, para não dizer furado.

Para aqueles que fazem da análise a profissão de fé, não faltam motivos para o pessimismo. Vamos a eles: desemprego recorde, precarização do trabalho, inflação alta (sem contar a inflação dos insumos! corroendo as margens); retirada brusca do auxílio emergencial mergulhando a população em crise; populismo fiscal (vide as “intervenções” recentes do capitão que vem desagradando nossa Faria Lima); baixo espaço para reformas que afetem as corporações. Em resumo: ausência real de demanda agregada, o que mostraria mais uma vez que o mercado começa o ano otimista, mas terminará melancólico.

Quem tem razão? Qual copo vamos beber este ano? Bem, vamos lá: acostumados que estamos a acompanhar passo a passo em todo o país tanto o nível de oferta quanto o de demanda, o que podemos avaliar para esse ano?

Do lado do copo meio cheio:

  1. Não vemos problema real esse ano ainda para o SBPE, isso é, para os imóveis residenciais com recursos da poupança. Os juros do financiamento continuam na mínima histórica e a intenção de compra voltou a patamares pré-pandemia. A previsão da ABECIP é de um crescimento de 27% no crédito via SBPE este ano. Que seja 10% ou 5%. Será ainda assim um ano muito bom, dado que a base de 2020 foi muito elevada.
  2. Demanda forte por logística, cada vez mais com integração com última milha, incluindo aí até mesmo os Self Storages – muito puxado pelo e-commerce. O inventário de qualidade em diversas regiões está muito baixo, com elevada absorção.
  3. Produtos de investimento: seja no residencial ou no comercial, a liquidez está ardendo na renda fixa. Isso é: o investidor tanto pessoa física de baixa escala quanto estruturados estão com foco em ativos alternativos, dada a taxa de retorno. Forte vocação para a locação residencial e mesmo para comerciais com localização e propostas inovadoras.
  4. Mercado de loteamentos: talvez o mercado mais beneficiado pela relativização da distância gerada pela possibilidade do home-office e pelo desejo de qualidade de vida. Vai continuar firme, inclusive como investimento de reserva, visto que nesse setor a oferta é estruturalmente estrangulada.

Do lado do copo meio vazio:

  1. Saturação de oferta em casos específicos: Se a oferta está baixa no geral do país - e vem caindo, porque houve mais vendas que lançamentos em unidades em 2020 -, não dá para esperar esse ano a mesma velocidade de vendas que ano passado. Sobretudo em algumas cidades (e regiões dentro delas), cujo estoque começa a ser mais significativo. Há que se ter atenção no lançamento das próximas ofertas para entender se de fato o seu produto está capturando uma faixa de demanda não bem atendida. Isso requer inteligência mercadológica, mercadoria escassa, convenhamos, sobretudo porque o mercado é aberto e sem barreiras de entrada. Pergunta que não quer calar: até quando vai o apetite do investidor pelos super-compactos em São Paulo?
  2. Problemão no programa Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa Minha Vida):  Com os custos altos, e sem previsão de melhoria, as margens vão corroer, quando não desaparecer. Não se trata de aumentar limites do programa; existe uma barreira natural da demanda para elevação do preço. Some-se a isso a queda no FGTS. No ano de 2020, este fundo teve a terceira queda consecutiva com perda de 5% do valor emprestado. Ou seja, não apenas o funding não vem subindo, como está caindo – andando de lado na melhor das hipóteses. Além disso, todo novo programa exige tempo de adequação, isto é, ajuste de burocracia para aprovação. Assim, possivelmente este será o mercado mais afetado.
  3. Segmentos em baixa: offices, hotelaria, retail, segmentos em que se deve planejar os produtos este ano e aproveitar para compras, mas se deve ter todo o cuidado ainda, pois só casos bem estudados já indicam clara demanda para lançamento. Só lançar se houver demanda firme.

Como se sabe, o copo não está cheio ou vazio: está na sua precisa metade. Nunca uma metáfora foi tão boa para um ano que, se soubermos aproveitar as metades cheias, será promissor como desejamos.
(O conteúdo publicado nesta sessão não reflete necessariamente a opinião do GRI Club ou de seus membros.)
Marcos Kahtalian
Sócio Dirigente
Brain
 
GRI Residencial Brasil 2021