Loteadoras ainda têm dificuldades para acessar o mercado de capitais

Apesar da elevada disponibilidade de recursos, muitas negociações não avançam

2 de setembro de 2021Mercado Imobiliário

A escassez de produtos de financiamento voltados para o desenvolvimento urbano é um problema antigo enfrentado pelas loteadoras brasileiras, mas ao longo dos últimos anos, com a democratização do acesso ao mercado de capitais, novas soluções surgiram para atender o setor. 

O assunto foi tema de um painel no GRI Loteamentos 2021, que contou com as participações de Camila Almeida, sócia-diretora da Habitat Capital Partners, Nelson Campos, sócio-diretor da Ourinvest Real Estate, Tales Silva, sócio-diretor da Hectare Capital, e Vicente Nogueira, sócio da Faria Lima Capital. O debate foi moderado por Eduardo Scopel, sócio-diretor da Scopel Empreendimentos. 

De acordo com os especialistas, as captações via Certificado de Recebível Imobiliário (CRI) nunca foram tão volumosas como agora, o que fomenta o surgimento de uma quantidade cada vez maior de fundos focados em loteamentos, dado o bom momento vivido pelo setor. Neste sentido, as taxas de juros estão mais atrativas para os tomadores, segundo os painelistas. 

A grande questão discutida é: se existe alta disponibilidade de funding, como conectar de forma mais eficiente as loteadoras ao mercado de capitais? Segundo os gestores, é essencial que as empresas se preparem para poder acessar os recursos, pois apesar de haver investidores menos criteriosos, quanto melhor for o produto e a estrutura do financiamento, melhores também serão as condições da operação para o tomador. 

Namoro que não vira casamento

Representando as loteadoras, Scopel questionou o fato de que, embora realmente haja muito dinheiro na mesa, é grande a quantidade de negociações que não avançam, de modo que a empresa acaba preferindo manter a carteira do que vendê-la. Uma das principais razões para a desistência são as elevadas taxas cobradas na comparação com outros produtos, mesmo que a governança das urbanizadoras tenha melhorado. 

Tal avanço foi reconhecido pelos gestores, que deram como exemplo operações recentes de CRI que injetaram até R$ 100 milhões em projetos. “Em 2017, o investidor não queria saber de loteamento. Houve sim uma grande melhora, as taxas já diminuíram e o mercado está preparado para negociar, até pela competitividade entre fundos, gestoras etc.”, disse Nogueira. 

Ainda neste sentido, é consenso entre os especialistas que quanto mais operações forem realizadas, maior será a curva de aprendizado e mais rapidamente ocorrerá a evolução nos critérios de governança, ponto fundamental para afastar o receio dos investidores, que no passado enfrentaram sérias dificuldades com o setor. 

“Não existe uma estatística, mas existe default, casos em que o investidor perdeu quase tudo. Teve muito CRI de loteamento que deu problema, e por isso muitos gestores não investem mais. Aqueles que investem, colocam esse risco nas taxas”. 

Além das taxas, alguns participantes da audiência questionaram por que os investidores de longo prazo, como fundos de pensão, ainda “não entraram de cabeça” no setor, já que a política de investimento - em tese - é mais compatível com o ciclo de longo prazo do mercado imobiliário. 

Loteadores participaram ativamente do debate sobre financiamento a projetos do setor via securitização. Foto: Flávio R. Guarnieri/GRI Club

Uma das razões, segundo os painelistas, é que há outros investimentos mais atrativos para esses fundos, como títulos NTN-B, debêntures e CRI de empresas consolidadas, geralmente com capital aberto na bolsa de valores, de tal forma que o melhor caminho para as loteadoras são os fundos imobiliários. 

Aculturamento

Já no final do debate, a conclusão a que se chegou é que ainda falta um trabalho de aculturamento do mercado de capitais junto às loteadoras - e vice-versa - para preparar o terreno e tornar as negociações bem-sucedidas, principalmente quando se trata de pequenas e médias empresas.

Segundo Scopel, “a securitização é o único instrumento que temos hoje e tem muito investidor disponível. A solução é educação para todo lado: investidor e loteador. Acho que vamos chegar lá”, ratificou.

De janeiro a julho, os fundos imobiliários já haviam captado R$ 26 bilhões, indicando que o volume ao final do ano será superior a 2020 (R$ 35 bi). Para os especialistas, haverá disponibilidade mesmo com o aperto monetário realizado pelo Banco Central, com espaço para novas emissões e estruturações de dívida. 

Por fim, foi comemorada a não tributação dos dividendos pagos pelos fundos imobiliários para o investidor pessoa física, ao contrário do que chegou a prever - em um primeiro momento - a proposta de reforma tributária do governo federal. A isenção é um dos principais atrativos para o investimento imobiliário via FII.

Confira as entrevistas realizadas com os painelistas no evento.

Por Henrique Cisman