Limitações do PDE resultam em excesso de compactos em São Paulo

Nas ZEUs, documento exige número mínimo de apartamentos e restringe uma vaga de garagem por unidade

6 de outubro de 2021Mercado Imobiliário

Há pouco mais de cinco meses, o GRI Club Real Estate Brazil ouviu desenvolvedores, advogados e consultores imobiliários sobre os prós e contras do atual plano diretor estratégico (PDE) de São Paulo. Conforme mostramos no início de maio, a avaliação das regras vigentes tende a pender para a crítica, já que, segundo as fontes consultadas, o documento tem efeito contrário ao idealizado

Um dos maiores desagrados são as limitações do PDE em relação ao tipo de produto imobiliário nas diferentes regiões da cidade. “O plano não permite que as incorporadoras entreguem aquilo que o público quer comprar. A classe média está totalmente desatendida. Pode-se construir para o altíssimo padrão, pois não há limite de preço, e habitação social porque tem incentivos. A classe média está prejudicada, indo para a periferia”, aponta Rodrigo Bicalho, sócio do Bicalho, Mirisola, Bresolin, Dias Advogados

As restrições mencionadas ocorrem principalmente nas ZEUs (Zonas Eixo de Estruturação de Transformação Urbana). Segundo Denis Espinosa, diretor da CBRE, as regras acabaram engessando o desenvolvimento imobiliário. “Existe um limite de vagas de garagem e um número mínimo de apartamentos conforme o tamanho do terreno. Em média, são unidades de 80 metros quadrados, mas a cidade é plural, as famílias têm necessidades diferentes”. 

Para Gustavo Vaz, diretor de Investimentos da Cyrela Asset, a inflexibilidade atrapalha a concepção de produtos adequados. “Adensar áreas próximas do transporte público é interessante, mas não faz sentido haver limitação de tamanho das unidades, cota parte e número máximo de vagas de garagem. Se o mercado pede apartamentos com mais de 100 metros quadrados, deixe-nos produzi-las”, solicita o executivo. 

O excesso de regras limitantes apontado pelos executivos acaba por criar uma overdose de empreendimentos compactos, conforme ratifica o diretor de Incorporação da Benx, Luciano Amaral: “A limitação da criatividade do arquiteto, do incorporador e do investidor deu origem a um excesso de produtos iguais nas mesmas regiões, o que é muito ruim para a cidade”, afirma. 

Para evitar essa oferta simultânea, Guilherme Rossi, CEO da GR Properties, sugere que o zoneamento seja mais flexível. “Precisamos fazer unidades pequenas para compensar as grandes, mas não deveria ser obrigatório entregar tudo de uma vez, e também poderia haver um desconto na outorga. [O PDE] ficou confuso e atuou contra o empreendedor”, diz. 

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Elogiada pela maioria dos executivos consultados, a fachada ativa amplia em 20% a capacidade do empreendimento para unidades não residenciais (NR), ajudando a fechar a conta dos projetos. Segundo Alexandre Mangabeira, diretor de Incorporação da Tecnisa, há uma enxurrada de NR - geralmente flats - em regiões que não têm esse potencial. 

Já a limitação das vagas desestimula a construção de apartamentos grandes, acrescenta Mangabeira. “Os incorporadores só conseguem comprar nos eixos e neles construir NR e produtos de 70 a 80 metros quadrados com uma vaga, ou vai para um 140 metros quadrados com duas vagas + studio. Esse é o produto que vira na cidade inteira. As limitações acabam gerando imóveis sem demanda”.

De acordo com Ricardo Pucci, CEO da Galli Investimentos e Participações, o plano diretor vigente alterou a lógica de mercado da incorporação: “Em qualquer mercado, analisa-se o que o cliente quer e, com esse estudo, modela-se o produto. Aqui, temos que ver o que pode ser construído, ou seja, definimos o produto primeiro e depois vamos descobrir se tem aderência com o mercado”. 

“Se você andar por Moema, vai ver que os produtos lançados têm as mesmas características. Os diferentes são aqueles que fazem um apartamento de 130 ou 150 metros quadrados com duas vagas [de garagem], porque é o que o mercado quer. Mas aí, no primeiro andar, distribui uma série de studios sem vaga, sem a menor demanda de mercado”, completa Pucci. 

O argumento é endossado por Carlos Eduardo Terepins, CEO da Nortis Incorporadora: “O número mínimo de unidades em cada edificação é muito alto, o que induz as construtoras a fazer unidades menores para mesclá-las a apartamentos maiores, o que gera uma contradição no próprio empreendimento”. 

Na avaliação de Ana Carolina Norat, gerente de Aprovações da Even, embora o objetivo do PDE vigente seja nobre, incentivando o uso de transporte público nos eixos, a quebra de paradigma foi além do cabível. “As pessoas ainda não têm essa cultura. O movimento existe, mas não é tão repentino quanto o Plano Diretor introduziu”.

São Paulo não é Nova Iorque

Alguns dos executivos entrevistados traçam o paralelo entre São Paulo e outras grandes cidades do mundo, nas quais também há grande incentivo ao uso do transporte público. A diferença, porém, é que a infraestrutura paulistana não consegue acompanhar a qualidade dos modais londrinos ou nova-iorquinos. “Estamos em um momento de transição, mas a rede de transporte público ainda é deficitária em São Paulo”, aponta Dalton Guedes, diretor de Incorporação da Yuny

Segundo Bicalho, o sistema de transporte ainda é ineficiente e inseguro, desestimulando a adesão das pessoas. “Os autores do plano se baseiam em Paris, Nova Iorque ou Londres, mas esses lugares contam com um sistema de transporte mais eficiente, com uma estação de metrô praticamente em cada esquina, que te leva para onde quiser. Aqui, parte do transporte público funciona bem e parte é uma guerra. Ainda precisaríamos, ao meu ver, de uma flexibilização”.

O presidente da CBRE, Walter Cardoso, encerra com ironia: “É um contrasenso delimitar o número de vagas de garagem sem investir em infraestrutura [de transporte público]. É uma população Walking Dead: não pode ter carro, não tem oferta de metrô, corre perigo andando pelas ruas”.

Por Henrique Cisman