Elie Horn: legado, filantropia e novos negócios

Confira a entrevista exclusiva que o fundador da Cyrela concedeu ao GRI.

19 de junho de 2017Mercado Imobiliário
Se alguém imaginou que o empresário Elie Horn se aposentaria ou pelo menos reduziria o ritmo após deixar o comando da Cyrela, três anos atrás, estava redondamente enganado. Septuagenário, ele segue trabalhando 12 horas por dia e as divide entre a Cyrela – agora liderada pelos filhos Raphael e Efraim –, a Cyrela Commercial Properties (CCP), a filantropia e um novo negócio na área da saúde – foco de seu family office, denominado Abaporu.

Conhecido por ser avesso à exposição e a entrevistas, 'seu' Elie recebeu o GRIna sede da Cyrela, em São Paulo, para uma longa e franca conversa. Ele falou sobre negócios, espiritualidade e caridade, elementos que estão completamente amalgamados na sua história. Se emocionou em certos trechos e, em todos eles, expôs seu modo próprio de encarar a vida. Acompanhe:

GRI: O Brasil atravessa uma forte turbulência político-econômica e muita corrupção tem vindo à tona. Acredita que essa pode ser a chance de o País resgatar valores e ética?

Elie Horn
: Se Deus existir na cabeça de cada um, não vai haver roubalheira, malandragem nem mentira.

O que tem a dizer sobre o momento do setor imobiliário?

O setor está mal porque o País se encontra em crise e porque os distratos permitem aos compradores desistir sem maiores consequências. Isto não existe em nenhum outro país do mundo.

A fase mais crítica ficou para trás?

O pior da crise já passou, mas o problema do nosso setor ainda não. O governo precisa se conscientizar e mudar a lei, fazer com que, se alguém distratar, arque com as sequelas. Enquanto isso não ocorrer, vai haver dificuldades, vai haver mais desemprego na construção civil. Hoje, reduzimos a empresa [Cyrela] em 80%.

É um número impressionante. Não obstante, o sr. conseguiu estabelecer e conduzir uma companhia longeva, que superou os altos e baixos do País…

Sim, só que os baixos eram menos intensos do que agora. Mas sou otimista. Creio que tudo vai se resolver quando Deus quiser. Vamos conseguir passar pela crise e voltar. Não sei se como antes; porém, vamos voltar a viver. No fim, o setor vai sair fortalecido. O mal acaba sendo bem um dia. Esta é a mensagem em que me foco para não errar a direção.

Qual foi o 'segredo' para garantir a perpetuidade da Cyrela ao longo de tantos ciclos?

Nosso cashflow implica zero de vendas. Isto tem nos ajudado a sobreviver e nos deu um pouco mais de solidez financeira para aguentar a crise. Como a previsão de venda é zero, o que vier é bom. O que não prevíamos era o aumento das rescisões. Agora, imagine o que está passando quem esperava certo volume de vendas e rescisão zero e, no entanto, tem hoje venda zero e rescisão crescente.

Já faz cerca de três anos que o sr. deixou a presidência executiva da Cyrela, passando-a a dois de seus filhos. Transcorrido esse ínterim, percebe mudanças na companhia?

Há diferenças e isso é natural. Sou, muitas vezes, voto vencido. Engulo a seco. Não gosto, mas faz parte do jogo. Ou se transmite ou não se transmite. É duro, mas me acostumei. É a lei da vida. Estou satisfeito com a transição porque pelo menos a empresa tem longevidade. Não adianta depois de mim parar. Seria muito triste.

Quanto do seu tempo ainda dedica à Cyrela e à CCP?

Dedico boa parte à CCP e uma parcela maior à filantropia e às relações humanas. Não posso ficar sem fazer nada. Me dá pavor me aposentar, ficar praticando esportes ou vendo televisão. Continuo trabalhando 12 horas por dia. Também preencho meu tempo com leituras e, como pessoa física [o family office Abaporu, que recentemente adquiriu o controle de um hospital em Campinas], estou abrindo um negócio na área da saúde.

Por que a opção por olhar para um segmento distinto do imobiliário a esta altura?

Porque o setor imobiliário é de altos e baixos. Ou se está muito bem ou muito mal. Não se pode viver um dia como rei e, no outro, como mendigo. Espero que o segmento de saúde seja mais linear.

A escolha de Rogério Melzi (que dirigia o grupo Estácio) para liderar esse negócio indica que o ramo da educação também está na sua mira?

Hoje não temos previsão de investir em educação. Nosso foco é saúde, um setor muito abrangente. Esperamos abarcar tudo de saúde. Vamos investir conforme os momentos. Somos oportunistas. Havendo chance, vamos entrar. Não havendo, vamos esperar.

Enxerga sinergias entre a área da saúde e a imobiliária?

Podem acontecer e acho que vão; porém, essa não é uma meta.

Na parte da filantropia, o sr. tem se centrado em dois temas: educação e combate à prostituição infantil. Por que os elegeu?

Escolhi a educação porque, sem ela, não há país possível neste século. Já o combate à prostituição infantil elegi por se tratar de uma escravidão de menores inocentes que são abusadas por terceiros ou até por ignorância. Metade é abusada por parentes e metade abusada profissionalmente, por dinheiro. É um assunto que não é cool e decidi encampar essa bandeira. Sinto o problema e me dói. Não podemos deixar isso acontecer.

O sr. foi o primeiro brasileiro a aderir ao The Giving Pledge, programa que reúne bilionários dispostos a doar parte de sua fortuna para causas sociais. De que forma chegou a esse grupo?

Há 20 anos, decidi doar 60% de tudo o que possuo para obras filantrópicas, pelo princípio de que o dinheiro tem fim social. Meu pai deu 100% e foi meu maior exemplo. Três anos atrás, um conhecido que fazia parte do The Giving Pledge me perguntou por que eu não aderia também. Ele deu meu nome, me chamaram, fui lá e foi muito bom participar. No Brasil, posso ser uma pessoa que doa bastante, mas, nos Estados Unidos, isso não é nada. Somos anões em relação a eles em termos de volume de dinheiro e percentagem doados. Muitos americanos que conheci vão dar 99% – e, veja bem, 99% de um montante enorme.

Que mensagem gostaria de deixar aos players do setor imobiliário?

Cada um, na sua empresa e como pessoa física, deve fazer filantropia. É burro o homem velho que não dá dinheiro para a caridade e deixa tudo para os filhos. O bem que se faz não acaba aqui na Terra, fica marcado para a eternidade. A filantropia me dá poder sobre o tempo e sobre o significado do dinheiro. Eu detestaria ir embora sem deixar um legado com conteúdo. Pelo menos, tentei fazer o bem na minha vida.

Entrevista concedida à editora-chefe, Giovanna Carnio