Desafios do Setor Imobiliário Brasileiro pós-pandemia

24 de fevereiro de 2021Mercado Imobiliário

Este artigo se cristalizou a partir de um insight cotidiano: durante a pandemia, eu suspendi a entrega dos meus jornais, migrando 100% para o digital. Após alguns meses lutando com o iPad na mesa do café da manhã – afinal, já passei dos 50, resolvi voltar para as edições de papel.

O entregador de jornais e o pessoal da gráfica, que deveriam estar preocupadíssimos com seu sustento, devem ter respirado aliviados quando eu e muitos outros assinantes voltaram para o papel, ficando com a sensação de que tudo “está finalmente voltando ao que era antes.”.

Nada mais equivocado, nada mais longe da realidade. O setor gráfico está fadado ao desaparecimento, assim como os jornais que não se reinventaram digitalmente, abandonando práticas que foram fórmulas de sucesso por mais de 100 anos.

Da mesma forma, logo o mundo voltará ao estado pré-pandemia, passando a mesma sensação de que “tudo voltou ao normal”, que, afinal, as previsões de morte dos escritórios ou de mudanças profundas nos shoppings e na demanda por residências eram exageradas e feitas por “Cassandras catastróficas”.

De novo, nada mais longe da realidade. O novo mundo se aproxima em velocidade e quem não se acomodar com a falsa sensação de conforto - e haverá muitos profissionais e empresas que irão cometer esse erro - irá colher resultados mais consistentes, com muito mais sucesso.

A pandemia trouxe uma série de mudanças ao setor imobiliário, algumas conjunturais, outras estruturais, assim como acelerou tendências que já estavam se consolidando.

Como diz o ditado dinamarquês, “é sempre muito perigoso fazer previsões, especialmente sobre o futuro”. Isso posto, é ainda muito cedo para certezas, mas algumas apostas já estão se mostrando mais prováveis do que outras.

ESCRITÓRIOS E RESIDENCIAL TERÃO IMPACTOS CRUZADOS

ESCRITÓRIOS

Há exageros dos dois lados do espectro de opiniões: nem o escritório irá desaparecer, nem tampouco irá “tudo voltar a ser como dantes”. Certas atividades profissionais demandam times próximos fisicamente, trabalhando em coordenação, e viram uma queda acentuada de produtividade por causa do home office. Já outras tiveram a experiência oposta e nunca mais voltarão para dentro do escritório da mesma forma.

Ou seja: nossa interação com os locais de trabalho tenderá a mudar drasticamente, possivelmente com impactos contraditórios que até mesmo poderão se compensar: home office implica em menos posições tradicionais de trabalho nos escritórios, mas talvez os escritórios precisem de layouts mais espaçosos para acomodar mais salas de reuniões virtuais, mais espaço de interação criativa entre os times e mais ambientes de convívio social.

E a tendência, então, será os escritórios irem aonde estão os talentos e não o contrário. É provável que haja descentralização, com o surgimento de novos polos corporativos em cidades como São Paulo, assim como em outras cidades e regiões.

RESIDENCIAL – HOME OFFICE, GEOGRAFIA E DEMOGRAFIA

Algumas tendências que estavam ganhando força no mercado brasileiro, especialmente nas grandes cidades, serão questionadas: se o home office ganhar a dimensão esperada, quem irá desejar morar em apartamentos super compactos? Ou até mesmo em apartamentos pequenos e médios tradicionais? Se fizermos um, dois ou três dias de home office por semana, com infindáveis reuniões via Zoom, precisamos garantir privacidade acústica e espaços de trabalho que não faziam parte de projetos há meros 12 meses.

Isso impacta não só os apartamentos, mas também os bairros e as cidades que são alvo do desejo dos consumidores. Se antes um profissional perdia duas horas por dia no trânsito, morar ao lado do escritório era o sonho. Agora será normal perder quatro horas por dia no trânsito, mas só uma ou duas vezes por semana, em troca de um padrão de vida muito superior nos outros dias.

Não à toa estamos vendo uma explosão de demanda por casas em condomínios no interior e litoral, ou famílias trocando seus apartamentos por casas dentro de cidades como São Paulo, onde possam acomodar não só seus filhos, mas também ter home offices e muito mais qualidade de vida.

Isso não significa que apartamentos pequenos irão desaparecer, mas terão que se reinventar, oferecendo integração com coworkings, mais interação social para seus moradores e lazer cada vez mais sofisticado como parte do seu pacote básico de amenidades, por exemplo.

Além disso, a demanda residencial também mudará com o envelhecimento da população brasileira. Três fatores macro movimentam o setor residencial: (i) renda; (ii) crédito; e (iii) demografia.

Se por um lado a renda está estagnada há quase uma década, demografia e crédito continuaram a dar suporte mínimo à demanda. Crédito é uma variável que só ficará em risco se o Brasil voltar a ter inflação elevada crônica, algo que ainda não está no horizonte de forma irreversível.

Mas o último ponto é o mais relevante. Mesmo em cenários róseos de crescimento econômico, em menos de 10 anos iremos sentir com mais força os efeitos do fim do bônus demográfico que, oficialmente, acabou em 2018: teremos menos jovens e mais idosos, assim como famílias cada vez menores.

Incorporadores que continuarem a pensar seus produtos olhando pelo espelho retrovisor correrão riscos elevadíssimos. Saber se reinventar e pensar produtos adequados ao novo mundo de trabalho e à nova estrutura demográfica brasileira serão os maiores, se não únicos, desafios do segmento residencial.

Adequar os planos diretores das cidades para enfrentar o futuro próximo com produtos adequados será um desafio ainda maior, pois o futuro dos escritórios e das residências andará de mãos dadas, fazendo do clichê “trabalho, lazer, moradia” uma profecia autorrealizada.

VAREJO E LOGÍSTICA – MUNDOS CORRELATOS, MAS EM MOMENTOS OPOSTOS

VAREJO

Se antes da pandemia o segmento de shopping centers e lojas de rua já estava “sub judice”, agora não dá mais para adiar decisões. Repensar profundamente o paradigma operacional virou imperativo.

De um lado, as compras on-line cresceram de forma assustadora durante a pandemia, acelerando planos de negócios de 5 anos em 5 meses, impactando positivamente o setor de logística.

De outro, o cenário é desolador para o comércio de rua em várias capitais brasileiras: milhares de lojistas empreendedores tiveram que baixar suas portas definitivamente, destruindo suas economias e inúmeros postos de trabalho, possivelmente perdidos permanentemente. Já os shoppings, que já estavam em transição de ‘centros de compras’ para ‘centros de lazer, entretenimento e serviços’, terão que acelerar sua mudança, repensando a dimensão e o mix de suas lojas, sua geometria e o tipo de entretenimento que irão ofertar.

Shoppings e lojas de rua com certeza não irão desaparecer, mas passarão por um reposicionamento profundo e ainda parcialmente desconhecido. De todos os segmentos, o varejo é o que deve enfrentar os maiores desafios, pois terá que se reinventar de forma mais disruptiva do que escritórios, residências e centros logísticos.

LOGÍSTICA

Se há dúvidas, preocupações e necessidade de repensar os modelos nos outros segmentos, em logística há consenso: a pandemia acelerou todos os planos de expansão de e-commerce (às custas do varejo tradicional), aumentou a demanda por galpões de todas as tipologias e demonstrou que o prêmio de risco exigido pelo mercado investidor era um equívoco.

Não à toa, em quase todas as bolsas do mundo os yields das cotas dos FII ou REITs focados em logística caíram, traduzindo o aumento de preços das ações causado pelo forte interesse dos investidores, indicando menor percepção de risco futuro. Ou seja: uma empresa pode fechar ou reduzir sua loja no shopping, reduzir seu escritório ou migrar 100% para home office, mas galpões logísticos serão sempre necessários.

No Brasil, a história é ainda mais atraente, pois de forma agregada nosso parque logístico é pífio, obsoleto e concentrado geograficamente. O potencial é óbvio - e muito maior que o crescimento explosivo do e-commerce que já estamos vivenciando.

Além da atividade econômica, a demanda por galpões é pautada por dois vetores fundamentais: infraestrutura logística e mercados consumidores. Mas nem sempre a combinação foi respeitada nos últimos 10 anos, quando o segmento começou a se profissionalizar e a crescer no Brasil.

Há mercados regionais com excesso estrutural de oferta. Há outros, baseados exclusivamente em subsídios fiscais e industriais, que não conseguirão sobreviver se o Brasil reformar sua estrutura tributária e abrir sua economia. Há ainda regiões que têm perfil mais modular e last mile, mas que receberam ativos big box e mais remotos. Por fim, há projetos que foram construídos em locais isolados, sem demanda efetiva de inquilinos que não fosse aquele BTS (built-to-suit) específico que estava sendo demandado na euforia do pico de mercado.

Ativos vazios ou alugados em preços aviltantemente baixos num segmento que, na média nacional, está com vacância em queda livre e aumento médio de aluguéis são um lembrete trágico, e caro, de erros que não podemos cometer novamente.

Ou seja, mesmo no segmento que é consenso de potencial de crescimento, há riscos e armadilhas pelo caminho. Portanto é fundamental saber respeitar a dinâmica do mercado local, fazer o produto certo – no preço adequado – para o mercado certo e, mais importante, entender o momento do ciclo imobiliário de cada região do nosso país.

O crescimento dos FIIs logísticos e a enorme quantidade de novos projetos em desenvolvimento comprovam que o segmento tem e terá uma oferta interessante, diversificada e rica para os investidores que acreditam no seu crescimento.

Mas será fundamental fazer a escolha certa de produto, sub-mercado e gestor (de FIIs), surfando a única onda óbvia do mercado imobiliário da forma mais segura possível.

SUBIDA DE JUROS NO HORIZONTE!

Há players no setor imobiliário que estão otimistas e acreditam em reformas aprovadas e continuação de juros baixos por um bom tempo, mas a inclinação cada vez maior da curva de juros futura e a queda, a cada mês, do prazo médio de maturação da dívida pública mostram que a desconfiança dos mercados com governo e Congresso só vem aumentando.

A alta recente da inflação é explicada pelo câmbio – que impacta todos os insumos industriais - e pelo insustentável déficit das contas públicas.

Se o câmbio não deve ser mais o principal motor da inflação, os aumentos de preço no atacado, capturados pelo IGP, ainda chegarão em sua plenitude ao varejo. O IPCA ainda trará números elevados por um bom tempo... Quanto ao déficit, nada ou quase nada será feito nos próximos 2 anos, tal como já está sendo precificado pelos mercados.

Desta forma, o desenvolvimento mais óbvio do atual cenário político-econômico é uma subida forte de juros no futuro próximo, provavelmente se iniciando no segundo trimestre e chegando a algo entre 6% e 8% a.a. ao longo de 2022.

Com isso, o câmbio deve se valorizar com a volta do carry trade, causando um eventual choque deflacionário para a economia.

A combinação de inflação maior no curto-prazo, juros mais altos, subsequente queda da inflação e valorização do real deverá trazer efeitos contraditórios ao setor imobiliário, impactando também os FIIs.

De um lado, os preços médios reais dos ativos tenderão a se ajustar ao novo cenário de inflação e juros, e os fundos imobiliários que carregam ativos mais caros (e que entregam um dividend yield mais baixo sobre seus PLs) poderão sofrer ajustes de valor de cota mais acentuados.

Os financiamentos também ficarão mais caros, reforçando o ajuste de preços médios em todo o mercado, financeiro ou imobiliário. Por outro lado, a valorização do Real e a posterior queda da inflação causarão aumento de renda relativa, com crescimento do consumo dos que estiverem empregados, assim como maior retorno sobre o estoque de riqueza financeira.

Ou seja, produtos imobiliários para as classes mais abastadas irão sofrer menos, tal como shoppings voltados ao público A e B e projetos residenciais de luxo. Logística, novamente, deverá ser o segmento menos afetado.

CAOS OU OPORTUNIDADES?

O setor imobiliário está no olho do furacão no mundo todo, com desafios talvez nunca antes enfrentados. Como sabemos, toda crise traz caos e oportunidades no seu bojo.

Alguns segmentos sofrerão mais do que outros; alguns mudarão irreconhecivelmente; mas o segmento de logística deverá não só passar (quase) incólume como também ser o maior beneficiário das profundas mudanças que teremos pela frente.

Logística é uma aposta consensual, mesmo com os desafios políticos e econômicos que devem trazer ainda mais turbulência nos próximos dois anos.

Mas, mesmo assim, a única certeza é que não podemos ficar na nossa zona de conforto, não poderemos continuar a fazer mais do mesmo esperando ter bons resultados. A tentação de acreditar que tudo voltará ao “normal” imediatamente após a pandemia será quase irresistível.

Só que teremos que escolher entre nada mudar - ficando obsoletos e descartáveis, tal como as gráficas e os entregadores de jornais - ou enfrentar o desconhecido de coração e cabeça abertos, aproveitando para construir algo transformador, inspirador e ainda mais rentável.

(O conteúdo publicado nesta sessão não reflete necessariamente a opinião do GRI Club ou de seus membros.)
Marcelo da Costa Santos
Head of Logistics?
REC
 
 
GRI Residencial para Renda eSummit