De olho em ESG, primeiro prédio do Brasil construído com CLT é inaugurado em SP

Ainda incipiente no país, matéria-prima tende a crescer com maior preocupação sobre sustentabilidade

26 de janeiro de 2021Mercado Imobiliário

A Dengo Chocolates inaugurou mais uma loja da rede em São Paulo, desta vez na Avenida Faria Lima. A grande novidade é que o prédio de quatro pavimentos e 1,5 mil metros quadrados de área construída é o primeiro do Brasil a utilizar componentes de madeira engenheirada em sua estrutura, mais precisamente CLT (madeira laminada cruzada), importado e distribuído pela Amata.

De acordo com a gerente de Projetos e Novos Negócios da Amata, Ana Belizário, o ganho em sustentabilidade proporcionado pela madeira é facilmente mensurado e bastante expressivo em relação a outros materiais utilizados na construção civil - uma das vantagens é que as árvores retiram gás carbônico da atmosfera, enquanto as produções de concreto e aço, por exemplo, emitem.

“Este mercado tem avançado muito no sentido de buscar um impacto sustentável positivo, o que se materializa no crescimento dos fundos ESG. Existe um universo de acesso a crédito relacionado à certificação ambiental, então a madeira engenheirada também oferece essa vantagem”, avalia Belizário. 

O diretor de Projetos da JLL, Guilherme Soares, cita como exemplo o edifício corporativo 25 King, gerenciado pela empresa e construído na cidade de Brisbane, Austrália, em 2018. “É um prédio de escritórios com 10 andares que pertence a um fundo que só investe em projetos de impacto social, econômico ou ambiental, ou seja, que não compraria um prédio feito com aço ou inox. A busca é por projetos diferenciados”, explica. 

Outro aspecto destacado por ambos os especialistas é que a madeira é um material renovável, o que não ocorre com qualquer outro insumo utilizado na construção civil. “Os fatos de ser matéria-prima renovável e retirar gás carbônico da atmosfera colocam a madeira engenheirada como solução crucial para lidarmos com a crise climática no médio e longo prazos”, assinala Belizário.

Para Soares, um segundo benefício gerado pela sustentabilidade é a forma positiva como as pessoas veem o lugar onde estão. “O argumento de um prédio construído com uma tecnologia mais sustentável vai atrair o usuário, seja empresa, morador, hóspede ou cliente, como na Dengo. Embora menos tangível, esse bem-estar tem influência na escolha, inclusive sobre apartamentos e prédios [comerciais]”.

Um dos espaços da loja Dengo Chocolates, construída com madeira CLT

Um dos espaços da loja Dengo Chocolates, construída com madeira CLT / © Pedro Kok

Além do empreendimento recém-inaugurado, a Amata já atua paralelamente em outros projetos desenvolvidos com madeira engenheirada, como edifícios corporativos e salas comerciais. “Não podemos revelar os nomes dos clientes neste momento, mas em breve haverá novidades”, afirma Ana Belizário. 

Tempo de obra é menor e custos são fiéis ao orçamento inicial

Uma grande vantagem adicional na utilização desse material é a redução dos custos indiretos. Segundo Belizário, “a madeira engenheirada é um sistema industrializado e leve que traz como benefício para o investidor a redução do tempo da obra e da equipe em canteiro, gerando maior segurança e assertividade do orçamento ao reduzir o cenário de incertezas”. 

Soares também ressalta que, diferentemente do concreto, a estrutura de madeira já possui uma beleza estética que dispensa revestimentos e acabamentos, o que gera uma economia neste sentido. “Além disso, o processo construtivo é mais organizado, rápido e eficiente”, acrescenta o especialista. 

Apesar de a estrutura ser mais cara quando comparados exclusivamente os preços por metro quadrado, o cálculo mais adequado deve considerar também a redução dos custos indiretos que advém da localização, facilidade de acesso e quantidade de tempo da obra. “Ao economizar em outros itens, o custo geral é equivalente”, afirma o diretor da JLL.

“Um aspecto muito importante para o incorporador é a assertividade do orçamento, pois, em média, a obra leva de 24 a 36 meses para ser concluída e costuma haver dificuldades para cumprir o que foi calculado no estudo de viabilidade”, pontua a gerente de projetos da Amata. 

Cadeia de suprimentos e fornecedores precisa evoluir

Por mais que tenha grande potencial no Brasil, Soares alerta para a falta de uma cadeia de suprimentos completa e de um conhecimento maior por parte da indústria sobre como utilizar a estrutura de madeira e integrá-la aos demais componentes. “Do lado da demanda o desejo já existe, mas ainda carece de uma oferta adequada”, complementa.

Entretanto, por mais que existam desafios, como cadeia de fornecedores de materiais e componentes ainda insuficiente, elevado custo e baixo know how da indústria, o diretor da JLL estima que a adoção da madeira engenheirada seja rápida e que a demanda cresça cada vez mais.

De olho nessa tendência, a Amata vai inaugurar sua própria fábrica de madeira engenheirada no Brasil. Localizada no sul do país, a unidade terá capacidade produtiva de 60 mil metros cúbicos por ano, com operação a partir do 2º semestre de 2022. Para os projetos desenvolvidos atualmente, o material é importado da Áustria. 

“Alguns países não têm tanta madeira local e o Brasil tem essa vantagem: clima, relevo, solo e insolação são muito favoráveis para a produção de madeira, então há um enorme potencial”, ratifica Soares.

Legislação não é entrave

Segundo Belizário, do ponto de vista técnico, não existe limite de altura para os prédios construídos com madeira engenheirada. “Nossos códigos de obras e normatizações são baseados em performance, não em prescrição, ou seja, se o desempenho é entregue (NBR 15.575), independentemente do material utilizado, a edificação é aprovada”, esclarece.

A executiva também explica que existem variações na legislação, desde requisitos federais (NBRs) e regras estaduais até as particularidades municipais de construção (códigos de obras), todos atendidos pela matéria-prima. 

“Existem muitas dúvidas técnicas em relação à madeira e isso é bastante natural porque é um sistema novo; a ideia não é encontrar defeitos ou problemas, mas, sim, pensar em como viabilizar essa tecnologia”, ressalta.

Mercado imobiliário tende a superar o conservadorismo

Pelo fato de ser uma novidade no mercado brasileiro, o diretor da JLL aponta que incorporadoras mais avessas a risco provavelmente optem por não utilizar o material no início, contudo, grandes desenvolvedores e proprietários de imóveis globais que utilizam CLT já atuam no Brasil e é provável que essas empresas tomem a vanguarda da implementação da estrutura no país. 

Soares também prevê que a construção em madeira engenheirada não fique restrita a grandes prédios ou casas de padrão elevado e se torne uma tendência escalável até para projetos menores. “Não tenho dúvidas de que é uma tendência emergente e que os incorporadores mais arrojados ou com maior experiência apostarão nesse material”, finaliza.


Por Henrique Cisman e Júlia Martini