Custo efetivo da construção descola do INCC; o que fazer?

No acumulado desde agosto de 2020, descasamento chega a 26 pontos percentuais

26 de maio de 2022Mercado Imobiliário
O tamanho da discrepância varia de construtora a construtora, de projeto a projeto e do momento da obra, mas a constatação é unânime: os custos de insumos da construção civil continuam subindo com força e se afastam, cada vez mais, da média calculada pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). 

Na Libercon Engenharia, um levantamento baseado no banco de dados de custos da companhia, entre agosto de 2020 e abril de 2022, mostra uma variação média nos preços dos insumos de 48,95%. No mesmo período, o INCC acumulado está na casa dos 22%, um descasamento na ordem de 26 pontos em 21 meses. 

“Se analisarmos um a um os itens da cesta, todos superam o INCC. Isso significa que se o contrato está indexado ao INCC, que é o normal no mercado, ele está descolado da realidade, e não cobre todo o rombo”, afirma Hailton Liberatore, sócio-diretor da Libercon. 

Dentre os exemplos, o executivo menciona o cobre, cujo preço aumentou 70% no período mencionado; o petróleo, com 95% de alta; e a bobina de aço, que ficou 170% mais cara. Outro levantamento, do Sinduscon/SP, traz as variações no ano passado: materiais elétricos, 32%; cerâmica, 53%; fios e cabos, 65%; cimento, 68%; alumínio, 87%; e PVC, 75%.

Nos mais de 60 projetos em construção pela Tallento Engenharia, a variação média de custos é de 30%, a depender do estágio. Segundo Hernani Varella, sócio-diretor da construtora, um aumento de vinte pontos percentuais acima da inflação na obra - que responde por 50% do VGV - derruba qualquer viabilidade: “É por isso que é a grande preocupação do mercado imobiliário atualmente”, destaca. 


De janeiro de 2020 a setembro de 2021, o aço já havia subido 102%, contra 21% da variação acumulada do INCC. Crédito: Divulgação/Tallento Engenharia

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“A partir do final de 2020, houve um volume violento de lançamentos e obras que estava represado, pegando uma cadeia produtiva [fornecedores] esfacelada desde a crise econômica de 2015-2016; essa cadeia de suprimentos não estava preparada para isso”, contextualiza Varella. 
 
O presidente da HTB Engenharia e Construções, Detlef Dralle, acrescenta que a maioria das construtoras não tem como aguentar um aumento de custos além dos índices que estão nos contratos, os quais, como mencionado, não refletem exatamente o tamanho da variação nos preços dos insumos. 

“É uma questão que precisa ser negociada entre as partes [investidores, incorporadoras e construtoras]. O que eu observo é o empreendedor arcando com parte desses custos, mas isso não resolve o problema, ou seja, apenas vai derreter a margem ou até criar prejuízos; no fim do dia, vai inviabilizar os empreendimentos”, opina o executivo.

Segundo Liberatore, repassar a inflação setorial para o consumidor não é uma alternativa: “Nós vimos pelos resultados das incorporadoras com capital aberto que todas estão absorvendo isso nas margens, porque não dá para repassar 100%”. 

O que fazer para amenizar os impactos?

Uma das soluções mais utilizadas é a compra antecipada de materiais. Em algumas obras, a Libercon chegou a ter, no ponto de partida, 65% dos insumos adquiridos. “Foi a primeira medida que adotamos, que passa pelo desembolso do investidor, ou seja, ele tem que trazer mais investimento para o começo. Isso ajudou a nos proteger, a fazer um hedge, em alguns casos”.

A estratégia também é utilizada pela HTB em alguns tipos de empreendimentos, como os logísticos, que são menos complexos: “É uma boa possibilidade comprar tudo no começo e estocar, e a gente propõe isso ao investidor. Ele vai calcular o custo da oportunidade do dinheiro, que eventualmente é bem mais baixo do que os aumentos previstos nos insumos da construção”, explica o presidente da empresa. 

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Outra estratégia diretamente relacionada à cadeia de suprimentos é a busca por novos fornecedores, como faz a Tallento Engenharia. “Quando o mercado volta a ficar mais atrativo, novos fornecedores entram dispostos a ganhar market share e praticam preços um pouco mais baixos do que os concorrentes, por esse motivo”. 

Antes da quebra do Lehman Brothers, em 2008, a construtora usou dessa estratégia para encontrar fornecedores na China. Atualmente, a desvalorização cambial da moeda brasileira e o aumento expressivo no custo do frete marítimo impedem uma repetição da dose, mas há alternativas locais. 

“A construção civil é conservadora, gosta de comprar dos mesmos fornecedores, pois já foram testados e aprovados. É óbvio que precisa avaliar a capacidade e competência, mas tem que sair da zona de conforto, capacitar novos fornecedores, esse é um ponto importante”, completa Varella.

Na esteira de ações, a troca de materiais também surge como boa possibilidade para reduzir o impacto no aumento dos custos da construção: “É um trabalho minucioso de arquitetura e engenharia debruçado nos insumos que são mais relevantes na composição de custos, para então encontrar substitutos que sejam equivalentes em termos de desempenho, mas mais baratos”, explica Detlef Dralle, da HTB Engenharia e Construções.

No desenho do projeto, a engenharia também pode mitigar os custos ao reduzir o uso de materiais na obra. “Uma construção de 2m x 2m tem 4 metros quadrados de área, assim como uma de 4m x 1m, mas no quadrado o perímetro é 8, enquanto no retângulo é 10, ou seja, 25% menos fachada, que significa redução de custo com a obra”, exemplifica o sócio-diretor da Tallento. 

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Saindo um pouco da cadeia de suprimentos, a construtora também investe na gestão do canteiro de obras, a fim de aumentar a produtividade dos operários. “Tudo que é medido, melhora. Isso é quase um mantra para nós. Quando o operário é medido, sua produtividade aumenta. Maior produtividade significa menos tempo, que por sua vez significa menos custos indiretos”. 

“Ao somar as ações realizadas na cadeia de suprimentos, buscando novos fornecedores, materiais alternativos - como a madeira engenheirada - e uma preocupação maior com a engenharia, aos efeitos da gestão de produtividade, que resulta em menos desperdício e retrabalho, conseguimos reduzir de 5% a 6% no custo da obra, que é algo importante [para preservar margens]”, completa Varella.

Segundo o sócio-diretor da Libercon, se o INCC não reflete a realidade, a conta invariavelmente vai prejudicar a construtora. Neste sentido, a companhia tem adicionado gatilhos de proteção nos contratos para se proteger das oscilações de preço, bem como dar previsibilidade ao investidor do projeto. 

“São mecanismos que trazem transparência para proteger as partes. Se subir o aço, vamos agir de tal forma; se subir o cimento, idem, e assim por diante. Não existe mágica: a conta está sendo paga por todo mundo”, afirma Hailton Liberatore.

Sem vislumbrar uma reversão de cenário nos próximos 12 meses, o presidente da HTB Engenharia e Construções, Detlef Dralle, aconselha: “Se o projeto ainda é viável, faça logo, não espere que vá melhorar daqui para frente, pois não há indícios globais de que isso aconteça. A inflação da construção civil é muito maior do que a inflação comum medida pelo IPCA ou por outros índices populares”, encerra. 

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Por Henrique Cisman