Conversão de uso é alternativa para hotéis e lajes corporativas

Mudança busca recuperar ativos imobiliários obsoletos

18 de junho de 2021Mercado Imobiliário

Devido à crise econômica dos últimos anos e à recente disseminação de Covid-19, que também afetou severamente a economia, ampliou-se a obsolescência entre ativos imobiliários dos segmentos hoteleiro e de lajes corporativas no Brasil. Nestes casos, a transformação de uso surge como uma boa alternativa, especialmente visando o mercado residencial.

Segundo Edson Ferrari, diretor de Investimento e Gestão de Ativos da CBRE, os problemas mencionados se somam a uma necessidade de atualização mercadológica, o que torna o estoque de imóveis com padrões ultrapassados mais suscetível a tais conversões.

"Considerando o segmento de escritórios, estamos falando de um edifício com lajes pequenas, especificações técnicas antiquadas, pé direito baixo e poucas vagas de garagem. Hoje o inquilino tem mais opções e dificilmente vai alugar um espaço neste tipo de prédio", diz o executivo, referindo-se ao aumento na oferta de lajes corporativas.

A indústria hoteleira, que nos últimos anos enfrenta a concorrência de plataformas de compartilhamento de residências, como Airbnb, tem igualmente um estoque arcaico propenso a ter seu uso convertido. Hotéis novos do ramo corporativo também têm que estar atentos a essa possibilidade, de acordo com o sócio-gerente da Horwath HTL, Osvaldo
Chudnobsky.

"A pandemia fez com que o universo corporativo diminuísse drasticamente as viagens e os eventos, o que provavelmente não voltará com a mesma dinâmica. Hotéis que dependiam muito desse mercado devem considerar a alternativa de conversão de uso", afirma. 

Para os especialistas, os ativos imobiliários ideais para a transformação de uso também devem abarcar outra característica: boa localização. Trata-se de um item menos crítico, uma vez que grande parte dos escritórios e hotéis encontram-se bem posicionados.

Mudança definitiva?

Alternativas provisórias de mudança de uso são mais viáveis na hotelaria e vêm sendo aplicadas por algumas redes. Neste caso, podem ser oferecidas estadias mais longas, em um modelo semelhante ao de flats e apart-hotéis, ou o aluguel de quartos transformados provisoriamente em escritórios pessoais, no conceito room-office. "Exige apenas uma troca do mobiliário", garante Chudnobsky.

Contudo, para hotéis que provavelmente não vão recuperar a demanda no pós-pandemia, faz mais sentido realizar reformas e estabelecer uma mudança definitiva para o uso residencial. É o caso do Hotel Glória, no Rio de Janeiro, que foi adquirido pelo grupo Opportunity e será transformado em um prédio com apartamentos de alto padrão para venda.

Construído em 1922, o Hotel Glória está prestes a completar 100 anos. Divulgação/Diário do Rio

Ferrari ressalta que a reforma necessária para transformar um hotel em edifício residencial, quando comparada aos escritórios, geralmente é mais simples: "Os hotéis apresentam uma configuração mais parecida com os imóveis residenciais".

Conforme indica
Chudnobsky, algumas restaurações de hotel transformam o prédio em residencial para renda. Isso inclui categorias como multifamily, student housing e senior living. Neste caso, a oferta de serviços no condomínio é uma opção interessante.

Mesmo exigindo obras mais complexas, a conversão de lajes corporativas em prédios residenciais também tem ganhado força no mercado imobiliário. No Rio de Janeiro, inclusive, a prefeitura está prestes a dar início ao projeto
Reviver Centro, que incentiva tal modificação.

Um exemplo nestes moldes foi a transformação de um edifício de escritórios no centro de São Paulo em um residencial com mais de 100 apartamentos. A investida foi liderada pela Zogbi Engenharia.

Empreendimento da Zogbi recebeu o nome de Studio Avanhandava. Crédito: Divulgação/Zogbi.

Principais desafios 

Como mencionado anteriormente, conversões definitivas de uso geralmente exigem reformas profundas e, portanto, um alto investimento. Por isso, um dos principais desafios é a viabilidade econômica do projeto. Ferrari aponta que são poupados entre 30% e 40% dos recursos quando comparado a um desenvolvimento greenfield.

"Tem que ser um edifício com boas características e preço interessante, pois muitas vezes o proprietário não identifica essa desvalorização. Também é conveniente que seja uma propriedade consolidada, ou seja, com um único dono. Isso facilita a negociação", declara o executivo da CBRE, lembrando que esta condição não é muito comum no Brasil.

Outro obstáculo são as possibilidades de mudança arquitetônica, que variam conforme a configuração do prédio e a legislação do município. "Tem que ser feito um estudo estrutural do edifício e do código de obras da cidade. Dependendo do uso pretendido, os órgãos ainda poderão exigir novas adaptações", assegura Marcos Lopes Prado, sócio do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. 

O especialista também lembra que existem limitações legais relacionadas à questão urbanística. Portanto, assim como em desenvolvimentos greenfield, deve ser analisado o zoneamento da cidade, as limitações que existem no Plano Diretor, o potencial construtivo, questões relativas à acessibilidade, entre outras normas. 

Fora isso, se por um lado é vantajoso que a propriedade seja consolidada, por outro é quase imprescindível que o investidor adquira integralmente o imóvel. "Normalmente, só se viabiliza o projeto quando o empreendimento é 100% comprado porque o novo proprietário passa a ter independência sobre as decisões", garante Prado.

Caso o imóvel contenha escritórios, também pode ser necessário negociar a saída de inquilinos, parte mais protegida juridicamente. "O proprietário não tem o direito de despejar o locatário no meio do contrato sem uma motivação", afirma o advogado.

Importância para a cidade

Em meio a estes processos burocráticos, a vantagem é que o poder público está olhando cada vez com melhores olhos para as transformações de uso, especialmente para residencial, vide o projeto citado no Rio de Janeiro.

"Este tipo de conversão não só recupera um ativo obsoleto, como também possibilita que novas pessoas residam em regiões com bastante infraestrutura. Não faz sentido levar a moradia cada vez mais para longe", avalia Ferrari.

Em sintonia, Prado recorda que metrópoles como São Paulo também sofrem com a indisponibilidade de terreno para o desenvolvimento greenfield, podendo os desenvolvedores imobiliários olhar para a transformação de uso como uma nova oportunidade de negócio. 


Por Daniel Caravetti