Construção vai crescer entre 1% e 4% no ano, segundo projeções

Juros baixos fomentam negócios imobiliários; infraestrutura precisa de investimento público

19 de janeiro de 2021Mercado Imobiliário

Após um ano atípico no qual a economia brasileira foi severamente afetada pela pandemia do novo coronavírus, a expectativa é que a construção recupere parte das perdas em 2021 - a divergência está no tamanho dessa recuperação. A equipe de jornalismo do GRI Club consultou a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e associações setoriais para colher as projeções.

De acordo com o último Boletim Macro mensal elaborado pelo Instituto Brasileiro de Economia da FGV, o PIB do Brasil deve crescer 3,6% este ano, mas a retomada prevista para a construção é menor, de apenas 1%. Outras projeções apontam crescimento de até 4% na atividade do setor, como as realizadas pela CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) e pelo Sinduscon/SP (3,8%). 

A coordenadora de Projetos da Construção da FGV, Ana Maria Castelo, explica que a projeção feita pelos colegas se baseia na evolução de variáveis macroeconômicas utilizadas pelo IBGE nas estimativas do PIB trimestral - as quais apresentaram desempenhos piores no ano passado, tais como quantidade de trabalhadores ocupados e produção industrial de materiais.

Por outro lado, pontua Castelo, “as entidades setoriais veem outros elementos que não são aqueles que compõem o modelo de PIB trimestral do IBGE, como mercado de trabalho formal (a construção liderou em contratações com carteira assinada em 2020), retomada de obras promovendo recuperação da atividade e dados do comércio que mostram aquecimento do setor com a canalização de recursos oriundos do auxílio emergencial para reformas”.

Em que pese a dissonância causada pelas diferentes metodologias de análise, Ana Castelo assinala que o ambiente de negócios da construção apresenta um cenário menos negativo no momento, com boas chances de que a recuperação seja um pouco superior - em termos de variação do PIB - em relação ao que foi projetado pelo IBRE/FGV, com destaque para a conjuntura de expansão de crédito e baixas taxas de juros. 

Construção de unidades vendidas vai fomentar o crescimento

Para o presidente da CBIC, José Carlos Martins, o principal vetor da recuperação é a necessidade de entregar os imóveis comercializados no ano passado (boa parte adquirida na planta). Além da alta de 4% no PIB da construção, a entidade também prevê crescimento de 10% nas atividades do mercado imobiliário.

Outro fator importante, segundo Martins, é a redução de 13% no estoque residencial, consequência da alta próxima aos 10% nas vendas combinada à queda de 24% nos lançamentos em relação a 2019 (dados consolidados até o 3º trimestre). “A reposição do estoque e a necessidade de executar aquilo que foi vendido nos dá um bom sinal do que será a atividade em 2021”, afirma.

O presidente do Sinduscon/SP, Odair Senra, também atribui a expectativa para a recuperação do PIB em 2021 aos contratos imobiliários assinados no ano passado. “Novas obras vão se iniciar, o que carrega uma parte do crescimento”. Ele ainda menciona outros fatores importantes, como a chegada de vacinas para covid-19 e a retomada do andamento de reformas no Congresso, agenda que deve trazer investimentos tanto no segmento imobiliário quanto em infraestrutura. 

Com uma projeção de alta de 3,8% no PIB da construção, o Sinduscon/SP aponta para o protagonismo do mercado formal (4,1%) e para a manutenção de reformas e obras menores (3,5%) no ramo imobiliário. “Provavelmente, as edificações ainda terão parcela preponderante [no resultado do PIB]. No cenário de juros baixos, imóveis são demandados tanto para moradia como para investimento”, diz Senra.

Segundo o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias, Luiz Antônio França, a expectativa é de um mercado promissor em 2021, com novos lançamentos e aumento no volume de vendas. “É esperado um novo ciclo de valorização dos imóveis no Brasil nos próximos cinco anos”, afirma.

Para França, a redução dos juros somada às melhores condições de financiamento oferecidas pelos bancos voltaram a atrair investidores. “Um estudo recente da Abrainc mostra que o investimento em imóveis rendeu, em média, 15,3% ao ano na década de 2009 a 2019. Essa soma considera tanto o retorno médio do aluguel, de 5,9% ao ano, como a valorização dos imóveis, de 9,4% ao ano”.

O presidente da associação ainda destaca o resultado de uma pesquisa realizada com empresários do setor que revela otimismo para 2021: “97% dos entrevistados têm intenção de iniciar novos projetos, 92% pretendem comprar terrenos e 87% acreditam no aumento do volume de vendas nos próximos 12 meses”.

Infraestrutura também vai crescer, mas tem desafios maiores

A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) espera um ano muito melhor do que 2020, mas condiciona este avanço a alguns fatores como recuperação da economia e relação do investimento com o PIB. “Dadas as grandes mudanças que ocorreram no ano passado e continuam em 2021, é difícil quantificar esse otimismo, mas não há dúvida que o cenário é mais positivo, principalmente no investimento privado”, afirma o presidente Venilton Tadini.

Apesar dos entraves, Tadini lista possíveis avanços no setor: “Há uma série de questões regulatórias e instrumentos legais em vias de serem aprovados, como a nova lei de concessões e PPPs (parcerias público-privadas), o novo marco regulatório de gás, o novo marco ambiental, a modernização do setor elétrico, a própria ‘BR do Mar’, enfim, muitas coisas que dependem do Legislativo para caminhar”. 

“Do ponto de vista do Executivo, é a questão fiscal: encontrar espaço no orçamento para complementar com recursos públicos os investimentos que são necessários em infraestrutura. O gasto público no setor caiu a um nível praticamente sem precedentes em nossa história recente”, completa o presidente da ABDIB. 

Para Ana Maria Castelo, da FGV, as edificações e os serviços especializados de construção devem puxar mais o PIB. “A infraestrutura tende a perder um pouco da força que teve no ano eleitoral, até porque as prefeituras terão que organizar a casa, por isso se espera um ritmo um pouco menor”. 

O presidente da CBIC, José Carlos Martins, assinala que muitas das promessas do governo federal para a infraestrutura - como as privatizações - ainda não aconteceram e outras, já em andamento, exigem um ponto de maturação. “Imaginamos que a infraestrutura cresça um pouco, mas mais no final do ano”. 

Segundo Tadini, há boas oportunidades em todas as áreas do setor: “Tem um grande espaço na área de transportes, logística e saneamento, e as coisas estão acontecendo. Depois que se aprovou o marco regulatório do saneamento, por exemplo, já há uma série de iniciativas para novas concessões e privatizações ocorrendo, como a Cedae no Rio de Janeiro”. 

“Nos portos, o BNDES está lançando o processo de desestatização da estrutura popular da rede de terminais do Espírito Santo. No setor de energia, a própria privatização da Eletrobrás, e ainda a chegada do 5G nas telecomunicações, ou seja, há excelentes oportunidades nos vários segmentos de infraestrutura, principalmente por meio do capital privado”, ratifica o presidente da ABDIB.

Da vacina ao orçamento, impasses podem minar resultados

O equilíbrio da situação fiscal do país é a dificuldade mais lembrada pelos entrevistados. Para Venilton Tadini, a participação do investimento público é essencial devido à magnitude de recursos necessários em projetos de infraestrutura.

Já o presidente do Sinduscon/SP, Odair Senra, ressalta que enquanto a questão fiscal aguarda o retorno dos parlamentares ao Congresso e a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, persiste a incerteza em relação às contas públicas, fator que desestimula investimentos no país. 

Segundo José Carlos Martins, da CBIC, “o maior entrave é o aumento do custo dos materiais de construção, pois isso inibe o lançamento de novos empreendimentos, já que sem aumento da renda da população, as construtoras não podem corrigir os preços sob o risco de perder mercado. O grande ponto de interrogação para 2021 é exatamente esse”, afirma. 

Ana Maria Castelo lembra que, embora as vacinas para covid-19 sejam uma luz no fim do túnel, esse túnel pode ser bem longo porque não há - ainda - um calendário de vacinação nem se sabe qual será a abrangência dela. “Há muitas incertezas e eu diria que o principal desafio é este. É um setor que depende de decisões de médio e longo prazo; o quanto esse ambiente de incertezas afeta essas decisões?”

A especialista da FGV também cita o repique nos preços de insumos no ano passado, impactando famílias e empresas no mercado imobiliário. “Na infraestrutura, o problema é o desequilíbrio de contratos e a revisão disso dentro da burocracia dos editais de licitação”. 

Um último fator, mas não menos importante, é a lenta recuperação do mercado de trabalho, do emprego e da renda, destacada por Odair Senra: “Sem essa retomada, dificilmente haverá sustentação para o crescimento da atividade de construção no nível esperado”.


Por Henrique Cisman
 

GRI Residencial Brasil 2021