Com estoque baixíssimo, loteadoras voltam a lançar em 2021

Principal ameaça ao segmento é a dificuldade com licenças

11 de fevereiro de 2021Mercado Imobiliário
Seguindo a tendência do setor imobiliário, o mercado de loteamentos deve registrar queda de 35% a 40% nos lançamentos em 2020, no comparativo com o ano anterior. As prévias do resultado anual foram anunciadas ao GRI Club pela consultoria Brain Inteligência Estratégica.
 
Pedro Lodovici, sócio da Vitae Urbanismo, explica que a baixa ocorreu em razão da insegurança disseminada após a primeira onda de covid-19: "Dúvidas sobre o potencial impacto nas vendas fizeram com que as empresas adotassem posturas conservadoras e suspendessem boa parte dos novos projetos".
 
Para a surpresa de muitos, contudo, a comercialização de lotes acabou ganhando força na pandemia. Segundo a Brain, o ano de 2020 terminou com o menor estoque da história do segmento, com destaque para o desempenho da média e alta renda.
 
Um dos motivos é o baixo patamar da Selic, atualmente em 2%. Além de incentivar o barateamento do crédito imobiliário, que fomentou tanto a incorporação horizontal como a vertical, o cenário atraiu investidores para a renda variável. Aqueles mais conservadores, por sua vez, enxergam os ativos imobiliários como uma boa alternativa de investimento.
 
"Surgiram muitos investidores nesse período. São clientes que estavam com o dinheiro parado no banco ou em outra aplicação financeira, começaram a não ver retorno e resolveram investir em um terreno. É um negócio que oferece ganho de capital, principalmente quando se investe no início e a infraestrutura do local se fortalece", diz José Eduardo Ferreira, CEO da ITV Urbanismo.
 
Fora isso, o isolamento social imposto pela covid-19, juntamente com o home office, causaram um movimento de êxodo urbano. Ou seja, muitas famílias passaram a demandar mais espaço dentro de um contexto em que a moradia pode estar longe do trabalho. Neste caso, loteamentos no interior dos estados, até pelo menor preço do metro quadrado, apareceram como uma excelente solução.
 
"Ao analisar pesquisas de intenção de compra, claramente se observa uma valorização de determinados atributos, como espaços maiores e arejados, conforto, piscina, área verde, qualidade de vida e bem-estar. Houve uma ampliação nas necessidades das famílias e consequentemente no programa de moradia,  que agora precisa conjugar residência , trabalho, estudo, lazer etc.", pontua Lodovici.

José Roberto Nunes, CEO da Planalto Invest, segue raciocínio semelhante: "Houve uma alteração no comportamento do consumidor, que passou a analisar outros critérios na tomada de decisão. Até então, muitas pessoas priorizavam estar próximas do trabalho, em um imóvel menor. Com essas mudanças, algumas entenderam que vale a pena pagar por mais espaço".

O executivo aposta no sucesso das comunidades planejadas: "Elas pensam não só no produto, mas no serviço e na infraestrutura. Para o trabalho, por exemplo, além de ter uma boa internet em casa, eventualmente é interessante poder ir a um coworking no mesmo empreendimento. Outra ideia são as hortas orgânicas, mais uma tendência herdada de 2020".

Digitalização das empresas

Se por um lado a pandemia trouxe vantagens para o mercado de loteamentos, por outro exigiu a sua digitalização. Com os stands de vendas fechados por meses, as empresas tiveram que ampliar  sua atuação no ambiente online para seguir comercializando.

"A transformação digital atingiu os principais processos das empresas, como a venda, as assinaturas de contratos e as escrituras, agora com autenticação via certificados digitais. Esse é um caminho sem volta que foi acelerado pelo cenário de isolamento social", assegura Lodovici, da Vitae.

Uma das pioneiras neste sentido foi a Scopel Empreendimentos, que deu início ao processo de venda digital há cinco anos e desde então não imprime mais folhetos nem confecciona placas. A empresa segue investindo em tecnologia, de acordo com o diretor Eduardo Scopel.

"Há cerca de um ano e meio, vimos a necessidade de ter uma equipe própria para trazer as ferramentas digitais para dentro da empresa. Assim, não dependemos mais de imobiliárias e de agências, garantindo um processo muito mais dinâmico e veloz", afirma.

"Esse pequeno departamento organiza todo o processo comercial, a escrituração e as mídias sociais. Isso tem surtido um grande efeito na empresa e, sem dúvida, a capacitação tecnológica se tornou um diferencial competitivo", completa Scopel, lembrando ainda que a loteadora também tem investido na compilação de dados junto a outras empresas do GRI Club.

Ameaças e expectativas para 2021

Quanto às preocupações do segmento, boa parte dos executivos cita a dificuldade com licenciamentos e aprovações como a principal delas. "Os terrenos demoram, em média, dois anos para serem aprovados. É muito tempo quando comparado a um prédio, que leva menos de seis meses", garante Scopel, que ainda assim vê 2021 com otimismo e planeja fazer quatro ou cinco lançamentos.

O CEO da ITV Urbanismo, José Eduardo Ferreira, lembra que a incorporação horizontal também é menos flexível que a vertical: "A legislação e a matrícula são diferentes. Na incorporação vertical, você faz um prédio e se não der certo, devolve o dinheiro para quem pagou. No loteamento, não há como desistir", compara.

De qualquer modo, Ferreira também entende que o ano deve ser positivo para os loteamentos e demais ramos imobiliários, principalmente pelo início da vacinação: "Acreditamos que ajudará todos os setores. Daqui a uns 90 dias, esperamos que haja quantidade suficiente de pessoas vacinadas para as coisas começarem a entrar nos eixos. Se as pautas políticas também começarem a caminhar, podemos ter um ano muito bom".
 
Pedro Lodovici, sócio da Vitae Urbanismo, acredita igualmente que a capacidade do governo em vacinar a população, junto com a consequente recuperação da mobilidade, ditará em grande parte a velocidade de recuperação dos mercados. "Isso deve trazer uma melhora nos índices de confiança e uma retomada dos lançamentos no segmento de loteamentos", assinala.

O executivo, contudo, revela preocupação com os constantes aumentos de custos da construção, que vêm ameaçando o setor imobiliário de modo geral: "Se não houver a precificação correta no planejamento, a rentabilidade será muito prejudicada nos projetos de loteamentos".

Enquanto isso, José Roberto Nunes, CEO da Planalto Invest, faz um alerta às sequelas que a pandemia ainda pode deixar, como o aumento do desemprego e a consequente incapacidade do consumidor de adquirir produtos de alto valor agregado, como um imóvel.
 
Além disso, o empresário ressalta que a Selic, hoje no mínimo patamar histórico, tem previsão de subir. "É inversamente proporcional: quanto maior a taxa de juros, menor o apetite para financiamentos e aquisições de imóveis. Tem ainda a questão da inflação, que afeta o salário das pessoas e ajusta contratos de forma desproporcional".

Mesmo assim, Nunes crê que em 2021 vários projetos engavetados serão colocados no mercado: "O apetite está alto e os estoques estão esgotados em várias empresas, o que indica ser uma boa hora para lançar".

Por Daniel Caravetti