Aprovada a lei dos distratos. E agora?

Rodrigo Bicalho, do comitê jurídico do GRI Club, analisa texto aprovado nesta quarta-feira e perspectivas a seguir.

6 de dezembro de 2018Mercado Imobiliário

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 05 de dezembro de 2018, o texto do PL nº 1220/2015, que passará a disciplinar os direitos e deveres das partes nos casos de resolução dos contratos de aquisição de imóveis, alterando a lei de incorporação imobiliária (Lei nº 4.591/64) e a lei de parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766/79), conhecida como Lei dos Distratos.

Como é sabido, o número de distratos atingiu proporção tamanha que levou muitas empresas a situação de grande dificuldade financeira e afetou profundamente o mercado. Dentre as consequências negativas, podem ser mencionadas a dificuldade de saldar os débitos dos financiamentos bancários, o aumento dos estoques, redução dos lançamentos, retração do mercado e aumento considerável do desemprego no setor.  Além disso, a facilidade com que se permitia o desfazimento do negócio, com recebimento pelo desistente de praticamente tudo o que pagou, passou a ameaçar a própria conclusão das obras, por falta de recursos, prejudicando os adquirentes que cumpriam seus contratos. 

A nova lei sinaliza para as partes que o contrato terá força vinculativa, trazendo consequências no caso de seu descumprimento, regulando de forma mais específica e detalhada a quantia a ser devolvida e a forma de devolução dos valores. Para as incorporações imobiliárias, fica estabelecida a retenção de 50% dos valores pagos, nos casos de incorporação subordinada ao patrimônio de afetação, com a devolução em até 30 (trinta) dias após o habite-se. Nas demais incorporações, a retenção será de 25% e a devolução em parcela única até 180 dias do desfazimento do contrato, ou em 30 dias da revenda da unidade distratada. 

Veja-se que no patrimônio de afetação, como previsto em lei desde 2004 (justamente em favor dos consumidores), todos os recursos pagos pelos adquirentes são destinados à conclusão das obras e não podem ser utilizados para outra finalidade pelo incorporador.  Por tal razão, justifica-se a disposição da nova lei que a devolução ocorrerá em percentual menor e somente após término das construções. Esse tratamento diferenciado para o patrimônio de afetação vai ao encontro da tese que defendemos em artigo na própria GRI Magazine Real Estate em meados de 2016.

O projeto aprovado traz a possiblidade de retenção das despesas de comissão de corretagem e, se o imóvel já estiver sido disponibilizado ao adquirente, podem ser deduzidas também despesas de condomínio e IPTU, além da fruição de 0,5% do valor do imóvel. 

Para os loteamentos, está prevista a possibilidade de retenção de até 10% do valor do contrato (não dos valores pagos) e a devolução de tais valores em até 12 parcelas mensais. A indenização por fruição, nesse caso, será de 0,75% do valor do contrato.

A lei também cristaliza a prática de mercado, aceita pela jurisprudência, de que pode haver atraso de obra de até 180 dias, sem penalidade. Porém, traz segurança para o adquirente quanto ao prazo de entrega do imóvel, pois se houver atraso maior, o adquirente pode resolver o contrato recebendo a integralidade dos valores pagos e a multa prevista em contrato. Por outro lado, se o adquirente optar por manter o negócio, receberá indenização equivalente a 1% do valor efetivamente pago, para cada mês de atraso adicional.

Em linhas gerais, o texto final representa um considerável avanço para solucionar os conflitos e harmonizar o mercado. A primeira questão, portanto, é se o presidente Temer irá sancioná-lo ou, ainda, se vetará alguma disposição específica (o que faria o projeto retornar ao Congresso para análise do veto). Consideramos mais provável que o projeto seja sancionado em sua forma atual. 

Resta saber como a lei será recebida pelo Poder Judiciário, especialmente pelos magistrados que seguem uma linha de excessiva proteção ao consumidor, que podem apresentar certa resistência a alguns pontos da lei. É provável, inclusive, que haja decisões no sentido de que as novas regras não seriam aplicáveis aos processos em curso ou, até mesmo, aos contratos já firmados. 

Esperamos que o Judiciário tenha a mesma sensibilidade que teve no caso o Congresso Nacional, de que havia um grave desequilíbrio que afetava a sociedade como um todo e que era necessário um ajuste no sentido da razoabilidade e segurança. Cabe a todos nós contribuir para que essa visão prevaleça. 

Rodrigo Bicalho, sócio do Bicalho e Mollica Advogados e membro do comitê jurídico do GRI Club Real Estate.


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