Alta do IGP-M desestabiliza reajustes de aluguel

Faturando mais, galpões logísticos têm elevação do índice repassada integralmente

25 de fevereiro de 2021Mercado Imobiliário

De acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) subiu 2,29% na segunda prévia de fevereiro. Com esse resultado, a taxa acumulada em 12 meses, que registrou 25,46% em janeiro, passaria para 28,64%. As consecutivas altas vêm sendo impulsionadas pelo aumento no preço de commodities e combustíveis, além da valorização do dólar.

No mercado imobiliário, a grande questão é que o IGP-M é utilizado como referência para correção dos contratos de locação. O aumento excessivo do indexador, principalmente em meio ao contexto de pandemia e crise econômica, tem desestabilizado os reajustes de aluguel.

“Neste momento, a utilização do índice como referência significa um aumento de 28% no valor locatício, na data do aniversário do aluguel. A grande questão é que, se o imóvel fosse locado em um segundo momento, dificilmente haveria tal reajuste. Não existe uma uniformidade entre valor real de locação e correção do contrato”, diz Olivar Vitale, sócio-fundador da VBD Advogados.

Renegociações de contratos

O advogado, que também é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), lembra que a situação tem motivado diversas negociações entre locadores e locatários. Estas, inclusive, são alternativas previstas em lei: “A atitude primordial é negociar. O Código Civil Brasileiro, em vigor desde 2002, tem como princípios a preservação do contrato, a boa-fé, a função social do contrato e a mediação”, afirma.

Thiago Costa, sócio da Hemisfério Sul Investimentos (HSI), garante que a companhia, exposta aos mais diversos ativos imobiliários, tem procurado fazer avaliações pontuais a respeito do reajuste de aluguel. O diálogo com o inquilino é uma importante etapa para entender a situação de cada cliente.

“No caso de um lojista de shopping center, que vem sofrendo com o fechamento do comércio na pandemia, olhamos com muito bom-senso. Uma vez que a relação de parceria se estabelece no médio e longo prazo, procuramos ajudar o locatário a atravessar este período difícil. A situação não pode ser excessivamente onerosa para o inquilino e nem para nós”, assegura.

O sócio-fundador da Patrinvest, Paulo Roberto Almeida, demonstra opinião semelhante: “Não dá para tratar todas as classes de imóveis da mesma forma, até porque as taxas de vacância são diferentes. No caso de escritórios, por exemplo, o home office indica uma tendência de baixa no aluguel”.

As opiniões dos especialistas se confirmam no Índice FipeZap. Estável em janeiro, o preço médio de locação de imóveis comerciais acumula recuo de 1,18% nos últimos 12 meses. Comparativamente, o resultado é inferior às variações acumuladas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), de +4,56%, e pelo IGP-M, de +25,71% no mesmo período.

Troca de indexador

Justamente pela menor variação em relação ao IGP-M neste recorte temporal, o IPCA tem tomado o lugar como indexador para correção de alguns contratos de locação. No Rio de Janeiro, a Prefeitura estabeleceu a mudança por meio de decreto, nos aluguéis em que o município é o locatário. 

O QuintoAndar também aderiu ao movimento e estabeleceu o IPCA como indexador dos contratos de locação firmados na plataforma digital. Outra alternativa de substituição, de acordo com Olivar Vitale, é o IPC (Índice de Preços ao Consumidor), que faz parte da composição do IGP-M e encerrou o mês de janeiro com alta acumulada de 3,11% nos últimos 12 meses.

O advogado também ressalta que a alteração do indexador pode ser temporária ou definitiva. Entretanto, vê mudanças permanentes como temerárias, já que, assim como o IGP-M apresentou grande variação, pode ocorrer o mesmo com outros índices. “Cabe às partes negociar para usar um referencial mais adequado para o momento”, diz o sócio-fundador da VBD.

Paulo Roberto Almeida, da Patrinvest, apresenta opinião semelhante: “A expectativa de mudança de índice reflete o polo e a circunstância do momento, à medida que não atende a expectativa de determinado grupo. Como atualmente 90% dos contratos são corrigidos pelo IGP-M, fazem mais sentido negociações pontuais”.

Thiago Costa, da HSI, admite que a empresa já realiza substituições temporárias: “Quando faz sentido para nós e para os nossos clientes, começamos a ter essa conversa e realizamos a troca. Mesmo assim, entendemos que a discussão sobre qual é o indexador ideal para a correção de aluguéis leva tempo”, pondera.

Em outros casos, contudo, a companhia interpreta que a alta do IGP-M condiz com a correção do aluguel: “Trabalhamos com shopping centers, escritórios, residenciais verticais, loteamentos, hotéis e galpões logísticos. Estes últimos, por exemplo, foram beneficiados pelo e-commerce e aumentaram o seu faturamento. Obviamente, repassamos o IGP-M na integralidade”, completa Costa.

Almeida também defende a análise do faturamento nas relações locatícias: “No mercado comercial, exceto no caso de grandes redes, nunca houve uma preocupação em estabelecer um valor de aluguel a partir da capacidade de faturamento do local”.

Batalhas judiciais

Considerando que em alguns casos o locador não se dispõe a negociar ou não aceita os descontos sugeridos pelo inquilino, o tema pode ‘desaguar’ no poder judiciário. Defendendo prioritariamente o diálogo entre as partes, Vitale esclarece as principais ações e consequências de uma batalha judicial.

“A parte que se sente prejudicada, provavelmente o locatário, tende a promover uma ação judicial alegando que aquela prestação pecuniária está disforme com aquilo que foi contratado. Tem, inclusive, previsão legal para isso, em situações que a desigualdade decorra de motivos imprevisíveis, como a pandemia [Art. 317 do Código Civil]”, garante.

Provando esta situação, o advogado entende que há uma chance razoável do poder judiciário substituir, temporariamente, um índice por outro. Mesmo assim, lembra que uma disputa judicial gera consequências, como os altos custos para a parte perdedora e o estabelecimento de uma decisão terceira.


Por Daniel Caravetti