A busca da segurança jurídica: uma luz no fim do túnel

Tema vem ganhando atenção de juristas e parte do governo. Veja no artigo de Rodrigo Bicalho, do comitê jurídico do GRI.

24 de abril de 2019Mercado Imobiliário

Como é do conhecimento de empreendedores e investidores, a insegurança jurídica é um dos maiores entraves para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.  Ela se revela de diversas formas, seja por meio de obras que são paralisadas por liminares, suspensão ou anulação de editais de concorrência, e não aplicação das regras vigentes por funcionários de agências e autarquias, inclusive para conceder licenças ambientais ou urbanísticas.

O desenvolvimento empresarial depende do conhecimento prévio de quais são as normas incidentes sobre a atividade praticada e, uma vez seguidas tais regras e feitos vultosos investimentos, é de se esperar que o empreendimento possa ser desenvolvido sem percalços, exceto aqueles que são próprios dos riscos de mercado. Infelizmente, não é assim.  Enquanto na grande maioria dos países os riscos estão ligados à atividade em si, ao sucesso ou insucesso do planejamento empresarial, à concorrência e à própria competência na condução do negócio, no Brasil, além da burocracia e da falta de crédito, há ainda o enorme risco da insegurança jurídica advinda dos atos dos governos, do Poder Judiciário ou do Ministério Público.

Um dos fatores dessa insegurança advém dos chamados julgamentos principiológicos, tendência que tem permeado os tribunais, segundo a qual o magistrado não necessariamente julga com base no que a lei determina, mas a partir de sua visão abstrata sobre os princípios fundamentais do direito, da sociedade e do ser humano.

Claro que isso é extremamente vago, mas com consequências práticas sérias. Assim, por exemplo, uma licença para construção de um centro comercial ou de uma hidrelétrica pode ser suspensa porque, embora tenha feito o regular licenciamento ambiental, causará necessariamente algum impacto no meio ambiente e isso por si só seria inconstitucional, pois o julgador entende que o meio ambiente suplanta todos os demais princípios.  Outro exemplo: uma desocupação de imóvel invadido é negada ou suspensa não porque o requerente não tenha o direito, mas porque os ocupantes não têm outra moradia e, portanto, sob determinada visão, ordenar sua desocupação seria atentar contra a dignidade humana. Com isso, a falha dos sucessivos governos na solução do problema habitacional é transferida ao proprietário do imóvel invadido.

Outro fator é a falta de visão das consequências práticas, do ponto de vista social e econômico. Há determinações que caçam licenças para obras que já estão em andamento, mas não se detêm quanto às severas consequências do fato, nem a como regulá-las. Por exemplo, pode ter havido diversas vendas de unidades a terceiros, pode ter sido obtido financiamento bancário e consequente concessão de garantia a instituição financeira, os recebíveis podem ter sido cedidos ou securitizados a terceiros. Tais relações jurídicas e econômicas ficam no limbo e não são analisadas, muito menos resolvidas.

Felizmente, esse enorme fantasma da insegurança jurídica deixou de ser considerado como mera queixa de 'maus empresários' e passou as ser reconhecido por juristas, acadêmicos, pesquisadores e até mesmo por parte do governo como um grande entrave a ser enfrentado. Para isso, algumas medidas concretas estão sendo adotadas e, dentre elas, se destaca a promulgação, no Governo Temer, da Lei 13.655/2018, que alterou a antiga legislação de 1946, denominada “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, ou simplesmente LINDB.  

Tal lei trouxe normas extremamente importantes, como a do artigo 20, que impõe: “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Em outras palavras, quando houver uma lei específica tratando do assunto, deve ela ser aplicada, ainda que o integrante do governo ou do judiciário discorde dos princípios que embasaram tal lei.

A determinação contida no parágrafo único é também de grande pertinência: “A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”.  Essa norma determina que uma decisão judicial ou administrativa, antes de invalidar um ato, inclusive uma licença de construção, deverá justificar se a invalidação é mesmo necessária ou se outras alternativas não poderiam ser consideradas de forma mais benéfica, como, por exemplo, um acordo que permita sanar algum vício ou aumente as compensações ambientais ou contrapartidas.

Com intuito de combater as decisões que geram consequências drásticas, sem dar a devida solução, a nova lei também impõe que “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”.  E, de forma bastante assertiva, busca minimizar os impactos, em benefício da sociedade como um todo, obrigando que “a decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.

Veja-se que há um reconhecimento claro, por parte do Poder Legislativo, dos impactos negativos das decisões meramente principiológicas e que causem danos severos e desproporcionais. A lei também foi sensível a uma situação comum: o receio dos funcionários públicos de sofrerem sanções no âmbito de sua atividade. Inúmeros processos de licenciamento ambiental ou urbanístico ficam paralisados ou 'andam de lado', pois os funcionários temem ser processados pessoalmente caso o Ministério Público discorde da medida. Não se trata aqui de ato ilícito, que obviamente deve ser apurado e punido, até mesmo criminalmente.  O que a lei afasta é a possibilidade de haver sanções decorrentes de diferença na interpretação legal, ao estabelecer que o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas apenas “em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Vale também destacar que a legislação não permite que se declarem inválidos atos praticados no passado, ou situações anteriores praticadas de acordo com a lei vigente à época, quando há mudança de orientação futura. Embora isso pareça óbvio, infelizmente há diversas ações visando o contrário, com a pretensão de que loteamentos já entregues no passado sejam agora adequados, por seus antigos empreendedores, às exigências ambientais, urbanísticas e de mobilidade atuais.

Há outros projetos e estudos em curso, visando o aprimoramento do arcabouço legal, mas novas leis, por si só, não bastarão, pois não se trata de uma questão apenas jurídica, mas também cultural e ideológica.  É preciso fazer ver que muitos atos que desconsideram a lei e as licenças e alvarás, embora muitas vezes praticados com intuito de beneficiar a sociedade, acarretam enorme insegurança jurídica, que por sua vez constitui considerável obstáculo para o crescimento econômico, o desenvolvimento social, a geração de riqueza e de empregos e afasta investimentos estrangeiros. Além disso, quando a lei é relativizada para se prestigiarem princípios abstratos, entra-se na subjetividade plena, que favorece também a corrupção, pois qualquer princípio poderia ser alegado para se permitir ou não um novo empreendimento ou atividade.

Nosso País precisa crescer, superar suas mazelas e criar oportunidades. A solução passa não apenas por medidas governamentais, mas também por uma consciência e participação dos agentes públicos, do Judiciário, das promotorias e da sociedade como um todo. E é necessária, também, uma atuação socialmente responsável por parte das empresas, pautadas sempre pelo cumprimento da lei, para que possam então pleitear seus direitos de maneira embasada.


Por Rodrigo Bicalho, sócio de Bicalho e Mollica Advogados e membro do comitê jurídico do GRI Club Real Estate Brazil
 

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