Imagem de capa<label style="color:#fff;">Crédito: Pixabay<label>

Tecnologia blockchain chega ao setor público

Com o objetivo de trazer transparência aos processos, BNDES Token e TruBudget começam a operar neste mês.

8 de julho de 2019Infraestrutura

O uso da tecnologia blockchain está ganhando força nas diversas indústrias brasileiras. Embora pontuais, iniciativas públicas buscam trazer maior segurança e credibilidade e, consequentemente, maior transparência e melhoria de processos. Uma delas é liderada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujos projetos-piloto – o TruBudget e o BNDES Token – devem iniciar a operação neste mês. 

Desenvolvida pelo KfW, banco de fomento da Alemanha, a aplicação de software TruBudget (Trusted Budget Expenditure Regime) foi criada para aprimorar a transparência e a eficiência no uso de recursos públicos que financiam o desenvolvimento. Baseado em tecnologia similar à da criptomoeda bitcoin, o TruBudget é uma ferramenta de fluxo de trabalho que utiliza uma blockchain privada. 

"Colocamos [o TruBudget] em produção no início do mês de junho e, agora, estamos no estágio de realizar a primeira operação ainda em fase piloto, com alguns clientes do Fundo Amazônia", explicou Vanessa Almeida, gerente do Departamento de Desenvolvimento de Sistemas do BNDES, responsável pela equipe que está trabalhando nas novas aplicações. Após a fase inicial, a operação será expandida a outros clientes do mesmo fundo. 

BNDES Token

Já o BNDES Token – uma solução que permite o rastreamento da aplicação de recursos públicos em financiamento a entes públicos ou operações com recursos não-reembolsáveis – está sendo desenvolvido internamente e se encontra em fase de homologação, com previsão de passar para produção no início de junho. "Será a primeira execução do piloto com a [produtora de cinema] Elo [Company], cliente do banco no setor de audiovisual", continua a especialista do banco. 

Na primeira fase, além do cliente do mercado da cultura, houve uma experiência com o governo do Estado do Espírito Santo. Contudo, como envolvia a participação de outros players, o banco optou por dar andamento apenas ao projeto junto à Agência Nacional do Cinema (Ancine), que hoje participa como auditora do processo. "A ideia é ter mais feedback para estender o uso da aplicação. Diferentemente do TruBudget, que conseguimos escalonar com menos alterações no sistema, no caso do BNDES Token, precisamos realizar definições [distintas]."

Sobre a forma de trabalho adotada para o projeto, Vanessa Almeida explica que o BNDES está seguindo uma metodologia de startup. "Fizemos o primeiro protótipo, o validamos, colhemos feedbacks e melhoramos a aplicação. Estamos em um caminho de evolução", diz. 

Em busca da hipertransparência

De acordo com o Edelman Trust Barometer 2019, um estudo global da agência de Relações Públicas Edelman, no Brasil, apesar de ter subido 10 pontos em período eleitoral, o governo detém hoje apenas 28% do nível de confiança (0-100). “Temos observado importantes quedas na confiança em instituições – ONGs, empresas, governo e mídia –, enquanto a no empregador cresce no Brasil e no mundo”, contextualiza Cristina Schachtitz, vice-presidente da companhia.

A crise da governança, decorrente de escândalos de corrupção que atingiram diretamente o setor de infraestrutura no passado recente, é um dos principais fatores para a falta de confiança nas instituições. Nesse quesito, o blockchain pode ajudar na estruturação de um caminho mais seguro. 

"No nosso projeto, a questão da transparência foi o driver inicial. [Pensamos em] um habilitador para a hipertransparência. [O objetivo era] não apenas a divulgação do dado a  posteriori, mas tornar as transações transparentes", explica Vanessa Almeida, do BNDES. 

Rastreamento de informações

Para Tatiana Revoredo, especialista em Blockchain pela Universidade de Oxford e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), a tecnologia permite a criação de trilhas de auditoria de informações confiáveis e torna simples a construção de plataformas para o rastreamento de informações, incluindo datas de inclusão, uso, acessos etc. "Isso aumenta muito a transparência em termos de processamento de dados e processos – algo importante em um ambiente governamental – e dificulta o uso indevido ou a falsificação de informações", afirma. 

"Nessa linha, tanto o projeto TruBudget quanto o BNDES Token são iniciativas bastante interessantes. O BNDES Token, particularmente, possui código e licença open source e introduziu uma solução de identificação digital – a certificação digital ICP-Brasil [Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira] para que todas as transações com o dispositivo também tenham validade jurídica", complementa Tatiana. 

Para ela, que é autora do livro 'Criptomoedas no cenário internacional: qual é o posicionamento de bancos centrais, governos e autoridades?' e fundadora da Oxford Blockchain Foundation, embora os desenvolvimentos do banco brasileiro estejam em estágio inicial, estão avançando rapidamente. 

"É importante ressaltar, contudo, a importância de se esgotar todas as fases necessárias para a implementação de uma solução blockchain, de modo que todas as possíveis questões sejam bem maturadas dado que ainda é uma tecnologia em evolução e cujos efeitos ainda não são completamente conhecidos", adiciona. 

Em processo gestacional

Em 2017, o governo do Estado de São Paulo anunciou uma associação com a empresa americana CG/LA Infrastructure para a realização do Ilumina SP, uma parceria público-privada (PPP) que visava impulsionar a modernização da iluminação pública em cidades paulistas. 

Na ocasião, a gestão – a cargo de Geraldo Alckmin – informava que a proposta também tinha o objetivo de gerar receita aos municípios, reduzindo os custos e melhorando o serviço para a população. Em contato com a equipe de reportagem do GRI Hub, a assessoria de imprensa da administração estadual atual, liderada por João Doria, informou que não houve avanços no projeto. 

Na capital paulista, a prefeitura igualmente analisava possibilidades de usos da tecnologia. Em 2018, em entrevista à GRI Magazine Infrastructure, Daniel Annenberg, então secretário municipal de Inovação e Tecnologia, já falava sobre possíveis aplicações por meio de blockchain. "Estamos incorporando o que pudermos em novas tecnologias que tragam uma gestão mais eficiente da cidade, com qualidade de atendimento e redução de custos", disse à época. 

Na região Sul, o Paraná tem a ambição de se tornar um hub de inovação. Por meio da Agência Paraná Desenvolvimento (APD), o governo de Carlos Massa Ratinho Junior assinou em março um acordo com o Blockchain Research Institute Brasil (BRI Brasil) para iniciar um processo de expansão e implantação da tecnologia. 

Atualmente em processo de benchmarking com o BRI Brasil, a equipe paranaense é liderada por Giancarlo Rocco, diretor técnico da ADP. "Nesta semana, apresentaremos o projeto para a Celepar [Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná]. Depois, realizaremos uma apresentação aberta ao público em geral", diz.

O objetivo é conscientizar os diversos atores envolvidos sobre a importância de avanços tecnológicos. "A ideia é que a Celepar seja a grande indutora, numa atuação de desenvolvedora para outras secretarias", explica Rocco. 

Um dos setores beneficiados pela implementação da tecnologia seria o Porto de Paranaguá, que "poderia fazer uso de uma plataforma existente no mercado. Se pensarmos que para uma única carga é necessário ter mais de 30 agentes e cerca de 200 documentos, é uma área em que faz todo o sentido aplicar o blockchain, devido a sua complexidade, rastreabilidade e distribuição".

Desafios da evolução

Nesse caminho, há que se enfrentar o desconhecimento do tema e percalços administrativos e regulatórios. "Os maiores desafios são jurídicos e regulatórios. Muitas vezes, quando se inicia a abordar o tema, as pessoas buscam encaixá-lo em uma estrutura já existente, mas nem sempre isso funciona tranquilamente", explica a gerente do BNDES.

Vanessa Almeida ainda recorda que a tecnologia em questão é uma rede e, portanto, há a necessidade de interação com diversos atores. Nesse ponto, entra também a necessidade de articulação. "É preciso alinhar expectativas e prioridades", pontua. 

Para Tatiana Revoredo, o País precisa avançar também em uma política de Estado para permitir a evolução da rede. "Ao compararmos com o que tenho visto na União Europeia e nos países asiáticos, principalmente na China – onde blockchain é uma das cinco prioridades –, percebo que faltam políticas públicas para a utilização de blockchain como uma ferramenta de desenvolvimento, com planejamento a médio e longo prazo."

Impulsionada principalmente pelo mercado financeiro, hoje a inovação que permite a realização de uma série de transações seguras e descentralizadas já está em utilização por mais de 350 companhias, segundo mapeamento realizado no último ano pelo BNDES. 


Reportagem de Estela Takada

 

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