Players de infra analisam PL das agências reguladoras

Texto unifica preceitos de indicações de pessoas para atuar nesses órgãos e exige prestação anual de contas ao Congresso.

27 de julho de 2017Infraestrutura

Transparência, autonomia e padrão. Esses são os princípios que a Lei das Agências Reguladoras, aprovada no ano passado como Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 52/2013, promete garantir às agências reguladoras federais do País. A matéria espera apreciação da Câmara e a expectativa é de que seja votada neste segundo semestre de 2017.

Criadas para controlar e fiscalizar a prestação de serviços públicos feita pela iniciativa privada, as agências estabelecem regras para os setores em que atuam. Justamente por isso, são tão importantes as medidas que lhes dão independência funcional, administrativa, financeira e, sobretudo, decisória, dificultando a interferência política e econômica em suas decisões.

O texto original do projeto de lei é do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que resgatou um PL de 2004 do senador licenciado Walter Pinheiro (sem partido-BA). Um dos objetivos da versão em tramitação é unificar os preceitos de indicações de pessoas para atuar nesses órgãos. A proposta estabelece barreiras para nomeações meramente políticas e/ou fora de contexto e cria mecanismos de controle social.

O projeto exige ainda a prestação anual de contas ao Congresso e a celebração de contratos de gestão, que devem conter metas, mecanismos, fontes de custeio e resultados das ações regulatórias e fiscalizatórias conduzidas no período. “Um dos maiores desafios para o desenvolvimento da infraestrutura é a segurança jurídica e regulatória do sistema. Por isso, a iniciativa vem num bom momento”, analisa Rosane Menezes, sócia do Madrona Advogados.

Liberdade orçamentária

A senadora Simone Tebet (PMDB-MS), relatora do PL 52, destaca três de seus avanços: autonomia orçamentário-financeira; a chamada Análise de Impacto Regulatório (AIR); e maiores transparência e eficiência para o processo de indicação de dirigentes.

O aumento da independência das agências é um dos pilares do projeto. “É importante, pois, no dia a dia, é comum que decisões administrativas, como a elaboração de uma proposta orçamentário-financeira ou a realização de concursos públicos, requeiram intervenção do ministério supervisor para serem efetivadas”, aponta Simone.

O PL prevê que as agências reguladoras sejam órgãos orçamentários no Sistema de Planejamento e Orçamento Federal. “Desse modo, poderão se articular diretamente com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão para realizar o gerenciamento dos recursos, sem a necessidade de contar com o aval dos ministérios supervisores”, afirma a senadora. De acordo com ela, isso deve resultar em ampliação de liberdade e eficiência.

“A agência reguladora tem de ser independente, e sua independência começa na liberdade financeira”, apoia Rosane.

“Com isso, a agência vai poder dirigir mais recursos para se capacitar melhor, principalmente em termos de pessoal, porque o texto a preserva de cortes mais drásticos baixados pelos ministérios”, aposta Guilherme Penin, diretor regulatório institucional da Rumo-ALL.

Na visão dos investidores de infraestrutura consultados pela GRI Magazine, o projeto vai no caminho certo ao estimular a busca por embasamento técnico, que ainda hoje é um gargalo. Eles se queixam de baixa coordenação no trabalho das agências, que, assim, acabam contribuindo aquém do possível para o que seria seu grande papel: não só estimular a qualidade na prestação do serviço da concessionária, mas, em especial, pensar a regulação do setor num sentido mais amplo.

Conforme um dos investidores ouvidos, o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deveria ser imitado. Ela conta com uma empresa de pesquisa que contribui para o planejamento do setor, enquanto as demais ainda estão muito atrasadas nesse quesito.

Normas menos subjetivas

No que toca à produção de normas, a Análise de Impacto Regulatório deve ajudar a fechar a porta para a subjetividade na tomada de decisão das agências, impondo orientações mais claras, acredita Simone Tebet. A AIR é destinada a permitir que os agentes econômicos e usuários dos setores regulados avaliem os custos e benefícios econômicos e sociais dos atos normativos e decisões regulatórias que forem adotados pelas agências.

“É certo que a AIR trará qualidade regulatória às decisões da agência. O PL prevê inclusive consulta pública ou audiência pública em determinados casos”, diz Rosane Menezes.

Guilherme Penin, da Rumo-ALL, comemora o fato de o projeto estipular as fronteiras de regulação, colocar limites a normas exorbitantes e exigir que se justifiquem atos que tenham um caráter intervencionista. “Dado que é algo menos palpável, vamos ver se essa delimitação vai se efetivar na prática”, pondera ele.

O problema, destaca Rosane, é que o texto está vinculado à edição de um decreto para definir quais serão as matérias passíveis da AIR. Para a advogada, a dependência de um decreto, nesse e em outros pontos do projeto, pode atrasar sua efetividade.

Espaço para evoluir

Um mérito do PL, conforme Humberto Farias, diretor-presidente da Âmbar Energia, é sua capacidade de melhorar a governança das agências regulatórias ao dar mais transparência às escolhas dos agentes públicos, afastando aquilo que dê margem a interpretações e ingerências políticas. “Não quero dizer que o fator político seja ruim em si; não é. A política é importante, mas a agência deve ser conduzida com transparência, dentro de um processo de governança sólida, para que, no final do dia, ofereça ao investidor regras claras e estabilidade.”

É consenso no mercado que a Aneel tem a estrutura regulatória mais desenvolvida entre seus pares. Para Humberto, no entanto, isso não significa que ela não possa avançar. “Há muito espaço para evoluir”, assegura.

Um exemplo dos possíveis progressos pode vir em forma de aprimoramento na fiscalização das concessionárias. A Aneel, por exemplo, deve recrudescer a 'cláusula de barreira' adotada em leilões de construção de novas linhas de transmissão por meio da análise prévia do desempenho também de obras autorizadas às empresas sem licitação. Para o líder da Âmbar, o objetivo é baixar o risco de o sistema ter eventuais problemas com longos atrasos e apontar soluções práticas para resolvê-los antes que fiquem muito sérios.

Humberto admite que nem tudo é perfeito na Aneel. Entre os pontos de atenção, o mais grave seria a forte judicialização, particularmente no âmbito do mercado livre de energia.

Penin lembra que as agências não têm um corpo jurídico próprio (seus advogados são vinculados à Advocacia-Geral da União, a AGU), redundando em falta de expertise técnica. “Os procuradores são generalistas e mudam muito de área, o que resulta em descompasso no nível de conhecimento específico setorial entre os campos técnicos das agências e das procuradorias”, aponta. "Às vezes, isso acaba gerando decisões pouco fundamentadas na realidade dos setores por parte dos jurídicos das agências.”

Para ele, esse é um problema crônico. “O nível de rotatividade dos técnicos é alto. Existe aí uma disfunção de modelo que precisaria ser enfrentada. A agência deveria formar um jurídico próprio ou poder trazer gente de fora, com regras claras de escolha de currículo”, sugere.

Humberto avalia que a Aneel tem falhado na solução de conflitos e que suas medidas são frequentemente alteradas nos tribunais. “É importante monitorar o quanto as decisões da agência são mantidas ou não pelo Judiciário, sob pena de o poder regulatório ser transferido para a Justiça”, observa.

Escolha dos dirigentes

O PL também se debruça sobre a qualidade dos membros dirigentes e a prevenção da vacância no colegiado das agências.

O texto define mandatos padronizados de cinco anos, vedada a recondução, e determina um processo seletivo simplificado padrão para a designação de novos dirigentes, por meio de análise de currículos e entrevistas, em que uma comissão de seleção formula uma lista tríplice de candidatos a ser enviada ao presidente da República.

“Isso permitirá que sejam selecionadas pessoas com a experiência e o perfil necessários para desempenhar suas atividades à frente das agências”, garante Simone Tebet.

A introdução de um ouvidor, de perfil técnico, nomeado pela Presidência da República, é outra novidade.

Há ainda previsão clara sobre impedimentos e casos de conflito de interesse dos dirigentes, à luz da recente Lei das Estatais (Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016), vedando a indicação de titulares de mandatos eletivos ou sindicais e de pessoas que não possuam ‘ficha limpa’ ou que tenham participação direta ou indireta em alguma empresa que atue no respectivo setor regulado.

Mas, para quem tem de lidar com as agências, uma grande preocupação tem sido a falta de nomeação de dirigentes. Isso implica, na prática, uma paralisia de seu funcionamento. “O texto estabelece prazos e regras de substituição para que não exista mais uma verdadeira acefalia das agências”, afirma a senadora.

Paralisia decisória

O problema de vacância de membros dos colegiados é expressivo. Segundo o estudo 'Processos de Nomeação de Dirigentes de Agências Reguladoras', publicado em julho de 2016 pela Escola de Direito da FGV, um em cada cinco mandatos não é cumprido até o fim. Na Anac, 39% dos dirigentes renunciaram antes da conclusão dos seus mandatos.

O maior efeito negativo disso, lembra Rosane Menezes, é a paralisia decisória, que ocorre quando o quórum de instalação de um colegiado não é alcançado, principalmente pela demora em novas nomeações (a vacância de três cargos simultâneos em um grupo de cinco significa que não haverá decisão se for exigida maioria absoluta).

Ela destaca que o estudo da FGV detectou essa dificuldade na maioria das agências mais importantes. Na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por exemplo, o tempo de vacância total somou 20,7 anos desde que o órgão foi criado, em 2002. A agência teve dois momentos de imobilidade decisória. O último deles durou três anos, cinco meses e dez dias (de fevereiro de 2012 a julho de 2015).

“O PL enfrenta essa questão; porém, não resolve 100% porque joga as regras para um decreto regulamentador”, diz a advogada. Segundo ela, também não haverá punição ao presidente se não nomear alguém. “Ou seja, continuaremos sem saber quão célere isso será.”

Rosane opina que o PL poderia ser mais efetivo se adotasse o “sistema de alta direção pública” chileno, que contrata uma empresa para buscar um candidato apropriado tecnicamente para o cargo.

Para além da União

Embora o projeto trate diretamente das agências reguladoras federais, Simone Tebet crê que possa servir de modelo também para as demais agências no País. “É comum que estados e municípios adaptem suas legislações seguindo o modelo federal em razão dos avanços e da segurança ofertados pela uniformização de regras jurídicas”, justifica.

Pode ser o caso das agências do ramo de saneamento, cuja competência regulatória é do município, salvo para as companhias estaduais de água, para as quais o estado define uma agência regulatória ad hoc.

A expectativa dos players de segmentos variados de infraestrutura ouvidos pela reportagem é de que, se o novo modelo federal for adotado igualmente nas esferas locais, as agências se tornem mais independentes das vontades dos prefeitos. Há situações em que a ingerência política impediu por anos seguidos aumentos tarifários previstos em contrato.

Na ótica dos entrevistados, uma exceção positiva entre as agências nas esferas locais é a Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (Aris), de Santa Catarina. A equipe executiva da Aris é escolhida por concurso. Os membros do Conselho de Regulação e o diretor-geral exercem mandato de quatro anos, não podendo ser exonerados do cargo sem prévio processo administrativo. Além disso, a receita vem de uma parte das tarifas dos 176 municípios participantes do consórcio, beneficiando mais de 2,8 milhões de cidadãos.