Os caminhos da Eletrobras após a desestatização

Representantes dos setores público e privado dialogam sobre o futuro da companhia

4 de novembro de 2021Infraestrutura

O Infra Brazil GRI 2021, realizado nos dias 21 e 22 de outubro no Centro de Convenções do São Paulo Corporate Towers, trouxe diversas discussões sobre pautas atuais do setor de infraestrutura brasileiro. No segundo dia do evento, o painel “Eletrobras: como serão tratados os temas mais sensíveis na capitalização?” abordou os aspectos relacionados à desestatização da empresa: planos, objetivos e perspectivas do que está por vir.

O moderador do debate foi Mauro Battisti, head de energia e renováveis, do BNP Paribas, e os participantes convidados foram Camila Araújo, diretora de governança, riscos e conformidade da Eletrobras; Diogo Mac Cord, secretário especial de desestatização, desinvestimento e mercados do Ministério da Economia; Giovanni Fernandes, head de energia e recursos financeiros do Banco Santander; Jean Prates, senador federal; e Lidiane Gonçalves, superintendente de desinvestimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
 
No início da conversa, Araújo comentou os objetivos da Eletrobras a curto e médio prazo. “As metas na Eletrobras são derivadas do nosso plano de negócios. Para o processo de capitalização, elas também existem”, afirmou. Embora possam ser revistas no meio do ano, algo que o regulamento interno prevê, a diretora da empresa diz que isso não costuma acontecer. “Nós estruturamos o processo de capitalização a partir não só de metas, mas também de um bureau, um escritório de projetos. Temos reuniões semanais com nossos conselheiros e diretores, criamos uma comissão especial que discute constantemente a evolução do que vem acontecendo, os desafios e alertas que vêm pela frente. A partir dessas conversas, tomamos as decisões”, revelou. 

Ainda, segundo Araújo, as metas adquiriram um caráter frequente, tornando-se mais imediatas. Quanto ao processo de capitalização, a Eletrobras tem mapeado todos os riscos e todas as fragilidades, a fim de poder contorná-los. “O primeiro trimestre costuma ser marcado por um risco menor na capitalização, mas, mesmo ele aumentando nos seguintes trimestres, não há impedimentos para dar sequência ao processo”, observou.

Por outro lado, existem aspectos políticos que circundam a desestatização da companhia. O senador Jean Prates (PT/RN) traz um panorama do ambiente legislativo e opina sobre o papel das estatais no futuro do Brasil. 

Segundo ele, as estatais começaram a ser execradas em virtude de incidentes que hoje são combatíveis. Pessoas desavisadas, e até mesmo investidores e analistas, poderiam pensar que são empresas ineficientes devido à administração caber ao Estado e que, se fossem privadas, funcionariam melhor. “Sou contrário à perda de controle porque acho que deveríamos preservar o trabalho que foi feito até hoje e explorar outras formas de capitalizar e de empreender. Os leilões reversos, nesse sentido, são um excelente exemplo de atrair investimentos em novas usinas e novos sistemas”, ressaltou. 

Há muitas questões para resolver no setor elétrico que podem depender de uma holding das holdings. Para o senador, a discussão é precoce, e foi colocada na pauta no intuito de apresentar algo diferente, como iniciativa oposta a gestões passadas do governo. A esse respeito, “o clima político se deteriorou bastante devido à forma como foi colocada a Medida Provisória (MP), com urgência e relevância. Isso é relativo. Será que vender o controle da Eletrobras é um tema urgente e relevante para a população e para o sistema elétrico às vésperas de uma crise energética?”, indagou. “Acredito que deveríamos ter tido mais tempo para discutir o tema. Esse tipo de questão faz com que a situação não seja tão amistosa e tranquila no Senado, e as pessoas não falam mais no assunto”, concluiu.
 
Por sua vez, o secretário especial do Ministério da Economia afirmou que, com relação a ter ou não ter uma estatal, a posição do governo atual é amparada por uma questão constitucional. “O Art. 173 prevê que a intervenção do Estado na economia seja restrita a relevantes interesses coletivos e à segurança nacional. O despacho das usinas no Brasil é feito pelo ONS, então independe de ter ou não ter uma empresa estatal”, salientou. Nesse sentido, a Eletrobras apenas cumpriria ordens de despacho do ONS. Mac Cord destacou também que, ao contrário de países como EUA, onde o envio de energia é regulado pelos estados, o Brasil dispõe de uma regulação federal e do ONS, responsável por toda a distribuição. 

No que concerne à representatividade desta fase para a empresa, há novas possibilidades que se abrem. “[O passado da Eletrobras] foi importante, mas o momento atual vai permitir a criação de uma corporation. Vamos ter uma empresa com capital genuinamente brasileiro e com capacidade de investimento para constituir uma das maiores empresas de energia elétrica do mundo. Ela já é, mas será ainda maior”, disse. Por último, segundo ele, vão continuar sendo feitos investimentos significativos sem a perda da soberania, visto que se trata de uma empresa regulada pela ANEEL e despachada pelo ONS.
 
As observações da diretora de governança, riscos e conformidade da Eletrobras quanto à estratégia pós-desestatização vão na mesma direção. Ao criar a corporação, haverá sócios acionistas, que poderão indicar nomes para um conselho, e acontecerá uma reforma estatutária. “Uma vez que tudo isso se configurar, vai se refletir na legislação e na gestão. Portanto, entendemos que a Eletrobras já tem uma estrutura de governança bastante boa e sólida”, apontou Araújo.
 
Do ponto de vista da estruturação do negócio, a superintendente de desinvestimento do BNDES, ressaltou que, no processo como gestor, cabe ao BNDES a análise da criação de valor da empresa após a privatização. “Por ser uma companhia de capital aberto, o mercado começa a avaliar como seria essa empresa já no dia seguinte. Quanto mais crível for o cronograma, mais rápida será a antecipação da visão de valor da empresa pós-privatização”, afirmou. Assim, essa visão, em conjunto com as ações que estão em andamento, convergem para que, no dia do pricing, seja possível realizar a capitalização.
 
E quais vão ser as ações concretas da Eletrobras, pensando em termos de investimento nesse novo modelo de gestão? Um dos planos a médio prazo é multiplicar a capacidade de geração e estabelecer valores robustos de investimento em energia limpa. O objetivo é que a companhia se mantenha como matriz limpa e aumente esse tipo de energia cada vez mais. Além disso, é uma prioridade trabalhar com um mix de fontes de energia renovável. “Hoje temos a fotovoltaica, e uma das metas é criar novos parques, isso está no planejamento. Queremos, para esse ano, trazer mais de 700 km de novas linhas de transmissão, mais de 180 mega de nova geração hidrelétrica. E tem o projeto de Angra, de energia nuclear”, pontuou a representante da Eletrobras no painel. 

Em resumo, a empresa está atenta às possibilidades do mercado, motivo pelo qual o plano de cinco anos é revisto anualmente. Ainda, o fato de passar a constituir uma corporation, uma empresa privada, poderia proporcionar muito mais velocidade e capacidade de realização em prazos menores.

Por Lucas Badaracco