O lugar do free flow no futuro das rodovias brasileiras

Líderes discutem as oportunidades para o novo modelo de pedágio

16 de novembro de 2021Infraestrutura

O Infra Brazil GRI 2021, realizado nos dias 21 e 22 de outubro no Centro de Convenções do São Paulo Corporate Towers, trouxe diversos debates sobre pautas atuais do setor de infraestrutura brasileiro. No segundo dia do evento, o painel “Free flow: avançamos rumo ao tráfego livre nas concessões?” focou quais são as iniciativas públicas e privadas para a implementação desse sistema e os desafios que o acompanham.

Os moderadores da sessão foram Eduardo Hayden Carvalhaes Neto, sócio da Lefosse Advogados, e José Carlos Cassaniga, diretor-executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Os participantes convidados foram André Luis Freire, superintendente de infraestrutura rodoviária da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); Gabriel Fajardo, subsecretário de transportes e mobilidade do Estado de Minas Gerais; e Rodrigo Sarmento Barata, diretor de assuntos institucionais da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP). 
 
No início da sessão, Fajardo explicou como o governo do Estado de Minas Gerais tem se preparado para o próximo projeto-piloto que utilizará o sistema de free flow na modelagem. “Nós temos um projeto na carteira de Minas: o Rodoanel Metropolitano. Ele é totalmente greenfield, cobre 100 km e tem como premissa ser 100% free flow”, citou. 

O Rodoanel é uma via pensada desde 1980 que vem para suprir uma necessidade, visto que, atualmente, ocorrem muitos acidentes no Anel Viário de Belo Horizonte. A obra busca auxiliar o sistema de anéis metropolitanos e, por ser uma rodovia classe zero, de acesso rápido, o free flow é uma das suas premissas. “Não são previstas praças de pedágio, são 14 pontos de acesso, e a cobrança vai ocorrer com base na distância percorrida. A tarifa estipulada hoje é de R$ 0,35 por km, com um percentual de 20% de desconto se o for percorrido o trecho inteiro do rodoanel, de 100 km. Esse é o desenho do projeto em si”. 

Segundo Fajardo, o Governo do Estado de Minas Gerais levou em consideração a projeção de demandas não só com dados secundários, mas também com dados primários, coletados em campo. O objetivo foi trabalhar o impacto que a variação de demanda pode ter, e se optou por um sistema em que se trata do risco de receita do projeto. 

A iniciativa, que é 100% greenfield, traz ao usuário a oportunidade de se acostumar a uma nova cultura que carece de desenvolvimento. “Em relação aos demais projetos, os brownfield, nos quais existe uma maturidade de demanda, a previsão é de que as partes adotem o sistema como uma renegociação do contrato. No caso do Rodoanel, precisávamos ter um modelo já implementado para poder fazer uma rodovia classe zero na velocidade que é requerida em uma via de trânsito rápido”, concluiu o representante do Estado de Minas Gerais.
 
Do ponto de vista da regulação, existem questões de risco e de reequilíbrio que foram abordadas. O diretor de assuntos institucionais da ARTESP destacou alguns aprendizados do estado de São Paulo, dentre os quais estão as contribuições do Ponto a Ponto, de 2012, um projeto-piloto que pode ter representado a inauguração do free flow no Brasil. “O controle do free flow é mais complicado, pois é preciso analisar a grande diversidade de projetos no Brasil inteiro com a legislação do nosso lado”, afirmou. 

No litoral de SP, no trajeto da Praia Grande ao Peruíbe, a ARTESP está oferecendo uma solução operacional para qualificar as vias locais e permitir o trânsito de usuários municipais entre cidades sem o pagamento de pedágio. Nesse trecho específico, foi criado um sistema de free flow para as entradas. Por outro lado, o maior motivo de preocupação citado, devido à legislação, é incorporar o free flow ou alguma iniciativa similar nos contratos existentes, o que parece que pode ser mandatório. “Nós precisamos olhar para as ações da ARTESP e discutir como os estudos foram feitos lá atrás, porque os estudos de demanda devem ser diferentes daqueles já realizados”, finalizou.     

Por sua vez, Freire sinalizou o desafio de pôr em prática um mecanismo inovador enquanto um marco regulatório anterior é revisto. Hoje, por exemplo, o contrato da Dutra apresenta um modelo bastante flexível de free flow na região metropolitana de São Paulo. “Em paralelo, uma coisa que temos considerado bastante relevante em outros pontos da reforma regulatória que se propõem a ser inovadores é preferir primeiro colocar um piloto para ver como funciona e, depois, fazer uma regulamentação abstrata”, observou. “Devemos sair no ano que vem com um sandbox para selecionar um ou dois projetos além do da Dutra para dar liberdade, sair da regulação e testar modelos diferentes”.

De acordo com o representante da ANTT na discussão, uma rodovia que tem uma vocação evidente e sobre a qual tem havido conversas é a BR-290, a freeway, no Rio Grande do Sul. Também é uma classe zero, com quase nenhum acesso, de condições um pouco mais controladas. “No ano que vem, devemos abrir a oportunidade para que qualquer concessionária interessada apresente um projeto, que queira implementar o free flow nesse molde, com essas regras”, revelou. Como desafios, algumas variáveis no modelo tradicional de concessões talvez sejam revisitadas. 

Outro tema, ainda, é o risco tecnológico. Do ponto de vista privado, a tecnologia é abundante, e as concessionárias vão ser profissionais em erguer esse modelo. Porém, “há interconectividade dessa tecnologia privada com a do regulador, portanto, para nós absorvermos e interoperabilizarmos o free flow, vai ser bastante desafiador também”.  

Para Cassaniga, o debate proporciona uma oportunidade ampla de modificar a percepção do usuário quanto às experiências na rede pública. “A ABCR considera que é um projeto muito importante, e também estamos atentos aos pontos citados, aos desafios e às preocupações”, ressaltou. 

Conforme o diretor-executivo da ABCR, os elementos a serem superados não devem ser paralisantes; pelo contrário: eles devem motivar a aplicação da modernidade. “Nós entendemos que é uma evolução que vale a pena trilhar, mas esses cuidados precisam ser tomados na regulamentação”. Em resumo, o caminho seria viável, mas é imprescindível encontrar saídas e metodologias diferentes das que há hoje para tornar os projetos sustentáveis e aplicáveis. “A nossa percepção é que os usuários receberão bem o conceito”, concluiu.

Por Lucas Badaracco