Novo decreto moderniza exploração de portos e terminais privados

Norma flexibilizou regras de concessão, arrendamento e utilização a fim de atrair investimentos e ampliar segurança.

27 de julho de 2017Infraestrutura

O governo federal alterou recentemente a regulamentação da exploração de portos no País. O decreto nº 9.048, de 10 de maio de 2017, flexibilizou as regras de concessão, arrendamento e utilização a fim de atrair investimentos no sistema portuário brasileiro e dar mais segurança aos empreendimentos em andamento.

O texto substitui o decreto nº 8.033/2013, que regulamentava o disposto na Lei dos Portos (nº 12.815/2013). As novas regras, fruto de um amplo diálogo do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPAC) com a iniciativa privada, asseguram bases jurídicas para o setor trabalhar com mais previsibilidade e menos riscos, ao formalizar algumas situações que não eram reconhecidas pela legislação e desburocratizar outras, definindo trâmites mais racionais e céleres.

O decreto agora publicado diz respeito aos três tipos de regimes de exploração portuária: concessão de portos organizados, arrendamento de instalações de uso público e autorização de terminais de uso privado (TUPs). Entre as principais mudanças, estão a possibilidade de ampliar os contratos de arrendamentos vigentes mediante novos investimentos; a possibilidade de investimentos privados em áreas comuns dos portos organizados, fora da extensão do arrendamento; e a retirada da restrição à expansão dos TUPs acima do limite de 25% do espaço original.

“É, sem dúvida, um avanço significativo para o setor. O decreto traz mais flexibilidade, destrava investimentos e permite que os portos possam reagir mais rapidamente ao aumento da demanda e às transformações de mercado”, afirma Antonio Carlos Sepúlveda, presidente da Santos Brasil, empresa referência na operação de terminais de contêineres.

Para o MTPAC, “o decreto deve destravar os investimentos no curto prazo, principalmente daqueles que já operam nos portos”. O ministério aposta em projeções do próprio segmento, segundo as quais o novo marco legal teria potencial de estimular R$ 25 bilhões em novos aportes.

Pleitos do mercado

Fabrizio Pierdomenico, sócio da consultoria especializada Agência Porto, destaca que várias das novidades do decreto estavam sendo pleiteadas pelo mercado há bastante tempo. Diante disso, “o resultado não poderia ter sido melhor”, afirma.

A principal inovação, na visão dele, seria a ampliação dos prazos de concessão e arrendamento em até 20 anos. “Isso é mais do que suficiente para garantir um bom planejamento de médio e longo prazos e para viabilizar investimentos mais robustos com segurança jurídica”, defende.

Antonio Carlos também comemora a dilatação desse período por permitir às empresas amortizar os investimentos que considerarem necessários. “Significa que o capital privado brasileiro terá mais espaço para investir, podendo competir em pé de igualdade com outros países do mundo”, avalia.

“A situação começa a ser interessante porque dá um horizonte maior para a recuperação dos investimentos”, concorda o advogado Marcos de Campos Ludwig, sócio do Veirano Advogados.

Menos amarras

O decreto, de acordo com Antonio Passaro, diretor-presidente da Brasil Terminal Portuário (BTP), deve dar mais flexibilidade e rapidez aos projetos de expansão dos portos existentes, tirando algumas amarras que dificultam os aportes privados. “Ele permite o investimento, pelos operadores portuários, em melhorias de infraestrutura essenciais ao negócio. É uma relação ‘ganha-ganha’, pois dá segurança jurídica aos investidores ao mesmo tempo em que promove a criação de postos de trabalho, em prol do desenvolvimento do País”, justifica.

“Ampliações poderão ser realizadas sem prejuízo à segurança jurídica dos contratos, uma vez que o equilíbrio econômico-financeiro ficará preservado. Ganhará a sociedade através da geração de empregos e de serviços portuários de melhor qualidade”, assente Antonio Carlos, da Santos Brasil.

Agora, quem precisar aumentar o espaço de operação de um TUP, terá mais facilidade para fazê-lo. “Tudo o que puder contribuir para a desburocratização dá mais confiança ao investidor e possibilita que ele tenha a segurança de que os trâmites vão ocorrer num espaço curto de tempo”, lembra Fabrizio.

José Hagge Pereira, diretor da WPR, braço de infraestrutura da WTorre, igualmente celebra a novidade. “Ao retirar as restrições, permite-se que a iniciativa privada invista naquilo que ela identifica como importante.”

O Porto de São Luís, TUP construído pela WPR, é exemplo da relevância dessa flexibilização. Na sua primeira fase, o empreendimento prevê movimentar 7 milhões de toneladas de grãos e 1,5 milhão de toneladas de fertilizantes, além de granéis e cargas gerais. Na segunda etapa, deve dobrar essa capacidade e criar uma área para a movimentação de 1,5 milhão de toneladas em contêineres.

“Acredito que, por suas excelentes características geofísicas, a Baía de São Marcos possa se transformar no futuro em um novo horizonte portuário do País. Assim, navios de grande porte vindos da Ásia pelo Canal do Panamá não precisarão ir até Manaus, enfrentando dois ou três dias de rio. Eles podem parar em São Luís e transferir a carga para navios menores, que farão a cabotagem pela Amazônia e também pelo Nordeste. Além disso, nos conectamos à ferrovia Norte-Sul, que tem capacidade e necessidade de crescer”, aposta Hagge. Foi com base nesse raciocínio que a companhia desenhou e pretende implementar seu plano de investimentos escalonados.

Flexibilização

Para o advogado Marcos Ludwig, os investidores em novos TUPs foram atendidos com o alongamento do tempo para iniciar as operações, de três para cinco anos. “O prazo era curto porque o investidor tem de 'correr atrás' de licenças ambientais e outras exigências, o que, na prática, vinha obrigando a prorrogações”, diz.

A desobrigação de que seja apresentada garantia de concretização do projeto, exceto em caso de processo seletivo público (art. 32, § 4º), é considerada, na prática, outra das modificações mais importantes. “A Antaq exigia garantia de execução do empreendimento com fiança bancária, seguro-garantia ou algum outro instrumento. Essa dispensa vai aliviar a vida de muitos projetos”, afirma Marcos.

“Para uma empresa sólida, dar garantias do empreendimento não é exatamente uma dificuldade. Mas, sem sombra de dúvida, se o empreendedor tiver menos gastos acessórios no início, possuirá maior capacidade de investir no próprio projeto”, argumenta Hagge.

Antonio Passaro, da BTP, sustenta que, com toda essa flexibilização, todos se beneficiam. “Foi emblemático esse esforço conjunto da iniciativa privada e do poder público na busca de tornar os portos brasileiros mais eficientes. Esperamos que essa janela de oportunidade que foi aberta evolua com a conquista de outros pleitos.”

Apetite do investidor

A disposição para aportes privados no setor existe. Segundo Fabrizio, da Agência Porto, o decreto se centra nos pilares do negócio (segurança jurídica, tempo de amortização e rapidez na análise dos processos), o que permitirá ao investidor propor melhorias na gestão e operação portuária.

Ele ressalta ainda que o espaço para a iniciativa privada nesse segmento é garantido. Hoje, o empresariado tem a possibilidade legal de propor ao governo a construção de portos. “O Brasil já tem 100 TUPs, contra 35 portos públicos. Ou seja, não faltam instalações. O que falta é melhorar a gestão e a operação, torná-las mais eficientes e rápidas e menos custosas. O decreto vai ao encontro desses objetivos”, afirma.

De acordo com Fabrizio, a dúvida agora é sobre a capacidade do governo de cumprir o que propôs no próprio decreto. “Se ele se comprometeu a analisar em 30 dias a renovação do contrato para iniciar o investimento, tem de ser em 30 dias; o processo não pode ‘fazer aniversário’ dentro das gavetas da burocracia em Brasília”, adverte.

Para Hagge, da WPR, após a retirada de vários entraves via decreto, o desafio será minimizar as “complicadas e trabalhosas” interferências dos diferentes órgãos públicos responsáveis por analisar e aprovar os projetos da área. “No nosso caso, a Antaq [Agência Nacional de Transportes Aquaviários] sempre foi facilitadora. É onde tivemos menos problemas. Por isso, acho que ela poderia ter ascendência sobre outros órgãos para nos apoiar ao longo do processo em nome do interesse nacional”, diz.

Novas concessões

As expectativas do segmento, neste momento de mudanças legais, têm se voltado também a outra novidade: a perspectiva de uma onda de concessões, abrangendo as Companhias Docas. O governo anunciou recentemente que já começou a pensar a privatização da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). O esforço é para que o processo seja concluído até o fim de 2018. Para isso, um estudo sobre a modelagem a ser adotada foi encomendado.

O pontapé inicial prevê a concessão da administração dos dois portos administrados pela Codesa (Vitória e Barra do Riacho). “A companhia será a primeira em virtude das suas características que, em nossa análise, facilitam a criação desse modelo voltado a buscar uma gestão profissional e empresarial para o negócio”, explica Dino Antunes Batista, secretário de Fomento para Ações de Transportes do MTPAC.

A escolha da Codesa tem como fundamento sua boa situação financeira, algo relativamente raro no atual universo das Docas – há quem diga que muitas dessas empresas já não sejam mais administráveis dado o tamanho dos passivos que carregam.

O secretário conta que qualquer padrão de concessão praticado no mundo pode vir a ser selecionado. “Nós e a secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) vamos estruturar, junto ao BNDES, o modelo adequado e que melhor se adapte à realidade dos portos brasileiros”, garante.

“Se o governo conseguir definir uma modelagem atraente e os editais forem bem elaborados, pode ser criado espaço para uma era mais promissora”, pondera o advogado Marcos Ludwig.

Questionamentos

David Goldberg, sócio da consultoria TerraFirma, alerta que, quando se trata de portos, o mecanismo de privatização ainda é pouco difundido no mundo. “Estamos falando de uma instituição que cuida de interesses muito difusos; a cada operador de terminal importam certas coisas, mas nenhum tem a capacidade de sustentar todo o resto. Consequentemente, há que se ter uma coordenação dos interesses de muita gente, e só o poder público é capaz de fazer isso”, justifica.

Ele avalia que, embora as instituições públicas tenham dificuldades típicas, como gestão pouco eficiente, folha salarial inchada e falta de recursos para investimentos, “a tentativa de conceder as Docas para a iniciativa privada é relativamente audaciosa porque não se sabe muito bem qual o seu nível de atratividade”.

“Tenho sérias dúvidas em relação à viabilidade de privatização das Docas”, aquiesce Fabrizio Pierdomenico. “Não vejo disposição do setor privado em investir na privatização delas, uma vez que nem todas têm o mesmo tamanho e não está claro como seria a remuneração para o concessionário. A operação portuária, que é o filé mignon que pode trazer retorno ao investidor, já está nas mãos da iniciativa privada.”

David compara o modelo tradicional de funcionamento de portos públicos no Brasil ao de um shopping center. “Há a autoridade portuária ([a Companhia Docas], que cuida da infraestrutura e recolhe tarifas sobre os serviços de zeladoria, e os terminais portuários, os chamados arrendamentos, que seriam as lojas – já operadas pelas empresas privadas”, comenta.

Em geral, são dois os padrões básicos de concessão de portos: a concessão cheia, na qual o ente público transfere tudo para o privado (o 'shopping' e as suas 'lojas'), e a concessão da administração, na qual o vencedor não opera os terminais, restringindo-se a administrar o porto, em substituição à Docas no que faz hoje.

O primeiro modelo atrai o operador que opera bem e gera mais valor, e seria especialmente interessante em portos novos, que precisam de mais investimentos. Por outro lado, quando já há muitos contratos de arrendamento em um porto existente, a privatização da administração faria mais sentido – nesse caso, o concessionário investiria na infraestrutura do porto com o valor recolhido a título de tarifa.