Nova Lei de Licitações traz avanços, mas não reduz nível de interferência

Unificação de entendimentos, contratação integrada e mediação de conflitos estão entre os destaques positivos

18 de março de 2021Infraestrutura
 Aprovado em dezembro no Senado, o Projeto de Lei 4.253/2020, que dispõe sobre a nova Lei de Licitações, recebeu ajustes redacionais em 135 dispositivos e agora pode ser encaminhado para sanção do presidente Jair Bolsonaro. A expectativa é de que não haja vetos ao texto, até porque ele não gera aumento de despesa para a administração pública. 

Uma das principais críticas à legislação vigente até o momento (Lei Federal 8.666/1993), o excesso de burocracia nos processos de contratação deve ser amenizado - embora não totalmente combatido -, permitindo que todas as empresas públicas sigam as mesmas regras nas licitações. 

“[A Lei Federal 8.666/1993] é muito criticada por ser extremamente burocrática. Não é por acaso que uma série de exceções ao seu uso foram criadas. Estatais como Petrobras e Eletrobras, por exemplo, não a utilizam para que mantenham competitividade no mercado, pois não conseguiriam fazer as contratações na velocidade necessária”, afirma José Augusto de Castro, sócio do TozziniFreire Advogados. 

Organizações sociais também usam um regulamento diferente para efetuar compras, embora os recursos sejam públicos. Para as obras e aquisições de equipamentos e serviços relacionados à Copa do Mundo e às Olimpíadas realizadas no Brasil, foi criado o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), novamente para evitar os entraves impostos pela Lei de Licitações. Mais tarde, foi criada a Lei do Pregão. 

“Hoje, muita coisa é contratada fora da Lei 8.666. Uma das principais vantagens da nova Lei de Licitações é agrupar esses diversos estatutos, revogando a Lei do Pregão e o RDC. Mais do que isso, ela unifica entendimentos e evita que haja várias interpretações para a legislação oriundas de tribunais de contas, tribunais de justiça, do STJ e do STF, como ocorre atualmente”, salienta Castro.

Outro ponto relevante, segundo o especialista, é a criação de algumas novas formas de contratação, a principal delas o diálogo competitivo, que possibilita a participação do setor privado na elaboração do projeto básico. A novidade reduz as chances de haver contratações mal feitas por desconhecimento técnico do ente público, um fato até certo ponto comum e oneroso.

A nova legislação permite que a administração pública realize a contratação integrada, isto é, que unifique no mesmo contrato o projeto básico, o projeto executivo e a realização da obra. “A Lei 8.666 não permitia isso; o projeto básico tinha que ser feito pela própria administração pública e só depois era feita a licitação visando a execução da obra”, explica o sócio do TozziniFreire. 

Alguns conceitos da Lei do Pregão também foram incorporados, como a análise da documentação somente após a leitura das propostas. Assim, é necessário avaliar apenas a empresa ganhadora da licitação; caso os documentos não estejam de acordo, convoca-se a segunda colocada. 

Outra prática bem-sucedida implementada na nova legislação é o ganho variável conforme o desempenho do serviço contratado, já utilizado em PPPs e concessões. No lugar de um contrato com valor fechado, a remuneração pode aumentar de acordo com os resultados obtidos, mecanismo que privilegia o fiel cumprimento dos objetivos de determinada obra ou serviço. 

Para André Dabus, diretor de Infraestrutura da Marsh Brasil, um dos elementos de maior relevância da nova legislação é a inserção de mecanismos alternativos para avaliação e resolução de conflitos. “O Judiciário é lento e muitas vezes o segurador só fica sabendo da inadimplência do contrato no momento em que houve a notificação da ruptura; com essa nova possibilidade, não só o contratado, como também o contratante público e o segurador, poderão saber se aquele contrato vai bem ou mal”, afirma. 

Em relação aos seguros, a principal novidade é que o contratante pode exigir como garantia do fiel cumprimento das obrigações uma apólice com cláusula de retomada da execução, além de percentual equivalente a até 30% do valor inicial para obras de grande vulto, definidas como aquelas acima de R$ 200 milhões. 

Segundo Dabus, as seguradoras ainda avaliam como devem se preparar para fazer frente a essa nova exigência do valor das garantias e até o momento há opiniões divergentes: “A primeira delas é que essa mudança, se vista de forma isolada, pode ampliar a exposição. Mas avaliando os aspectos positivos que estão ali inseridos, fica claro que melhorou muito a situação dos seguradores porque agora há novos elementos que o auxiliam - e que não existiam na legislação anterior”. 

Além do já mencionado mecanismo alternativo para resolução de conflitos, o executivo também cita a definição das matrizes de riscos das contratações públicas, a certificação de projetos nas contratações integradas e a possibilidade de introdução de outras modalidades de seguros, como seguro de engenharia ou responsabilidade civil.

Pontos de atenção

De acordo com o advogado José Augusto de Castro, a interferência de órgãos de fiscalização e controle nas contratações permanece em níveis considerados excessivos. Uma das inovações da lei, o diálogo competitivo precisa ser aprovado pelo Tribunal de Contas, o que foi muito mal recebido pelo mercado. 

“De fato, isso é uma interferência que me parece indevida e exagerada em um processo que é da própria administração pública. Isso pode atrapalhar a implementação desse modelo, que é bem produtivo”, afirma.

Outro ponto de alerta é que o Projeto de Lei 4.253/2020 não reduz muitas das burocracias inerentes ao processo licitatório, como todas as consultas a órgãos externos, emissão de diversos pareceres e realização de audiências públicas, mais um fator que pode atrapalhar investimentos na infraestrutura. 

Por outro lado, a licitação será dispensável para compras de até R$ 50 mil e contratações de obras e serviços de até R$ 100 mil, elevando sobremaneira o teto que até então era de R$ 15 mil, um ganho na visão do mercado. 

Para André Dabus, da Marsh, um revés da nova legislação foi não ter debatido a obrigatoriedade do estabelecimento de garantias para os contratos públicos acima de determinado valor; porém, dada a possibilidade de questionamentos de órgãos de controle e da própria população, o executivo indica que a não exigência de seguros não terá o impacto imaginado inicialmente. 

Já um ponto que desperta preocupação nas seguradoras é a forma como elas devem assumir os contratos para executá-los. “Da forma como foi redigida a nova lei, o percentual de 30% indica que, em um determinado contrato, o sobrecusto para a retomada da obra poderá ser superior ao valor da garantia”. 

Segundo Dabus, “se o administrador público optou por estabelecer para determinada obra um percentual de garantia de 10% e para fazer a retomada dela o segurador teria um sobrecusto de 20%, vai acontecer o mesmo efeito do passado, ou seja, o segurador vai pagar a indenização dos 10% e não vai conseguir retomar a obra porque não haverá valor suficiente para isso”.

A dúvida decorrente dessa nova proposição, portanto, é se o contratante, ao analisar a matriz de riscos, terá consciência de estabelecer o percentual necessário para permitir o eventual step in da seguradora. 

Adaptações

Todos os entes públicos e também as empresas da iniciativa privada terão dois anos para se adaptar às novidades trazidas pelo Projeto de Lei 4.253/2020. Neste período, os departamentos jurídicos terão que conhecer com propriedade ambas as legislações, aponta Castro. “É uma fonte de confusão”, define o sócio do TozziniFreire.

Para as contratadas, outro ponto importante é a necessidade de entregar os projetos básicos a fim de participar das licitações, algo que até então não ocorria, exceto pelo Regime Diferenciado de Contratação. Por fim, as empresas vão ter que aprender a trabalhar com os comitês de resolução de disputas.

A nova Lei de Licitações foi pauta de uma reunião virtual entre players da infraestrutura e o relator do projeto no Senado, Antonio Anastasia. Confira os principais pontos do debate neste relatório.

Por Henrique Cisman