Ministro revela estratégia por trás do fundo Brasil-China

Dyogo Oliveira detalha como o novo mecanismo, que tem aporte previsto em US$ 20 bilhões, vai funcionar.

17 de outubro de 2017Infraestrutura

No final do primeiro semestre, foi lançado o Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva. O mecanismo, estabelecido entre o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e o Clai Fund (fundo chinês para investimento na América Latina), destina-se a classificar projetos considerados prioritários pelo governo brasileiro – notadamente em infraestrutura – e que facilitem a colaboração industrial entre ambos os países.

O fundo bilateral, com aporte previsto em US$ 20 bilhões, foi tema de recente club meeting do GRI Club Infra, com a participação do ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. O ministro conversou com o GRI  sobre essa e outras novidades e esclareceu dúvidas endereçadas pelos membros do clube. Acompanhe as principais questões:

GRI Magazine: Como surgiu a ideia de criar o Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva?

Dyogo Oliveira: Temos um grande desafio nas contas públicas que envolve ajustar a despesa. O governo federal gasta 57% do seu orçamento com Previdência e, de um ano para outro, esse desembolso subiu quase R$ 50 bilhões, o equivalente a duas vezes o investimento, considerando que o PAC remonta a R$ 26 bilhões. Há, portanto, algo muito errado nas nossas contas: estamos colocando dinheiro para pagar aposentados e não para investir. Daí decorre grande parte dos problemas de infraestrutura do País. Precisamos inverter esse quadro. Claro que não vamos conseguir fazer isso no curto prazo. Vai levar um tempo para os ajustes ocorrerem e produzirem resultado; por isso, temos adotado a estratégia de ampliar as parcerias com o setor privado para desenvolver a infraestrutura. É nesse contexto que inserimos o fundo Brasil-China. Acreditamos que vai haver recuperação econômica nos próximos anos, que isso vai pressionar nossa infraestrutura ainda mais e que temos um ajuste fiscal em curso que tira do governo a capacidade de realizar investimentos diretamente. Portanto, é essencial aumentar a participação privada, não só na operação da infraestrutura, como também no seu financiamento.

Por que a opção, neste momento, por um fundo de cooperação bilateral para classificar projetos em vez de um fundo de investimento?

Pela flexibilidade do ponto de vista de possibilidades de aporte de recursos nos projetos. Se criássemos um fundo fechado, ele teria todas as limitações da sua natureza. Já a opção por um fundo de cooperação nos permite constituir fundos de diferentes tipos para participar dos projetos conforme o caso. Funciona como um guarda-chuva. Embaixo dele, provavelmente vamos ter um FIP [fundo de investimento em participações], um FI [fundo de investimento], um FDIC [fundo de investimento em direitos creditórios], sempre de acordo com a necessidade. Se não houver necessidade de um FDIC, por exemplo, não fazemos.

Na prática, de que maneira o fundo vai operar?

O fundo em si é um mecanismo de articulação de projeto e de fontes de financiamento. O Clai Fund, criado pelo gestor das reservas da China para investimento na América Latina, tem uma operação própria, separada, e coloca um percentual do seu funding para aplicação no Brasil. É evidente que a intenção do Clai Fund é fazer uso desse mecanismo para apoiar empresas chinesas aqui no Brasil. Entretanto, não há nenhuma restrição – o que o governo brasileiro jamais aceitaria – à participação isolada ou em conjunto das companhias brasileiras. Qualquer empresa situada no Brasil pode tomar parte desse mecanismo. Ele funcionará através de um processo de seleção de projetos que, uma vez priorizados, serão encaminhados às fontes de financiamento conforme o interesse dos proponentes e a disponibilidade de recursos. Há uma regra de participação no conjunto dos projetos de um quarto dos recursos vindo de fontes nacionais e três quartos, do Clai Fund. Todavia, essa norma não se aplica a cada projeto individualmente, podendo ser feita uma composição diferenciada de fontes.

Que vantagens efetivamente esse fundo pode proporcionar para o desenvolvimento da infraestrutura brasileira?

Há a possibilidade de projetos de diversos campos, mas vamos priorizar os de infraestrutura. Sabemos que os chineses têm interesse em algumas outras áreas, principalmente tecnologia e agricultura. Contudo, tudo isso será objeto de avaliação pelo comitê diretivo do fundo e haverá uma espécie de processo seletivo. Os critérios de classificação ainda não estão completamente definidos. Do nosso lado, a prioridade são os projetos enquadrados no Programa de Parcerias de Investimentos e os projetos de infraestrutura que já estejam em estágio mais avançado de maturação.

As condições de financiamento aos projetos priorizados vão ser diferenciadas?

É importante mencionar que o financiamento pode ser feito em reais. Os chineses estão aceitando assumir o risco cambial. Evidentemente, isso tem um custo de hedge que vai se refletir nas taxas. As condições de financiamento para cada projeto vão depender do seu enquadramento nas instituições financiadoras, o que significa que, se for um projeto de energia, vai ter uma participação do BNDES de acordo com as premissas que o banco já oferece a esse segmento, sem nenhum tratamento especial. O Clai Fund ainda não estabeleceu as taxas para os recursos que aportará; porém, pelo que temos conversado, deve acompanhar as aplicadas pelo parceiro local, sem subsídio adicional. Em termos de custos, esses recursos tendem a ficar próximos aos que vigoram no mercado local. A vantagem é que vai haver provavelmente prazos mais longos e, no caso de projetos que possam ter exposição em moeda estrangeira, uma fonte facilitada. Outro ganho importante é o processo de supervisão e promoção que será feito pelos governos do Brasil e da China.

O financiamento vai estar disponível para compra de ativos ou só para greenfield?

Não estamos prevendo participação em mercado secundário.

Na sua percepção, qual o nível interesse das instituições financeiras brasileiras por fazer aportes no fundo de cooperação?

O fundo se encontra em fase de início de operação. Os recursos já estão convencionados do lado chinês e do brasileiro. Da nossa parte, os principais parceiros serão o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Quisemos garantir que os bancos públicos participassem e que houvesse a disponibilização dos recursos necessários, mas a composição do funding geral do projeto pode prever também fontes de terceiros.

Percebe abertura de bancos privados nacionais para investir nos projetos que venham a ser selecionados pelo fundo?

Temo que vamos ter uma concentração inicialmente em BNDES, Caixa e Banco do Brasil, até porque tenho sentido muito pouco apetite dos bancos privados por financiar greenfield de infraestrutura no longo prazo. Eles vêm participando junto conosco da exploração; no entanto, percebo que querem uma posição de mais curto prazo. Um ponto em que creio que o setor privado vai ter presença relevante é a emissão de debêntures pós-completion.

Existe uma estimativa de prazo para que os US$ 20 bilhões do fundo sejam consumidos?

Esse é o valor que está comprometido e que poderia ser complementado conforme as necessidades de desembolsos dos projetos aprovados. A China apresenta diversas outras oportunidades de funding e o Clai Fund coloca a possibilidade de ampliação dos valores à proporção que tivermos a apresentação de projetos interessantes e viáveis. Do lado brasileiro, esses volumes não são nada espantosos. São até baixos. Acredito que não levará muito tempo para essa primeira tranche de recursos ser consumida, uma vez que nossas demandas de infraestrutura se mostram bastante superiores a esse valor. A questão aqui é mais de fazermos essa colocação inicial para que o mecanismo ganhe velocidade e confiabilidade dos parceiros. O fundo foi criado até para fortalecer a relação com os chineses, gerando comprometimento para avançar.

O fundo, então, tem sido encarado em boa parte como uma estratégia de aproximação com a China?

Nossa expectativa é de que, através desse mecanismo, passemos a ter pelo menos um conhecimento mais detalhado da movimentação e do interesse dos chineses para conosco e vice-versa. Sabemos que a presença dos chineses no Brasil é hoje muito forte em energia, mas noto um posicionamento ainda tímido no que concerne a projetos greenfield. Creio que, na hora em que compreenderem que nossa estrutura legal, de capital e governamental é extremamente flexível para a participação estrangeira, vão se sentir mais confiantes e promover uma enxurrada de investimento no País. É evidente que o Brasil é atualmente uma das melhores soluções para qualquer investidor internacional, até pela falta de alternativas.

Em julho, o governo prometeu R$ 11,7 bilhões em linhas de crédito para obras de infraestrutura em municípios abrangendo saneamento, mobilidade urbana, iluminação e gestão de resíduos sólidos. Como se dará a liberação desse valor e com que velocidade?

Há várias linhas ali e algumas já estão disponíveis – por exemplo, a parte de recursos do FGTS para saneamento e mobilidade, que vem de linhas tradicionais que a Caixa opera. Por outro lado, os recursos para Parcerias Público-Privadas vão ter ainda certo percurso porque primeiro vamos fazer todo o trabalho de capacitação das prefeituras e desenvolvimento dos projetos para só depois se iniciar o financiamento à construção propriamente dita. Nesses casos, nossa intenção é começar a financiar até o final do ano. Estamos otimistas, em particular, com os projetos de iluminação pública, mais fáceis de estruturar. Na sequência, virão outros setores também.

Na ocasião da divulgação dessa novidade, o sr. anunciou que o governo planeja mudanças na legislação que rege as concessões públicas para que a implementação de projetos municipais se torne mais simples. Que tipo de alterações podemos esperar e em que prazo?

Isso ainda está em estudo. Temos feito consultas com empresas privadas e as próprias prefeituras. Ainda não concluímos esse trabalho, mas, basicamente, estamos falando de ajustes nos procedimentos de concessão e construção de parcerias para que se tornem mais ágeis. O problema é que hoje há uma demora muito grande entre o início de um estudo e a realização do projeto. Em rodovias, por exemplo, levam-se três a quatro anos para começar a obra. É preciso acelerar.

Que outras estratégias o ministério está traçando com vistas a aumentar a participação da iniciativa privada no desenvolvimento da infraestrutura nacional?

Estamos criando um programa de concessão que estabelece manutenção e ampliação de rodovias de modo a melhorar o tráfego. Trata-se de um sistema mais simples do que as concessões tradicionais, que preveem duplicação. Pensamos num programa bem abrangente para levar, inicialmente, pelo menos 4 mil km também para participação privada.

Como tem acompanhado as discussões e polêmicas em torno da nova Taxa de Longo Prazo (TLP), que deve substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nos empréstimos do BNDES?

É preciso compreender a questão da TLP dentro do contexto em que estamos. Aquela configuração que permitia a existência da TJLP e que o BNDES atendesse a toda a economia brasileira não existe mais, e não é de hoje. À medida que houver retomada da economia e os investimentos forem reiniciados, vai ocorrer uma demanda sobre o BNDES que ele não tem como suprir nas condições atuais. A TLP é um instrumento que possibilitará ao banco atender à demanda no novo cenário porque, como uma taxa de mercado, pode ser securitizada. O BNDES poderá conceder um financiamento em TLP e repassá-lo ao mercado assim que estiver estruturado, performando. Isso cria um mecanismo de retroalimentação. O banco, no futuro, terá um papel de estruturador de projetos, desenvolvimento de expertise e capacidade técnica, e menos de provedor de dinheiro subsidiado. Isso não é tão problemático, pois as taxas gerais estarão mais baixas. Essa é a saída que estamos propondo para manter o BNDES participando da estruturação financeira dos projetos e para estimular a presença do setor privado nessa parte, não só na operação.

Vamos ver mudanças significativas no BNDES por conta da troca de comando, de Maria Silvia Bastos Marques para Paulo Rabello de Castro?

Não. A mudança de comando no BNDES mantém as características principais da gestão anterior. O próprio banco, pelo seu tamanho e pela sua força interna e institucional, garante um caminho suave.

Principais características do Fundo Brasil-China

  • Combina fontes de recursos com alocação por projeto;
  • Abrange diversos setores da economia, com destaque para infraestrutura e logística;
  • Prevê que a carteira de projetos a ser classificada receba aporte de até US$ 20 bilhões, sendo US$ 15 bilhões do Clai Fund e US$ 5 bilhões de financiadores brasileiros;
  • Considera um mix de financiamento e equity;
  • Pressupõe que o financiamento do Clai Fund poderá ser feito em reais;
  • Considera que caberá aos financiadores brasileiros e ao Clai Fund analisar a viabilidade econômico-financeira dos projetos classificados e decidir sobre o financiamento ou investimento.