Latino-americanos comprovam interesse chinês in loco

Marco de Carvalho (Barclays) e Guilherme Esmanhoto (ALG) compartilham experiência de reuniões e diálogos com chineses.

29 de agosto de 2019Infraestrutura
A percepção chinesa mais reticente em relação ao Brasil e de necessidade de cautela diante da mudança de governo, observada no período eleitoral de 2018 e logo após o anúncio da vitória de Jair Bolsonaro, parece ter ficado para trás. Essa é uma das impressões registradas por participantes que acabam de retornar da GRI China-Latam Week 2019, semana de visitas técnicas e reuniões estratégicas realizadas pelo GRI Club Infra em Pequim e Xangai, entre os dias 7 e 9 de agosto

"Passados estes primeiros oito meses do País com uma liderança [política] nova, não percebi nenhum questionamento [por parte dos players chineses]. Vejo que interesse continua e vai continuar existindo", opina Marco de Carvalho, CEO do Barclays Investment Bank no Brasil e responsável pela área de Advisory do banco para América Latina. 

"Na edição [do evento do GRI Club] de 2018, estávamos prestes a passar por uma mudança política e os chineses tinham curiosidade de entender como o País se comportaria a partir de 1 de janeiro de 2019. Isso fez com que muitas das considerações e questões fossem relacionadas ao governo. Neste ano, não percebi ansiedade similar", aponta ele. 

Para Guilherme Esmanhoto, head da consultoria ALG para a América do Sul, que também integrou a delegação do GRI Club Infra, os chineses veem hoje na América Latina, sobretudo, a possibilidade de exportar sua expertise em infraestrutura. "Nos últimos anos, a China construiu grandes portos, aeroportos, ferrovias, transportes de alta velocidade, rodovias, viadutos, barragens, sistema elétrico, usinas, parques de energia renovável etc. Portanto, possui grande know-how e capacidade de produção. Agora, com a economia chinesa arrefecendo, toda essa tecnologia, esse conhecimento e a capacidade produtiva passam a ser ativos para exportação." 

Nova Rota da Seda

Ainda nesse contexto, a Belt & Road Initiative (BRI) – traduzida como Iniciativa Cinturão e Rota – ganha um status relevante no plano chinês para se manter entre as potências mundiais. "A BRI é uma plataforma [criada] para que as empresas chinesas possam desenvolver seus negócios em outros países. Iniciada com a Rota da Seda [estratégia que ligaria o Oriente à Europa], hoje prevê acordos com diversas nações, de outras geografias, que permitem que players chineses desenvolvam a infraestrutura internacionalmente", continua Esmanhoto. 

Proposta pelo presidente Xi Jinping e anunciada em 2013, a iniciativa envolve o desenvolvimento da infraestrutura em diversos países dos continentes asiático, africano, americano e europeu. Especificamente para a América Latina, onde Bolívia e Chile já participam da BRI, Esmanhoto vê potencial de expansão da proposta, visto que a região – que já possui um bom relacionamento comercial com a China – tem uma grande carência no setor de infraestrutura. 

No Brasil, existe a expectativa de que o presidente Jair Bolsonaro, que abandonou uma postura percebida como anti-China após a vitória nas urnas, sinalize em breve a adesão ao programa. Espera-se que o mandatário brasileiro visite Pequim em outubro; contudo, ele já cancelou uma viagem anunciada anteriormente. 

Possibilidade de diálogo

Integrada ao GRI China-Latam Infrastructure Summit & Week – evento composto também por uma conferência que, neste ano, ocorreu nos dias 5 e 6 de agosto –, a semana imersiva, que possibilita aos participantes ver de perto inovações e avanços do setor de infraestrutura de importantes companhias chinesas, é realizada pelo GRI Club Infra desde 2018. 

"Eu tinha duas grandes expectativas quanto à viagem e ambas foram cumpridas. A primeira era ter a oportunidade de diálogo com entidades públicas e privadas chinesas; a segunda, ter a chance de ouvir a percepção dos chineses em relação à América Latina, em especial ao Brasil, e entender suas perspectivas", diz Marco de Carvalho

Guilherme Esmanhoto também ressalta a importância de estar frente a frente com potenciais parceiros de negócios. "Conhecer pessoalmente é muito importante, tanto para a cultura latina como para a chinesa, ambas ainda apoiadas no trato pessoal. Portanto, essa confiança do contato [real] com a pessoa com que estamos lidando é fundamental."

Inovações tecnológicas

Para Esmanhoto, outro ponto positivo da GRI China-Latam Infra Week foi proporcionar ver de perto a mudança no comportamento chinês, que, de 'copiador' de outros mercados tem passado a um protagonista na área da tecnologia. 

"Foi muito interessante vivenciar essa experiência, poder conversar com empresas chinesas e perceber que hoje a China já não copia mais, mas está à frente do desenvolvimento tecnológico em muitas searas. Ficou muito claro esse posicionamento forte, de uma nação que está preparada não só para exportar tecnologia, como também capital", observa. 

Em artigo intitulado 'Made in China 2025 e Industrie 4.0: a difícil transição chinesa do catching up à economia puxada pela inovação', os pesquisadores Glauco Arbix, Zil Miranda, Demétrio Cirne de Toledo e Eduardo de Senzi Zancul abordam o momento dessa virada. Embora o país oriental investisse em estágio de criação e fortalecimento de pesquisas desde os anos 1980, foi a partir da década seguinte, especialmente em 2000, que o governo passou a se dedicar com mais vigor à tecnologia e à inovação como meios de impulsionar o crescimento econômico. 

"A partir desse período, o governo definiu diretrizes, priorizou segmentos estratégicos e estabeleceu metas para transformar a China na maior potência tecnológica global na segunda metade do século XXI. Trata-se de uma estratégia de longo prazo, com o objetivo de mudar radicalmente a situação do país em um intervalo de cinquenta anos", dizem os autores. 

Nesse âmbito, para o executivo da ALG, um dos destaques da programação organizada na China pelo GRI Club foi a visita ao Centro de Pesquisa & Desenvolvimento da Huawei, em Pequim. "É uma empresa relativamente nova, mas que, ao mesmo tempo, é uma grande potência, com quase 200 mil funcionários e cerca de 45% da força de trabalho dedicados à pesquisa e ao desenvolvimento. Foi impressionante ver o investimento [em P&D] e os resultados, que se traduzem em uma alta capacidade tecnológica."

Esmanhoto pôde ainda notar que o grupo participante da missão – que incluiu especialistas de empresas do setor de infraestrutura, escritórios de advocacia e consultorias – manteve um olhar atento à indústria asiática. "Estávamos todos muito focados em observar esse mercado, seus avanços e em realizar contatos com empresas chinesas interessadas em investimentos" na região, relembra. 

Outros destaques da programação

No primeiro dia da semana na China, 7 de agosto, foi realizada uma reunião com os parceiros do China-Latam Think Tank no DeHeng Law Offices, para dialogar sobre temas como o potencial do setor de energia brasileiro, seguida pela visita ao centro da Huawei, ambos localizados em Pequim. 

Na sequência, a comitiva partiu para Xangai, onde, no dia seguinte, visitou o New Development Bank, mais conhecido como o banco dos BRICs, e a sede global do grupo de private equity Fosun. 

"Visitas como a realizada ao New Development Bank foram produtivas, pois constituíram momentos interessantes para ouvir os principais objetivos dessas instituições, identificando oportunidades de negócios e de desenvolvimento do setor de infraestrutura na região e, a partir daí, [podermos] estabelecer uma linha de diálogo para contatos futuros", contextualiza Marco de Carvalho, do Barclays. 

Na sexta-feira, 9 de agosto, a missão terminou com visitas a duas fábricas da BYD, fabricante chinesa especializada em energia limpa. Inicialmente incluída na programação, a ida ao Yangshan Deepwater Port foi cancelada devido ao tufão Lekima, que passou pelo país na ocasião. 

 

GRI China-Latam Infra Summit & Week

GRI China-Latam Infra Summit & Week

O GRI China-Latam Infra Summit & Week 2020 já tem data marcada. A conferência e a semana de visitas técnicas e reuniões, desta vez passando por Pequim e Shenzhen, ocorrem entre os dias 03 e 07 de agosto do próximo ano. Para informações e como participar, acesse o site do evento.