ISO 37001 pretende frear práticas corruptivas

Recém-lançada, norma de Sistema de Gestão Antissuborno é importante avanço em compliance.

23 de outubro de 2017Infraestrutura

A corrupção como um todo e o suborno em particular têm figurado entre as grandes preocupações globais, a ponto de mobilizar agentes do mundo todo em torno da criação da norma ISO 37001 – Sistema de Gestão Antissuborno.

O objetivo da nova ISO é apoiar as organizações no combate à prática do suborno por meio de uma cultura de integridade, transparência e conformidade com as leis e regulamentações aplicáveis. Para isso, cria requisitos – políticas, procedimentos e controles – pautados em padrões internacionais a serem seguidos por qualquer tipo de empresa, independentemente do tamanho e da natureza de sua atuação.

Uma das vantagens da certificação é minar a prática das autodeclarações de idoneidade, uma forma não-verificável – e nada transparente – de players se manterem no jogo competitivo.

“Para que se tenha uma adequada relação entre projetos de infraestrutura e investidores de longo prazo, é preciso mitigar riscos. As questões de corrupção e aliciamento são uma preocupação clara. Não pode haver práticas absurdas para conseguir melhores negócios”, alerta Carlos Massaru Takahashi, o Cacá, sócio e CEO da gestora Monte Equity Partners.

Entre os aspectos que a ISO 37001 abrange, estão o mapeamento de riscos, o comprometimento da alta administração e o treinamento dos colaboradores das organizações. “Teremos de ver como a certificação se desenvolve ao longo do tempo. Espera-se que as iniciativas se traduzam em possibilidade de mensuração de retorno sobre o investimento a partir dessa perspectiva”, comenta ele.

Disseminação e efetividade

Para Cacá, o combate à corrupção se trata de um assunto de cidadania, e não é mais permitido às companhias aceitar atos ilícitos. No caso das já envolvidas em corrupção, a aplicação da ISO é um reconhecimento de suas mazelas, ao mesmo tempo em que enviam ao mercado um sinal de determinação para enfrentá-las. “É indiscutível a importância da norma”, diz.

Marcos Eduardo Ganut, managing director da Alvarez & Marsal, concorda e vai além. Na visão dele, a nova norma, de tão relevante, tende a ganhar espaço ao ponto de se tornar comum e presente como a ISO 9001, centrada em gestão de qualidade. “Será um selo importante. Quem não tiver a certificação vai perder mercado”, prevê.

De fato, a ISO 37001 se apresenta como um novo nicho de atuação de consultores. Muitos vêm migrando para a área de compliance, atraídos pela notoriedade que ganhou nos últimos anos. De início, eles foram estabelecendo programas próprios, o que acabou deixando o mercado sem parâmetro.

Carlos Ayres, sócio do Maeda Ayres & Sarubbi Advogados e representante do Brasil no comitê internacional que elaborou a ISO 37001, previne sobre a falta de know-how de muitos consultores nesse assunto. “É importante que as empresas questionem esses profissionais sobre suas experiências com compliance”, adverte.

Jefferson Carvalho, gerente de Desenvolvimento de Negócios do Rina Brasil, que auxilia companhias no processo de certificação de acordo com a ISO 37001, entende que a norma permite identificar globalmente a efetividade dos programas antissuborno, assegurando maior dinamismo aos negócios, aumento da confiança e redução de riscos e custos.

De acordo com Ayres, a ISO 37001 tem um papel relevante em especial para pequenas e médias empresas que precisem se diferenciar entre as concorrentes. “Para as grandes, a norma talvez burocratize o programa de compliance”, pontua. E lembra: “Uma vez implantada, é um caminho sem volta”.

Primeiras adesões

O mercado já começa a aderir à ISO 37001. No Brasil, a primeira empresa do setor de infraestrutura a se certificar foi a Construtora Queiroz Galvão. Lá fora, ENI (Itália), Alston (França) e Bosch (Emirados Árabes) estão entre as pioneiras na obtenção do selo.

“Não acho que a ISO seja uma blindagem e sim mais um elemento que aponta que a companhia está no caminho certo”, afirma Carlos Ayres.

“A certificação é uma chancela”, concorda Petrônio Braz Junior, diretor presidente da Construtora Queiroz Galvão, que concluiu o processo de reconhecimento em maio.

Petrônio conta que em 2014, bem antes do surgimento da ISO 37001, o trabalho de transformação interna se iniciou e abriu espaço para a criação de uma Diretoria de Compliance na organização. “Não adiantava apresentar as melhorias ao mercado se não tivéssemos certeza de que essa é nossa cultura”, considera.

Ele destaca que, quando a certificadora foi checar os métodos antissuborno, constatou que já estavam enraizados. “A certificação permite a um terceiro auditar e validar o trabalho. Isso é muito forte."

Outra iniciativa da construtora foi contratar a consultoria Deloitte para administrar um canal de denúncias. “Isso dá muita consistência às nossas ações”, completa.

Depois da lição de casa, a Queiroz Galvão começou também a apoiar um projeto-piloto de treinamento em compliance.

Aperfeiçoamento continuado

As diretrizes da ISO 37001 vêm no bojo da propagação do conceito de compliance, que busca implementar uma cultura de integridade nas empresas. A norma se apresenta como um avanço, mas deve ser objeto de aperfeiçoamento continuado.

“A atual ausência de padronização dos instrumentos internos de controle leva à não percepção do real valor agregado e da efetividade de programas de compliance. Em um mercado global, são necessários mútuo reconhecimento e confiança nas práticas adotadas”, diz Jefferson, do Rina Brasil.

Embora outra norma, a ISO 19600 – Sistema de Gestão de Compliance, já estivesse em prática, ela não é certificável por ter um escopo muito amplo, abarcando princípios e não requisitos. Mesmo a 37001 não trata de todos os atos lesivos já previstos na legislação anticorrupção brasileira, como fraudes em licitações.

Ganho de musculatura

No Brasil, para que a norma funcione plenamente, falta ainda uma peça-chave do tabuleiro. Diferente da Europa, onde o Accredia já vem credenciando organismos para a 37001, o Inmetro ainda não implementou seu programa de acreditação específica para essa ISO.

Apesar disso, Marcos Ganut aposta que a norma deva ganhar musculatura ainda neste ano. A intensidade vai depender do apetite e da perceção dos financiadores, da demanda do governo e das exigências do mercado como um todo.

“Creio que novos acordos de leniência incluam como um dos requisitos a implementação de compliance com base na ISO 37001”, antecipa o advogado Carlos Ayres. Jefferson Carvalho, por sua vez, recorda que as autoridades brasileiras já haviam introduzido a ISO 19600 no acordo de leniência da Andrade Gutierrez.

Ayres ressalta que a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) – fórum de autoridades como o Ministério Público Federal, a Febraban e a Controladoria Geral da União – propôs em 2016 a criação de uma lei que incentive a adoção de programas efetivos de compliance. “Esse é um ponto que pode ser interessante para a infraestrutura. Se evoluir, tem a possibilidade de impactar bastante a área”, analisa.

Bancos atentos

As instituições financeiras estão de olho na nova certificação e têm buscado participar de debates sobre como a ISO pode ser considerada um elemento de mitigação de riscos.

Empresas contempladas com o selo podem vir a desfrutar de condições mais favoráveis nas suas operações com os bancos. “Acreditamos que as possibilidades incluiriam redução de tarifas, facilidade de acesso ao crédito, desburocratização e priorização na análise de quem possua a certificação, ou ainda a compulsoriedade [da ISO 37001] para financiamentos de maior risco. Isso, contudo, depende exclusivamente das instituições financeiras”, aponta Jefferson Carvalho.

De acordo com ele, já existem propostas tramitando no Parlamento italiano, por exemplo, que tratam de diminuir o seguro-fiança de quem for certificado. “As discussões ainda são embrionárias”, avisa.

A tendência, daqui para a frente, é a crescente adoção da ISO 37001 como requisito imposto pelo próprio mercado – por instituições financeiras, pelo poder público e pelas próprias companhias a seus fornecedores e parceiros.

“Ter uma certificação desse porte facilita o diálogo com os bancos. As liberações ficam mais rápidas. O banco quer que a empresa garanta que os processos estejam dentro de um sistema de compliance, e a certificação nos qualifica melhor para aquilo em que somos bons: fazer obras”, sinaliza Petrônio.

E, vale lembrar, não basta obter o selo. O trabalho é ininterrupto. “Tão importante quanto a certificação em si é manter os procedimentos e o track record para observar a efetividade daquilo que foi implementado. Sozinha, a norma não resolve”, ressalta Ganut.

 

Potenciais benefícios da ISO 37001

  • Conquistar maior confiança no mercado por meio de ganhos de reputação e imagem;

  • Gerenciar melhor os riscos do negócio, incluindo as relações com terceiros;

  • Buscar aperfeiçoamentos continuados na gestão;

  • Obter condições diferenciadas junto aos agentes financeiros e outros parceiros de negócios.