Interesse chinês por Brasil e América Latina cresce

Alan Fernandes (Banco Haitong) nota aumento dos players asiáticos que querem saber mais sobre região.

23 de outubro de 2017Infraestrutura

Por conta das funções como presidente do Haitong Banco de Investimento do Brasil, Alan Fernandes tem assumido, não raro, a figura de uma espécie de embaixador extra-oficial das relações Brasil-China – aliás, China-América Latina. O esforço é para ajudar os parceiros, tão diferentes em múltiplos aspectos, a se compreenderem melhor e conseguirem avançar em negócios de interesse comum.

Ele faz visitas constantemente à China e afirma notar claramente um aumento dos players que querem saber mais sobre nosso país e a região, sinal de que o afluxo de investimentos chineses por aqui tem potencial para se expandir significativamente. "Quando olhamos as grandes companhias chinesas que já vieram e investiram, estamos falando das estatais centrais. Entretanto, começamos a ver um movimento também por parte das estatais ligadas às províncias, que são empresas igualmente bastante robustas", relata. Confira a entrevista:


GRI: Como vê hoje a relação Brasil-China?

Alan Fernandes: Entre Brasil e China, há verdadeiros abismos em termos de fuso horário, maneira de fazer negócios e objetivos considerando a situação macroeconômica. A China se pauta por oportunidades em setores nos quais possui uma tecnologia muito forte – nomeadamente o de infraestrutura –, mas tamanho de mercado também é um ponto importante. Ela busca segurança de fornecimento de produtos essenciais, e aí entra o Brasil como um dos maiores produtores agrícolas do mundo, um país com dimensões continentais, necessidade de investimento pesado, abertura ao investimento estrangeiro e nenhum tipo de prevenção contra o capital chinês. A aproximação de ambos foi um processo natural. 

Que elementos-chave os chineses levam em consideração na hora de decidir sobre um investimento no Brasil?

As empresas chinesas procuram investir de maneira a obter retorno. Existe certa ilusão de que retorno não seja o principal para o chinês, mas é. Projetos que vão gerar fluxos de caixa positivos apenas daqui a 25 ou 30 anos não vão ser aprovados. Além disso, recentemente, o governo chinês adotou uma série de medidas para controlar a saída de recursos. São aprovações adicionais que aumentam o tempo despendido na tomada de decisões de investimento, e é preciso haver uma justificativa econômica consistente para o aporte.

De que forma se dá efetivamente a influência do governo chinês no dia a dia das companhias? E no caso particular da Haitong?

O governo da China solicitou às empresas do país ir para fora e aumentar sua participação no investimento externo. Existe uma lista de setores prioritários, nos quais as companhias devem focar. O governo também tem o objetivo de que o yuan seja uma moeda conversível, com fluxo internacional. Então, a saída das empresas da China e o investimento em mercados estrangeiros ajuda nessa meta. A Haitong foi a primeira corretora/banco de investimento da China a se internacionalizar, por meio da aquisição do antigo Besi [Banco Espírito Santo de Investimento], e assim acompanhar as firmas chinesas nos seus investimentos ao redor do mundo, notadamente nos mercados emergentes.

O segmento de energia tende a continuar como o mais visado pelos chineses na infraestrutura brasileira?

Vejo como natural o interesse por energia, já que esse ramo está menos sujeito a uma variação de mercado. As regras são mais claras e definidas, mesmo que existam críticas em relação ao modelo quanto à remuneração, principalmente na geração. Para os outros setores, marcados mais intensamente pelo aspecto de risco-demanda e muito ligados à performance econômica, as análises estão acontecendo; porém, se impõe a necessidade de esclarecimentos adicionais. A economia acaba trazendo uma insegurança em termos de perspectiva futura.

Tem gastado muito do seu tempo dando explicações sobre as correntes turbulências político-econômicas do País?

Nas visitas que fazemos à China, recorrentemente, o tema é a tendência da economia brasileira no que toca a tamanho do mercado interno, capacidade de consumo e renda. São aspectos que dão mais confiança para investir. A questão política também é tratada. No entanto, eles acabam dando a ela uma ponderação menor, dependendo do setor. A China tem como característica o investimento de longo prazo. A turbulência política, portanto, é um fator relevante, mas não o mais crítico para dizer não ou sim a uma oportunidade.

Se tivesse de eleger os três setores prioritários para os chineses na infraestrutura brasileira mirando um horizonte próximo, quais seriam?

Sem dúvida, energia, portos e ferrovias. Em energia, State Grid e China Three Gorges são fortes investidores no Brasil. Contudo, existem outras empresas na China tão grandes quanto elas ou maiores avaliando oportunidades no País de maneira muito cuidadosa. Em portos, as obras associadas e a conexão logística atraem. Percebemos interesse pela construção e pela operação. Dos grandes operadores, dois estão em fases avançadas de discussão de ativos no Brasil. Também a parte de ferrovias motiva enormemente as empresas chinesas, que têm uma tecnologia fantástica; porém, caímos na questão da modelagem, da definição de com quem fica o risco da demanda.

O foco dos chineses no Brasil até aqui tem se concentrado em fusões e aquisições. Vai haver maior atenção a projetos greenfield?

O primeiro movimento natural é de mercado secundário porque já existe um ativo rodando, gerando caixa, com contratos estabelecidos. Acaba sendo mais simples do ponto de vista de entrada e é uma maneira de conhecer o mercado local. Quando se opta por greenfield sem ter nada antes no território, chega-se completamente às cegas. Então, creio que é um processo natural primeiro formar uma base, depois ampliá-la e passar a atuar como uma empresa local. Todavia, o objetivo maior hoje é realmente o mercado secundário.

Podemos dizer que o apetite das empresas chinesas por infraestrutura no Brasil e na América Latina vive um crescimento sem precedentes?

Temos percebido uma ampliação do escopo de cobertura e penetração do interesse chinês pelo Brasil e pela América Latina. Quando olhamos as grandes companhias chinesas que já vieram e investiram, estamos falando das estatais centrais. Entretanto, começamos a ver um movimento também por parte das estatais ligadas às províncias, que são empresas igualmente bastante robustas. A cada ida à China, agregamos um novo rol de companhias entusiasmadas com o País e a região.

Quais as características do parceiro local ideal para uma companhia chinesa?

Abertura para ter um sócio majoritário, compliance com uma série de regras, visão do mercado brasileiro como um todo, conhecimento da dinâmica regulatória local e dos mecanismos de relacionamento com o ente público, e saúde financeira.

Como definiria o nível de entusiasmo dos chineses com o novo Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva?

Há um interesse grande das entidades chinesas, especificamente do Clai Fund [fundo chinês para investimento na América Latina], que é o parceiro do lado chinês. Isso corrobora a percepção de que o Brasil é um país prioritário para investimentos das empresas chinesas. O fundo tem também a característica de ser um centralizador de oportunidades, tornando mais fácil olhar o mercado brasileiro como um todo.

O que é preciso para aprofundar e perenizar a relação Brasil-China perene?

É uma questão de tempo e planejamento. É fundamental criar uma rotina, garantir que as iniciativas tenham início, meio e fim. Os chineses têm a característica de ser constantes. Necessitamos mantê-los ao lado e não permitir que as coisas mudem de um dia para o outro.

O Haitong Banco de Investimento do Brasil recentemente fez uma redefinição do seu perfil de atuação, inclusive com o encerramento das atividades de corretagem. O que levou a essa mudança?

Nosso foco passou a estar em serviços financeiros, de assessoria tanto no mercado secundário quanto no primário, tentando atrair fontes de recursos externas, mas mantendo a possibilidade de tomada de risco em menor participação dentro do balanço local, com prazos mais curtos. Não temos intenção de tomar risco de longo prazo. O objetivo é dar maior giro do ponto de vista de uso do balanço e tentar dinamizar mais e mais o mercado de capitais.

Quanto da atuação do Haitong Brasil se volta hoje à infraestrutura?

Cerca de 60% do nosso fluxo e das relações com as empresas chinesas estão ligados à infraestrutura. Essa proporção veio crescendo bastante e deve se manter nesse patamar. 

A partir da sua experiência, que recomendações faz aos latino-americanos para o estabelecimento de conexões cada vez mais profícuas com os chineses?

Indubitavelmente, ter uma visão de longo prazo. A construção das relações deve feita no dia a dia, na base da confiança e com muita objetividade. Isso vale para os dois lados. É preciso entender a cultura chinesa, o modus operandi dos negócios chineses, o tempo das negociações e as limitações que por vezes a empresa chinesa enfrenta por conta dos fluxos que as decisões seguem internamente.

Quais as suas expectativas para o GRI China-Latam Infrastructure Summit, que acontece em novembro?

É muito interessante essa chance de estabelecer uma conexão direta das companhias com entidades públicas e privadas dos países, mostrando operações, oportunidades, projetos em desenvolvimento e experiências anteriores em termos de estruturação financeira e parcerias. Isso tem um valor enorme, além do próprio networking.