Healthcare PPPs: ampliando capacidades na saúde em cenário de pandemia

7 de julho de 2021Infraestrutura
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Introdução: O desafio de prover serviços públicos de saúde na América Latina


Os países da América Latina, assim como de diversas outras regiões do mundo, têm experimentado nos últimos anos um grau de exigência extremo em seus sistemas de saúde, agravado pelo impacto agudo e prolongado da pandemia de Covid-19.

O panorama de elevada desigualdade social e importantes lacunas de investimento em infraestrutura e recursos de saúde pública torna a situação especialmente crítica em nossa região. A América Latina apresenta relação enfermeiros(as)/1.000 habitantes correspondente a um terço da média dos países da OCDE. Da mesma forma, o número de leitos hospitalares por 1.000 habitantes é 2.1, em média, na América Latina, enquanto a média da OCDE é mais de 50% superior (4.7 leitos/1.000 habitantes).

Os governos têm respondido, de forma geral, canalizando um elevado volume de recursos para fazer frente aos desafios da Covid-19. Hoje, na América Latina, este gasto corresponde, na média, a 3,8% do PIB, o que é mais de 40% inferior aos 6,6% do PIB gastos em média pelos países da OCDE. Para além do volume de gastos em saúde, também há uma oportunidade de melhoria da qualidade do gasto realizado na região.

A pandemia da Covid-19 mostrou como a colaboração público-privada pode ser chave para endereçar a necessidade de melhorias de acesso, efetividade e eficiência dos serviços de saúde. Conciliar o entendimento das necessidades de saúde do cidadão e a busca pela preservação de seu interesse com a maior agilidade e capacidade de realizar investimentos e aportar inovação em saúde pode ser o caminho para superar as lacunas atuais e trazer novos investimentos e práticas para o setor com modelos robustos de colaboração público-privada.

PPPs como resposta em saúde


É neste sentido que as Parcerias Público-Privadas em saúde podem desempenhar um papel-chave na transformação do contexto atual da provisão de serviços de saúde pública, potencializando a forma como o setor público e a iniciativa privada podem colaborar para modificar o panorama atual.

O que o modelo de PPP traz de diferente à equação público-privado em relação a outros modelos de contratação e colaboração?

Em primeiro lugar, o modelo de PPP agrega robustez, na forma de um conjunto de mecanismos e incentivos típicos capazes de melhor direcionar as partes envolvidas em torno dos objetivos pretendidos. Neste sentido, podemos destacar:

  • Contratação baseada em desempenho e performance, com mecanismo de pagamento diretamente atrelado ao alcance pelo parceiro privado de metas pré-estabelecidas e efetivação de descontos automáticos dos pagamentos de contraprestações públicas conforme o nível de atendimento;

  • Mecanismos de incentivo à efetiva execução de investimentos na infraestrutura pública (em escopos onde a construção e/ou reforma da infraestrutura compõe o escopo do parceiro privado), com o desenho de gatilhos que demandem o cumprimento das implantações definidas para incremento do patamar de receita auferida pelo privado;

  • Modelos de alocação de riscos entre público-privado que têm sido evoluídos com a experiência prática de tais projetos e que visam alocar a cada parte o risco de forma a maximizar a sua mitigação, portanto identificando aquela parte com maior capacidade de tratá-lo;

  • Mecanismos e processos de governança contratual bem estruturados, que não deixem lacunas decisórias e gerem fluidez para os processos de gestão, alteração contratual, pagamentos, processamento de pleitos e dirimição de divergências e conflitos;

  • Project finance do fluxo de investimentos e custos operacionais capaz de viabilizar retorno atrativo e compatível com o risco do empreendimento e, ao mesmo tempo, viabilizar o “encaixe” no orçamento público (affordability), viabilizando investimentos que dificilmente seriam executados diretamente pelo ente público em contexto de profunda e generalizada restrição fiscal.

Gargalos e restrições para disseminação do modelo


Apesar das vantagens destacadas e da grande disseminação no ambiente de governos das PPPs como alternativa interessante para viabilização dos serviços públicos, ainda nos deparamos com um volume modesto de projetos em nossa região, bem como com algumas limitações e frustrações em projetos que falham em entregar o Value for Money prometido. Podemos destacar, em síntese, como principais causas para a dificuldade de ampliação do volume de projetos de PPPs em saúde:

  • Componente ideológico contrário à ampliação da participação privada. Nos setores de infraestrutura social (principalmente saúde e educação) ainda se observa uma reação forte à participação privada, sob o discurso de que tal movimento representaria a precarização ainda maior destes setores dado que, ao visar primordialmente o lucro, a iniciativa privada “enxugaria” gastos nestes setores e nem sempre estaria alinhada à necessidade de atendimento em cenários emergenciais e de escassez;
  • Falta de capacidade técnica na estruturação e gestão de projetos de PPP. Esta é a raiz de vários dos fatores limitantes hoje observados, na medida em que não resolve a atual assimetria de informação no trato com a iniciativa privada e, por consequência, resulta em uma postura reativa e extremamente cautelosa. Tal comportamento ainda é reforçado por experiências negativas de gerenciamento de projetos em execução, que também falham devido à dificuldade de se manter uma relação de alto nível entre público e privado;

  • Impacto fiscal e comprometimento orçamentário. Uma vez que as PPPs dependem da contrapartida pública para se viabilizarem, acabam não sendo priorizadas nas carteiras de projetos das diferentes esferas de governo em relação aos projetos de concessão comum.

  • Falta de planejamento de médio/longo prazo e ciclo político. Não existe um planejamento de médio/longo prazo para evolução de infraestrutura social via PPPs. Some-se a isso a complexidade da estruturação de tais projetos, as reações contrárias, a falta de capacitação adequada e inexistência de diretrizes e padrões centrais. Os projetos acabam demandando muito tempo para serem licitados, o que normalmente esbarra no ciclo político-eleitoral.

  • Uso indiscriminado e inadequado de unsolicited proposals. Os entes subnacionais acabam lançando mão de uma estratégia desarticulada de estruturação dos projetos para alcançarem algum êxito na estruturação de infra-social. Porém, os mesmos limitadores que dificultam a estruturação corroboram para um aproveitamento inadequado de PMIs e MIPs e resultam em uma taxa de aproveitamento muito baixa para estes tipos de instrumentos.

  • Proeminência de outros modelos de contratação (ex.: Contrato de Gestão/Organização Social no Brasil). Especialmente no Brasil, há um predomínio importante da opção pelos Contratos de Gestão com Organizações Sociais de Saúde para contratar com privados. Apesar de uma série de críticas e frequentes problemas relacionados com a adoção e operação deste modelo (desvios de recursos e fraudes), o mesmo é percebido como mais flexível, simples e econômico que o modelo de PPP. Ademais, hoje é entendido como um padrão disseminado para contratação privada em saúde, o que acaba gerando uma tendência dominante para a escolha do agente público mais avesso à inovação.

  • Escassez de mecanismos de garantia e financiamento. Alguns países se destacam e se encontram mais evoluídos na estruturação de seus fundos garantidores e de financiamento, porém a grande maioria dos países ainda engatinha neste sentido, com elevada dependência de bancos públicos de fomento e multilaterais.

Próximos passos: uma agenda para as PPPs de saúde


Ao contrário do que se verifica em outros segmentos de infraestrutura econômica, a participação privada e os esquemas de PPP em saúde ainda se encontram em um estágio que não é compatível com as necessidades e potencialidades que tal modelo de colaboração pode gerar no setor de saúde.

Neste sentido e com base nas discussões realizadas no âmbito do GRI Healthcare PPPs realizado entre 27 e 29 de abril de 2021, propomos uma agenda de transformação da infraestrutura pública de saúde em nossa região, alavancada a partir da evolução na adoção das PPPs no setor. Como principais insights das discussões realizadas, elencamos, portanto, as seguintes recomendações para adoção pelos países latino-americanos:

  1. Planejamento de médio-longo prazo. Definição de uma estratégia de médio e longo prazo para formação de uma carteira de projetos integrada, envolvendo os diferentes níveis governamentais. A partir de uma coordenação central e do diagnóstico das principais carências de infraestrutura de saúde pública e das transformações que irão ditar tendências futuras, estimular o desenvolvimento de um plano integrado para evolução da infraestrutura de saúde e formação de uma carteira de projetos capaz de prover previsibilidade para todos os stakeholders do setor.

  2. Desenvolvimento de capacidade técnica. Diagnóstico dos gaps e desenho de um programa amplo de capacitação, alinhado às necessidades da estratégia de médio e longo prazo. Habilitar principalmente os entes subnacionais para desenvolver e executar sua carteira de projetos de infra em saúde é fundamental, reduzindo assimetrias de conhecimento atuais, aumentando a taxa de sucesso na estruturação e reduzindo a incidência de problemas e conflitos futuros na execução das PPPs de saúde.

  3. Definição de diretrizes, padrões e frameworks. Formação de um grupo de trabalho conjunto envolvendo diferentes stakeholders (governo federal, ministério da saúde, entes subnacionais, multilaterais, bancos de desenvolvimento, iniciativa privada e especialistas) para a construção e evolução de diretrizes e frameworks a serem adotados na estruturação e gestão dos projetos de PPP em saúde. 

    Há um conjunto de mecanismos e aspectos na estruturação de projetos de PPP de saúde altamente padronizáveis quando se consideram as lições aprendidas de projetos já executados em nossa região e outros lugares do mundo. A definição de padrões e frameworks acelera o processo de disseminação da modalidade, aumenta a segurança do agente público e tem grande potencial para fomentar a estruturação de um maior número de projetos. Modelos padronizados para suporte à gestão de projetos de PPP também podem reduzir a percepção atual de inflexibilidade/rigidez do modelo de PPP em comparação com outras alternativas de contratar com o privado.

  4. Estratégia de comunicação com a sociedade. A comunicação das vantagens do modelo de PPP para o contexto de saúde pública e para o cidadão é fundamental. Ainda há muita restrição e receio quanto à ampliação da participação privada no setor, bem como um profundo desconhecimento quanto ao cenário de participação já existente. Grupos contrários ao incremento da atuação privada têm sido mais efetivos em sua estratégia de disseminar uma visão ideológica da saúde pública como obrigação e provisão pelo Estado, incluindo sua operacionalização. Projetos existentes se destacam no aspecto da qualidade do serviço ofertado ao cidadão, porém ainda não são amplamente conhecidos pela população e pela própria mídia.

  5. Reformas e ambiente regulatório. Priorização de reformas estruturais e revisões do espectro jurídico-regulatório capazes de reduzir restrições atuais à ampliação do volume de projetos de PPP em saúde. 

    Um ambiente atrativo ao aporte de investimento privado requer previsibilidade, segurança jurídica e governança adequada. O estabelecimento de plano de longo prazo e a definição da carteira de projetos prioritários em saúde contribuem para informar ao setor privado as expectativas e oportunidades futuras. Porém, também se faz fundamental a previsibilidade e segurança proporcionadas por um ambiente maduro do ponto de vista jurídico-regulatório, reduzindo incertezas e a percepção de risco para os investidores.

    As reformas também são fundamentais para ampliar a affordability do setor público para viabilização de novos projetos, uma vez que tem a capacidade de ampliar a capacidade fiscal do Estado. Projetos de PPP em saúde são intensivos em OPEX e seu impacto orçamentário de longo prazo tende a ser um complicador para o “encaixe” nos orçamentos públicos. Estabelecer uma visão de médio e longo prazo destes desembolsos também contribui para facilitar uma decisão integrada e para a planificação de custos com os quais os governos já terão que fazer frente, independente se na modalidade de PPP ou na forma de outros modelos de contratação.

Portanto, considerando os grandes temas que têm sido discutidos por stakeholders-chave do ecossistema de infraestrutura em saúde na região, verifica-se que iniciativas isoladas e desarticuladas no sentido de ampliar a adoção de PPPs em saúde podem, na realidade, deteriorar ainda mais o ambiente para sua promoção.

Sem o planejamento e a sustentação adequados, tais projetos tendem a representar experiências fracassadas ou mal-sucedidas que podem comprometer a percepção da sociedade quanto ao benefício potencial da ampliação da participação privada em saúde via PPPs.

É neste sentido que acreditamos na importância e urgência de uma agenda estratégica para o setor na América Latina, liderada pelo governo central e com participação ativa do ecossistema de saúde.
 

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