Green bonds começam a ganhar mercado no Brasil

Títulos de dívida atrelados a projetos de baixo carbono ainda engatinham no País, mas perspectivas são auspiciosas.

20 de abril de 2018Infraestrutura

Os lançamentos de green bonds – os chamados títulos verdes – por instituições brasileiras já acumulam histórico de R$ 11 bilhões (US$ 3,67 bilhões), de acordo com o 6º Relatório Anual de Balanço do Mercado, o mais recente, publicado em 2017 pela organização global sem fins lucrativos Climate Bonds Initiative (CBI). No País, esse segmento foi inaugurado em junho de 2015 pela BRF. De lá para cá, aconteceram nove emissões de instituições nacionais, de ramos variados, cinco delas no exterior.

“Os primeiros resultados são excepcionais. É muito mais do que podíamos imaginar”, avalia Justine Leigh-Bell, diretora de Desenvolvimento de Mercado da CBI. A instituição e o GRI Club se uniram desde o final de 2017 para trabalhar para o desenvolvimento global do mercado de green bonds, focando em particular a área de infraestrutura. 

“Observando as circunstâncias da economia brasileira, nossa expectativa era baixa. Esses dados mostram a capacidade do País de canalizar investimentos em setores-chave e nos dão a certeza de que o incremento [dos green bonds] será uma boa vantagem competitiva”, afirma ela.

Modus operandi

Green bonds são títulos de dívida cujos recursos se aplicam em projetos ambientalmente e/ou socialmente responsáveis. Tecnicamente similares aos demais títulos de dívida (são empacotados geralmente como debêntures), se destacam por ser reconhecidos pelos investidores como ativos muito transparentes.

Qualquer organização pode emitir um green bond, desde que tenha o portfólio adequado. Ao estruturar a operação, o emissor é assessorado por consultorias independentes, que devem checar as informações do projeto (ou grupo de projetos) e atestar aos investidores que o bond está mesmo conectado a uma iniciativa de baixo carbono.

Para embasar os pareceres, tem sido adotada como padrão internacional a Climate Bonds Standard Certification. Os títulos que conquistam a chancela são identificados como verdes rotulados. Eles, somados aos que não obtêm a certificação (não rotulados), constituem o guarda-chuva dos títulos verdes – também chamados genericamente de climáticos.

Mercado auspicioso

Atualmente, do estoque global dos títulos verdes, quase 25% (ou US$ 221 bilhões) são compostos por títulos rotulados. A emissão de rotulados vem crescendo. No primeiro levantamento da CBI, de 2012, eles representavam menos de 5% do total (US$ 7,2 bilhões). Em 2016, chegaram a US$ 81,4 bilhões e, em 2017, ultrapassaram US$ 100 bilhões. A entidade projeta um crescimento exponencial nos próximos anos: lançamentos de US$ 400 bilhões agora em 2018 e de US$ 1 trilhão em 2020.

Apesar de auspiciosa, a oferta brasileira de títulos verdes ainda engatinha. No primeiro semestre de 2017, dos US$ 288,4 bilhões em bonds emitidos aqui, somente 0,2% (US$ 576,8 milhões) eram verdes – no mesmo período, no mercado global de títulos, os green bonds equivaliam a 4% do total.

No entanto, Justine considera que a realidade brasileira tem imenso potencial para alcançar o padrão internacional. “A China já soma US$ 50 bilhões em títulos verdes em seu mercado interno. O Brasil pode chegar a isso. Contudo, precisa desenvolver as ferramentas e o sistema regulatório certos, e ser capaz de criar um ambiente forte para atrair o capital estrangeiro”, indica ela.

Trabalho e particularidades

Os resultados alcançados até agora apontam para muito trabalho pela frente, no sentido de dar as condições básicas para que os mecanismos e fundamentos do mercado se consolidem. O momento do País, que abrange, entre outros aspectos, a redefinição do papel do BNDES, tende a contribuir para esse segmento deslanchar. 

“O que já era interessante – sobretudo para fundos internacionais, alguns com bastante liquidez – passou a ser ainda mais. O BNDES vem reduzindo sua atuação como financiador da infraestrutura, até pela criação da Taxa de Longo Prazo, que o colocará como banco de mercado, sem subsídios, e não mais com o apetite e a escala de antes”, comenta Alberto Faro, sócio do Machado Meyer Advogados.

Por ora, o setor que mais se beneficiou desse mercado de títulos verdes em progresso no Brasil foi o de energias renováveis (eólica e solar) – no mundo, o de transporte (infraestrutura ferroviária e mobilidade urbana) predomina (US$ 544 bilhões, representando 61% do total).

Além da BRF, fizeram emissões no País CPFL Renováveis (debêntures no valor de R$ 200 milhões), Ômega Energia (R$ 42,4 milhões) e Rio Energy (R$ 111,8 milhões). Também integram essa lista Suzano Papel e Celulose, Fibria e Klabin. O BNDES lançou no exterior (US$ 1 bilhão). Até o presente, empresas predominaram entre os emissores nacionais (73%), mas, segundo a CBI, há espaço relevante para emissões soberanas, muito comuns lá fora.

Case da Rio Energy

Um dos cases mais emblemáticos até agora foi a emissão feita pela Rio Energy no mercado doméstico. A companhia captou R$ 111,8 milhões em debêntures de infraestrutura para o Complexo Eólico de Itarema, no Ceará (de capacidade de 207 MW), com vencimento em dezembro de 2028.

Liderada pelo Itaú BBA, com participação da XP Investimentos e do Santander, a operação foi auditada pela Oscip Sitawi e recebeu parecer favorável quanto ao desempenho socioambiental, além de verificação de sua parceira VigeoEiris, conforme os critérios do Climate Bonds Standards Board. “Foi uma boa experiência”, atesta Marcos Meirelles, CEO da companhia.

Ele admite que o processo requer “certo nível de trabalho”, mas vê valor em termos de prestígio ao conseguir os certificados. “É preciso ter pessoas focadas nisso e apostar na boa repercussão. No entanto, ainda não sentimos nenhum efeito em pricing ou aumento de liquidez da emissão”, diz.

“Há cláusulas contratuais que obrigam a aplicar o dinheiro no projeto green indicado, sob pena de vencimento antecipado dos títulos e aplicação de multa”, explica Alberto Faro, que atuou junto à emissora. Ele lembra que o negócio foi estruturado como project finance e teve várias fontes de financiamento diferentes. “A emissão de debêntures verdes foi uma das pernas do financiamento, também absorvido, em parte, pela BNDESPar”, conta.

A Rio Energy deve certificar em breve outro sistema eólico, dessa vez o de Serra da Babilônia, na Bahia (de 223,25 MW). “O complexo vai entrar em operação comercial no segundo semestre de 2018. Estamos ainda estudando a melhor janela para a emissão, da ordem de R$ 180 milhões”, adianta o CEO.

Experiência do BNDES

“Para quem vai fazer uma primeira emissão e não tem um track record, é mais difícil”, analisa André Carvalhal, chefe do Departamento de Captação de Mercado do BNDES.

“Os green bonds estavam no nosso radar. Mesmo assim, demorou meses para estruturarmos a operação, que envolveu diversas áreas do banco e teve uma etapa adicional, de selecionar os projetos [dos setores de energia eólica e solar] e gerar os documentos para atender os investidores verdes”, conta ele.

Para avalizar os projetos financiados pelos green bonds, o BNDES contratou a Sustainalytics, que forneceu uma segunda opinião sobre a estrutura da operação, e a KPMG, que vai atestar em auditorias periódicas o uso dos recursos para os projetos predeterminados.

A captação externa dos títulos do BNDES com vencimento em 2024 ocorreu em maio de 2017. Foi a primeira emissão de green bonds feita por um banco brasileiro no exterior e gerou uma demanda de US$ 5 bilhões, muito acima da oferta. “É uma ótima indicação de que os olhos estrangeiros estão voltados a o que o País pode oferecer em projetos sustentáveis. Sem dúvida, se houver mais projetos sólidos e de qualidade, veremos mais emissões de sucesso como essa”, afirma Justine, da CBI.

“Para nós, a grande lição foi ver nossa capacidade de mobilização. Cinco áreas do banco foram envolvidas no processo e interagimos com consultorias e instituições financeiras internacionais que nos ajudaram a captar”, narra André.

O êxito da operação ficou nítido também pela participação de mais de 370 investidores no processo de formação de preço.

O BNDES não deve parar por aí. “Emitir para projetos de papel e celulose, pelos resultados anteriores, seria relativamente fácil. Também pensamos em saneamento, mobilidade urbana (transportes limpos) e social bonds, que são menos comuns”, revela o executivo. O banco agora se volta ao lançamento de um fundo de compra de green bonds.

Acordo Brasil-Reino Unido

A corrida nesse mercado está só começando e deve receber impulso extra a partir da Parceria Reino Unido-Brasil de Finanças Verdes, firmada em julho de 2017 pelo chanceler britânico do Tesouro e pelo ministro da Fazenda do Brasil.

Pelo acordo, a Green Finance Initiative de Londres trabalhará com o Conselho de Finanças Verdes do Brasil pelo crescimento econômico ambientalmente sustentável no País e no Reino Unido.

 

Veja esta e outras reportagens na 9ª edição da GRI Magazine Infrastructure