Imagem de capaReive Barros (MME)<br />Crédito: GRI Club / Flavio Guarnieri

Governo visa modernizar setor elétrico via ações infralegais

Foco será possibilitar inovação e evitar desgastes no Congresso, diz Reive Barros, do Ministério de Minas e Energia.

2 de dezembro de 2019Infraestrutura
A promoção de medidas infralegais que ajudem a impulsionar a modernização do setor elétrico, assegurar a abertura do mercado e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio econômico-financeiro e captar investimentos da ordem de cerca de R$ 500 bilhões em um período de cerca de dez anos são algumas das metas da atual administração federal, do presidente Jair Bolsonaro, para a indústria de energia. Quem diz é Reive Barros, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME). 

Ele conversou com a equipe do GRI Hub ao participar do Infra Brazil GRI 2019, conferência realizada em outubro em São Paulo. No evento, Barros representou Bento Albuquerque, titular do MME, e compartilhou os planos do governo federal no que diz respeito à competitividade e ao redesenho da política nacional de energia. 

Modernização do setor elétrico

Pensando na expansão e modernização desse mercado, um grupo de trabalho foi criado em abril de 2019, a partir de uma portaria do MME (nº 187) com o objetivo de traçar um plano e estratégias futuras. Participaram do GT representantes do MME e das demais instituições competentes no setor elétrico – Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CEE) e Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

As propostas foram apresentadas no final de outubro e culminaram em um plano de ação que sistematiza todos os passos que devem ser percorridos para possibilitar a nova reforma do setor. "Os resultados foram uma prestação de contas do ministério e mostraram uma visão conceitual do diagnóstico, feito após o plano de ação, devido à complexidade do tema", esclareceu o secretário. 

A partir da análise do GT, também foi instituído o comitê de implementação da modernização do setor elétrico – responsável pelo plano e por prestar contas para a sociedade. Havia ainda a expectativa de que um novo projeto de lei fosse apresentado.

Questionado, Reive Barros explicou que o MME pretende trabalhar com as medidas infralegais viáveis. "Vamos fazer um esforço para realizar o possível via medidas infralegais – decretos ou portarias –, visto que o Congresso já está se debruçando em [outros] temas estratégicos para o País. Tivemos as reformas da Previdência [tema prioritário da agenda legislativa de 2019] e tributária [em andamento]", disse. Como exemplo de assunto a ser tratado via medida infralegal, ele citou a discussão sobre o risco hidrológico (do inglês Generation Scaling Factor, GSF). 

A necessidade de repactuação do GSF é debatida desde 2015. O tema passou a avançar somente em 2019, passando pela Câmara dos Deputados, e ainda está sem uma definição no Senado. O projeto de lei nº 10.985/2018 propõe uma solução para os débitos de geradores de energia, ao alterar a Lei nº 9.427/1996 para estabelecer multa a ser paga aos usuários do serviço de energia elétrica, entre outros pontos.

"O próprio ministro [da Justiça e Segurança Pública, Sergio] Moro, com seu pacote [anticrime], tinha que competir com a Previdência. [No MME,] Trabalhamos para fazer o que puder ser discutido com a sociedade e com os agentes pertinentes e o que possa ser via medidas infralegais será feito", pontuou Barros. 

Contribuições ao Legislativo

Outros passos dados pelo MME foram apresentar contribuições ao PL nº 1.917/2015 em 20 de novembro. Ao PL, o MME busca incorporar contribuições que abarquem a transformação da matriz energética, considerando o aumento de fontes renováveis e a diminuição das hidrelétricas com reservatório.

Segundo documento apresentado pelo ministério aos deputados, as contribuições são ajustes necessários para a implementação da proposta de modernização. No documento, a pasta informa que não serão enviadas outras propostas de substitutivos aos PLs do Congresso, o que reforça a parceria entre Executivo e Legislativo. 

"Num primeiro momento, nos preocupamos em assegurar a contratação por capacidade. Neste período de transição, de separação de lastro e energia – ponto colocado como fundamental –, vamos sugerir alterações de decretos para que se possa realizar um leilão de capacidade, que seja suportado em sua financiabilidade pelo mercado livre e [também] pelo consumidor cativo. A questão conceitual [dessa divisão lastro-energia] vai precisar de mais tempo, cerca de dois ou três anos, mas, olhando para a contratação em 2025 e 2026, precisamos de uma solução para 2020", disse. 

Igualmente, o MME visa ampliar o mercado livre de energia. "Uma preocupação é a redução dos subsídios, o que tem impacto direto nas tarifas [...]. Vamos tratar desse tema ainda em 2020", considerou. O secretário confirmou que a ideia é reduzir esse apoio, especialmente considerando fontes já maduras, como a eólica. 

Investimentos projetados

Em relação ao volume de investimentos privados esperados para os próximos dez anos, Reive Barros estimou, até 2027, "R$ 550 bilhões, sendo R$ 220 bilhões em geração; R$ 120 bilhões em transmissão; outros R$ 150 bilhões em distribuição e R$ 60 bilhões em geração distribuída". Publicamente, o ministro Bento Albuquerque, por sua vez, fala na ordem de R$ 450 bilhões destinados ao setor até 2029.

Sobre o aporte do fundo soberano da Arábia Saudita anunciado recentemente, de US$ 10 bilhões, Reive Barros declarou que o investimento será destinado ao setor de energia. A divulgação da informação foi feita após a visita do presidente Jair Bolsonaro e comitiva, incluindo o ministro do MME, ao leste da Ásia e Oriente Médio em outubro passado. Além de Arábia Saudita, a delegação passou por Japão, China, Emirados Árabes Unidos e Catar. 

"O objetivo da viagem era mostrar o potencial que temos em distintas áreas, como a mineração, e estratégias de desinvestimentos, [a exemplo] da Petrobras – que deve se manter somente em produção. Cada setor energético – de petróleo e gás – apresentou seus projetos e o potencial do Brasil", afirmou. 

Mercado de gás natural

Outra prioridade anunciada pela gestão federal abordada pelo secretário foi a promoção do gás natural. A pasta comandada por Bento Albuquerque vem trabalhando para promover a abertura desse mercado no Brasil. "A situação do gás vai ser importantíssima", ressaltou Reive Barros.

Segundo ele, para quem busca investir no segmento, há potencial tanto em geração térmica quanto no transporte. "Vamos aumentar a oferta de gás, principalmente com o pré-sal."

Perguntado sobre o potencial de expansão da malha de gasodutos, considerando a apresentação do Plano Indicativo de Gasodutos de Transporte (PIG), Barros considerou que o modelo do gás poderia seguir a mesma proposta do setor elétrico. 

"O modelo de gás pode se espelhar no do setor elétrico, que tem uma forma de contratar o sistema de transmissão e energia, os operadores independentes. Isso ainda está em uma etapa inicial. Estamos discutindo como se estruturar melhor", afirmou. 

Sobre a necessidade de 11 projetos para expansão da malha de transporte de gás natural – totalizando cerca de dois mil quilômetros de novos dutos – apresentada pela EPE no PIG, ele confirma que o planejamento é necessário "porque há demanda". 

Desafios a superar

No percurso para evoluir, o setor elétrico, que é um dos mais regulados do País, ainda precisa de avanços, na avaliação de Barros. "São necessários ajustes importantes, principalmente por conta das fontes de geração, das novas tecnologias e inovações. Portanto, é preciso adequar todo o arcabouço legal, visto que nossa cultura [foi constituída com base na] geração hidráulica."

"O importante é que somos uma infraestrutura a serviço da expansão da economia brasileira e precisamos estar sempre à frente. A infraestrutura de energia não pode ser um impedimento para que o País volte a crescer", complementou. 

"Atualmente, há cerca de 30% da capacidade ociosa [...]. Estamos observando que instrumentos precisamos ter para que essa indústria cresça sem expansão física, simplesmente por demanda reprimida, e estamos acompanhando para assegurar essa expansão", continuou o secretário. 

Nesse contexto, o desafio é realizar compras com atenção. "Não podemos comprar energia que não precisamos, ao mesmo tempo em que não podemos deixar de adquirir. Antes, havia as grandes hidrelétricas de prazo de maturação de sete a dez anos. Hoje, temos fontes de implantação de curto prazo, de dois anos, e há instrumentos, com tecnologia, possíveis de serem implementados se o País realmente crescer", defendeu. 

Programa nuclear 

Outro foco estratégico para o governo Jair Bolsonaro é o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro. O tema foi ressaltado aos empresários e executivos que estiveram no Infra Brazil 2019 e a proposta para esse mercado foi considerada essencial pelo secretário.

Iniciativas relativas à indústria de mineração igualmente são percebidas prioritárias pela União. 

"São metas da gestão e, a partir da definição de um programa – seja nuclear, de energia eólica ou solar –, conseguimos dar visibilidade [aos projetos brasileiros] para o mundo e aos possíveis interessados", explicou Barros, ao comentar o motivo do lançamentos de programas específicos para cada um dos segmentos. 

Reportagem de Estela Takada