Geração de energia a partir de lixo já é realidade no Brasil

Uma das iniciativas é liderada pela Marquise Ambiental. Hugo Nery, CEO da companhia, também aborda desafios do setor.

27 de junho de 2019Infraestrutura

O reaproveitamento dos resíduos sólidos, como a transformação da massa orgânica em energia, é uma solução eficiente frente ao grave destino do lixo no Brasil. Iniciativas espalhadas pelo País buscam um novo caminho para o tratamento da matéria. 

"Hoje, toda vez que se fala de coleta seletiva, imediatamente as pessoas pensam em papel, papelão, plástico, metal etc. Porém, o que gera valor imediato e resolve fortemente uma questão ambiental é a massa orgânica", diz Hugo Nery, CEO da Marquise Ambiental. 

Ele destaca que, "ao se decompor, a massa orgânica gera o chorume – que é um líquido extremamente poluente – e o metano, um dos maiores causadores do aquecimento global. No entanto, se o tratamento fosse diferente, o gás poderia ser vendido como energia e a massa da compostagem desse material poderia ser transformada em adubo químico, levado diretamente para a agricultura, que é o maior negócio da economia brasileira". 

Transformando lixo em energia

O tratamento explicado pelo executivo é realizado pela Marquise Ambiental nas regiões Norte e Nordeste. A GNR Fortaleza foi inaugurada em 2017 e é a primeira usina de tratamento do biogás dessa área geográfica, estando localizada no Aterro Municipal Oeste de Caucaia (Asmoc). O sistema purifica o gás metano, que é comercializado para a Companhia de Gás do Ceará (Cegás), distribuidora de gás desse Estado e que o revende para indústrias, comércios e residências. "Fornecemos hoje algo em torno de 50 mil a 60 mil metros cúbicos de gás metano por dia", afirma Nery. 

Em maio passado, a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro anunciou o plano de instalação de uma unidade da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) para a transformação de lixo em energia elétrica. A termelétrica vai aproveitar 1.300 toneladas de resíduos por dia da coleta domiciliar e será capaz de abastecer 120 mil domicílios, totalizando cerca de 500 mil pessoas, segundo dados oficiais. 

"São 30 megawatts-hora (MWh) por dia. Além disso, vamos deixar de levar dezenas de carretas para o aterro em Seropédica [município da Região Metropolitana], e isso vai melhorar o trânsito na avenida Brasil. Vamos gastar menos asfalto e queimar menos combustível, diminuindo o efeito estufa e o aquecimento global", comemorou o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, na ocasião. 

Iniciativa similar está em andamento no município de São José dos Pinhais, no Estado do Paraná. Em outubro de 2018, uma usina da CS Bioenergia, que realiza a transformação de lixo e esgoto em biogás, passou a exportar energia elétrica para a rede da Companhia Paranaense de Energia (Copel). Hoje, a termelétrica trabalha com 50% de sua capacidade – cerca de 1,4 MW de energia produzida. 

O drama do lixo brasileiro

Divulgado no início do mês, um estudo do Departamento de Economia do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) aponta que os lixões no País emitem seis milhões de toneladas de gás de efeito estufa (CO2eq) ao ano. 

Também publicado em junho, o ranking Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) da Universalização do Saneamento 2019 alerta que apenas 85 municípios brasileiros cumprem os requisitos para ofertar à população um sistema de saneamento básico, o que inclui a coleta e a destinação adequada de resíduos sólidos.

Na ótica de Hugo Nery, para avanços, a legislação também precisa ser revista.  "A nova lei de resíduos sólidos [nº 12.305/2010, que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)] ficou em discussão por 20 anos e é uma medida assistencialista, paternalista, que entende que os catadores e cooperativas terão um papel fundamental na limpeza urbana, o que não é possível, não é suficiente", avalia.

O executivo defende uma reforma que transforme a política urbana em industrial, com uma análise aprofundada sobre quais seriam os materiais a coletar e em quais municípios. "Há muito a caminhar e uma discussão imensa a ser feita. Precisamos, principalmente, mudar o foco de governistas para estadistas, uma visão de longo prazo."

Questionado sobre a possibilidade de um projeto de lei para o setor do saneamento trazer avanços ao segmento de resíduos, Hugo Nery revela ainda esperar a evolução do texto. Se mantida a redação da Medida Provisória nº 868/2018, que perdeu a vigência no último dia 03 de junho, "a análise continua sendo equivocada. Sanear o País no sistema básico de esgoto e água é uma necessidade real. Temos hoje 60% do esgoto brasileiro não tratados. Por outro lado, o custo de saúde é imenso, ou seja, gastamos na consequência e não na causa. Espero para ver como o desenho da nova lei de saneamento vai se solidificar, mas não vejo grandes mudanças no médio e no longo prazo", completa.

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