Evento reúne setor ferroviário para tratar do novo cenário de investimentos

Os participantes discutiram sobre a Portaria 131 e os principais desafios do segmento

30 de novembro de 2021Infraestrutura

Na última quinta-feira, 25 de novembro de 2021, o GRI Club realizou o evento online “Portaria 131 e investimentos em ferrovias: quais critérios podem viabilizar bons projetos no setor?”. O objetivo geral foi debater sobre os critérios e ajustes legais necessários para possibilitar uma escolha melhor de investimentos no cenário atual de regulamentações.

O moderador da discussão foi Jean-Emmanuel Seixas, diretor-presidente da Egis Engenharia e Consultoria; e os convidados especiais foram Marcello da Costa, secretário nacional de transportes terrestres do Ministério da Infraestrutura (MINFRA); e Miguel Noronha, managing director da BMPI. 

O representante do MINFRA abriu a sessão apresentando pontos de interesse no que respeita às autorizações ferroviárias, ao programa Pro Trilhos e à MP 1065/21. Destacou-se uma série de vantagens trazidas pelas iniciativas, dentre as quais estão (i) maior celeridade para oferta de novos ramais e extensões; (ii) desregulamentação de atividades para aumentar fontes de receitas; (iii) aumento da produtividade, com a instituição da autorregulação e a consequente redução do fardo regulatório da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); e (iv) viabilização da retomada do transporte de passageiros.

Atualmente, 21 pedidos de autorização ferroviária junto ao Governo Federal estão em análise pela ANTT. O montante de investimentos chega a R$ 117 bilhões, abrangendo 8.400 km de novos trilhos em 14 estados. A situação representa uma importante oportunidade para interessados emergentes no setor, visto que dos 14 players com requerimentos sob análise 11 são novos entrantes. Segundo estimativas da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com os empreendimentos previstos e as autorizações ferroviárias, o percentual do ferroviário na matriz de transportes brasileira passará a representar 34,22%.

Em relação especificamente à Portaria 131, da Costa observou que o processo de requerimento, em um primeiro momento, é totalmente sigiloso e tem acesso limitado. Além disso, há etapas específicas a serem cumpridas para garantir o andamento adequado dos pedidos. Uma vez que há a abertura do processo, publica-se o extrato para fins de transparência, a ANTT analisa a compatibilidade locacional do requerimento, o MINFRA examina a convergência com a política pública do setor ferroviário, delibera sobre a autorização e divulga o resultado.    

Cabe destacar que os prazos dessas tramitações são relativamente curtos se comparados com os das concessões, demorando em torno de um mês se não houver contratempos. Além disso, o governo pode desapropriar o terreno para agilizar a autorização, caso seja necessário. Apesar dessas facilidades, da Costa sinalizou um ponto de atenção, concernente ao rigor jurídico: os contratos podem ser cassados se as licenças ambientais exigidas não forem apresentadas ao longo da análise. Assim, a aceleração dos procedimentos é importante, mas sujeita-se sempre às regulamentações e condições impostas.

Nesse cenário, surgem algumas dúvidas pertinentes por parte dos requerentes. Uma das mais comuns, por exemplo, é por que não se realiza um chamamento. De acordo com o MINFRA, o modelo propicia maior oportunidade para aqueles que têm mais recursos financeiros disponíveis. A autorização, por outro lado, seria uma maneira de democratizar o segmento, não deixando ele restrito à atuação das maiores empresas.  
 
Por sua vez, Miguel Noronha afirmou que a BMPI tem grandes perspectivas com a portaria e enfatizou que se trata de uma revolução no setor de ferrovias. Ele ressaltou, ainda, a importância em mitigar os riscos de engenharia de construção e observou que, no caso das rodovias, são necessários maiores investimentos e mais tempo.

Henoch Buscariol, representante da Ferroeste no encontro, levantou outro tópico importante: a preocupação quanto à demanda, que é bastante significativa no setor. Ele afirmou que os estados do Sul, muitas vezes, não aparecem no mapa dos projetos e carecem de ferrovias. Dessa forma, há um grande volume de demanda não atendido, hoje a cargo das rodovias. “É preciso pensar em nível Brasil, em nível nacional, para que o desenvolvimento alcance seu potencial pleno”, salientou.

Em seguida, foi debatido o transporte de passageiros, visto que, ao falar de ferrovias, sempre se dá maior atenção ao transporte de carga. Buscariol citou um projeto de autorização no Paraná, com o intuito de que Curitiba não seja percorrida com carga, servindo apenas como ponto de saída. Com isso, haverá diminuição de acidentes, e o trecho, embora relativamente curto, poderá ser aproveitado para transportar passageiros. 

Esse tipo de iniciativa é vital para aliviar a sobrecarga do sistema rodoviário, mas enfrenta alguns desafios, como a velocidade de deslocamento. Por ser voltado à locomoção de produtos medidos em toneladas, o sistema ferroviário é lento em comparação com o rodoviário. Tal diferença de objetivos dificulta o processo e o torna complexo, mas a ideia no Estado do Paraná, segundo Buscariol, é explorar o aproveitamento das linhas deterioradas ou subutilizadas para o transporte de passageiros.

Por último, Noronha e Seixas encerraram a conversa trazendo um olhar sobre a cultura do transporte público no Brasil. Para eles, existe aqui uma cultura de mobilidade urbana pouco sustentável centrada no carro individual, a qual deixa o transporte coletivo em situação de rejeição ou desprezo. Diante disso, o sistema ferroviário pode atender uma demanda emergente que o rodoviário não consegue comportar. Faz-se imprescindível, portanto, começar a mudar a imagem das ferrovias e diversificar os tipos de investimento para alcançar todo o potencial do segmento no país.

Por Lucas Badaracco