Imagem de capa<label style="color:#fff;">Eduardo Centola, sócio e co-CEO do Banco Modal - Crédito: Divulgação/ Luis Simione<label>

Eduardo Centola defende intercâmbio yuan/renminbi-real

Complementaridade Brasil-China e guerra comercial EUA-China são outros assuntos abordados pelo co-CEO do Banco Modal.

4 de julho de 2019Infraestrutura

A intensificação da relação comercial Brasil-China e dos investimentos chineses no País justificariam a conversão direta entre yuan/renminbi e real, advoga Eduardo Centola, sócio e co-CEO do Banco Modal e especialista em questões bilaterais.

"É cada vez mais importante termos uma capacidade de intercâmbio de moedas yuan/renminbi-real. Hoje em dia, tudo força uma triangulação com dólar, o que gera ineficiência e custos transacionais", afirma ele nesta segunda parte da entrevista ao GRI Hub, concedida antes de embarcar mais uma vez ao gigante asiático, agora para participar do GRI China-Latam Infra Summit & Week 2019.

Centola fala também sobre a guerra comercial entre Estados Unidos e China, analisa a relação de complementaridade entre o Brasil e o país asiático, e comenta a respeito de suas contribuições pessoais à gestão Jair Bolsonaro. Acompanhe:

Você participou de transações bastante simbólicas de entrada de capital chinês em infraestrutura. Que principais aprendizados essas experiências trouxeram a ser aplicados em novas negociações?
O mais interessante é que a execução de uma transação com empresas e investidores chineses às vezes segue uma trajetória diferente da normalmente adotada, por exemplo, com europeus e americanos. Há dificuldade de se entender isso e muitas pessoas aqui no mercado doméstico querem enquadrar os chineses num processo tradicional, o que causa frustrações e resulta em feedbacks que não são verdadeiros. Muitos dizem que o chinês não se compromete ou que demora para tomar decisões, mas não vejo isso na realidade. Há que se aprender que são culturas diferentes de fazer negócios e, à medida que nos adequemos ou entendamos, é possível ter um processo muito eficiente. 

Que recomendações você dá, com base na sua vivência?
No fim das contas, minha recomendação é sempre o seguinte: entenda que as relações pessoais são tão importantes quanto as institucionais. Isso é fundamental numa negociação entre brasileiros e chineses. Não é o caso, por exemplo, do que ocorre com típicas empresas americanas, nas quais o lado institucional sempre prevalece. Essa característica envolve estabelecer um diálogo muito mais próximo, tomar maotai [bebida destilada típica chinesa] e celebrar a parceria, não só em termos comerciais, mas na maneira como as pessoas e as instituições vão interagir pós-transação.

Como evoluiu o Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva no País, lançado em 2017?
Nada aconteceu. Anúncios não vão para a frente se não houver um grupo que saiba executar. Aqueles que poderiam ter se beneficiado do fundo nunca ouviram falar dele. O que é necessário, tanto para as licitações quanto para qualquer iniciativa bilateral ou combinada de novos fundos, é tirar a ênfase das ideias e colocar na execução. Por isso, acho fundamental o trabalho que o GRI tem feito, reunindo nos eventos os interlocutores e atores em conversas práticas, e também por meio da parceria com a iniciativa Belt and Road. Não adianta esperar que o governo dê o caminho das pedras. Temos de desenhá-lo juntos – junto com o governo chinês, junto com o governo brasileiro – e espero que o GRI continue sendo um instrumento crucial para fazer isso acontecer.

Quais as suas expectativas para o GRI China-Latam Infra Summit & Week 2019, que o GRI vai promover em agosto?
Obviamente, teremos apresentações interessantes. No entanto, o mais importante é o debate, com formato diferente do de outros eventos. Já sabemos dos dados. Precisamos é de interação. Então, a missão do GRI China-Latam Infra Summit & Week é de ser um encontro de interação, não de simples troca de informação. 

O quadro de guerra comercial entre EUA e China – com trégua anunciada no último fim de semana, mas ainda sem desenlace definitivo – abre maiores oportunidades de investimento chinês na América Latina, particularmente no Brasil?
As divergências entre EUA e China estão diminuindo e, de uma maneira ou outra, os dois países vão encontrar um ponto que não seja nem bom para um lado nem para o outro, como todo acordo comercial se torna. Entendo que a relação EUA-China é muito mais de disputa de espaço comercial e de uma competição ferrenha, e que vai continuar sendo assim. Então, de tempos em tempos, vão existir atritos como esses e renegociações, dependendo de como o balanço das forças se desenhar. Já a relação Brasil-China é muito mais complementar do que competidora. O Brasil se beneficia de uma demanda – de grãos –  por parte da China que efetivamente só ele pode suprir. Há um intercâmbio entre tecnologia e capital muito importante, e um desenho no qual o capital chinês que está sendo investido em infraestrutura no Brasil só vai ter retorno se houver crescimento do País. Isso cria um relacionamento muito mais de cooperação do que existe entre EUA e China. A dinâmica que está sendo estabelecida entre Brasil e China é beneficiária para nós e nos protege. 

A relação EUA-China é muito mais de disputa de espaço comercial e de uma competição ferrenha...

No que toca aos demais países latino-americanos, vê a mesma complementaridade?
Não tanto, pois não se tem a mesma materialidade em termos de tamanho, o que é importante para a China. A dimensão da economia chinesa se tornou tal que lidar com o Brasil, um país continental, é muito diferente de, por exemplo, com o Chile, que possui economia mais organizada, mas não tem oportunidades de um investimento grande nem de uma parceria comercial extensa. Obviamente, vai existir [interesse] porque há oportunidades boas de negócio; entretanto, o foco em termos de parceria continuará sendo e crescendo no Brasil.

Você tem se mostrado um defensor da conversão direta entre yuan/renminbi e real. Por quê?
É cada vez mais importante termos uma capacidade de intercâmbio de moedas yuan/renminbi-real. Hoje em dia, tudo força uma triangulação com dólar, o que gera ineficiência e custos transacionais. Tivemos conversas no último governo [de Michel Temer] com o Banco Central, mas que não foram produtivas. Quem sabe agora possamos retomá-las e ter uma facilitação desse processo. A taxa de câmbio precisa ser universal, levando em consideração triangulações de outras moedas, senão se criam ineficiências e arbitragens. Todavia, se promovermos liquidez na troca dessas moedas, mecanismos de financiamento e de proteção a financiamento vão se tornar mais líquidos e baratos, facilitando as transações entre os dois países, sem necessidade de utilizar moeda de um terceiro. Durante a crise financeira de 2008, foi estabelecida uma linha de emergência entre o governo chinês e o brasileiro prevendo que, se houvesse algum evento de falta de liquidez no mercado global de câmbio, os [respectivos] bancos centrais aceitariam as trocas renminbi-real para que o comércio exterior Brasil-China continuasse fluindo. Foi um mecanismo emergencial, que não foi usado e caducou; porém, o mesmo princípio poderia ser adotado agora para criar um ecossistema permanente.

No final do ano passado, logo após a eleição de Jair Bolsonaro, seu nome circulou na imprensa como potencial integrante da equipe do novo governo federal e possível presidente do BNDES. Houve de fato um convite? Chegou a cogitar ocupar alguma posição na atual gestão? 
Infelizmente, não posso comentar o assunto, mas posso dizer que me mostrei, desde o começo da instalação desse governo, muito interessado em contribuir. Tenho tido conversas com vários setores do governo e minha intenção é, do lado privado, fomentar o diálogo e o apoio às iniciativas relacionadas ao comércio Brasil-China. Esse papel é algo que vai além do meu trabalho como CEO do Banco Modal e que considero fundamental ao País e ao setor. 

Vê suas contribuições sendo abraçadas efetivamente pelo governo?
Comparado com os últimos 15 anos, esse é o governo que tem mais receptividade a ouvir o mercado em geral e se mostra capaz de agir com as ideias boas. Creio que estamos numa era nova, de força institucional do governo para promover um crescimento maior de investimentos em infraestrutura – da maneira certa, sem subsídios, diferente do que feito no passado, sem escolhas de campeões nacionais ou coisas do gênero, e sim facilitando as regras do jogo e eliminando obstáculos. Por outro lado, vivemos um momento de mercado muito interessante, com a iniciativa privada ocupando espaço – debêntures de infraestrutura cada vez mais se tornando um veículo de escolha para financiamento de projetos. Essa é a grande evolução que precisava ser feita. Nenhum país consegue ter um crescimento em investimentos se a fonte de financiamento for um banco público com juros subsidiados, como ocorria aqui. Ainda há espaço para melhora, eliminando os subsídios de agências e bancos regionais. O ponto é deixar o mercado ocupar esse lugar e, com isso, vamos ter um crescimento da disponibilidade de funding e da competitividade nesse setor. 

Começamos a entrevista falando da sua avaliação da gestão Bolsonaro no toca à relação Brasil-China. Mas como enxerga a atuação do atual governo federal na infraestrutura como um todo. Há evolução?
Sim, e acredito que os próximos três anos serão os mais importantes dos últimos dez nesse sentido. 

Entrevista concedida à editora-chefe do GRI Hub, Giovanna Carnio

Veja a primeira parte da entrevista de Eduardo Centola ao GRI Hub:
Centola: inclusão na Belt & Road fará diferença ao Brasil
 

GRI China-Latam Infra Summit & Week 2019

GRI China-Latam Infra Summit & Week 2019

Além de Eduardo Centola, diversos o
utros executivos e autoridades da América Latina vão a Pequim e a Xangai em agosto para participar da segunda edição do GRI China-Latam Infra Summit & Week. A semana prevê uma conferência e diversas visitas técnicas para analisar oportunidades de investimento, fusões & aquisições e colaboração com players chineses. Conheça os detalhes da programação.