Diretor da CPFL aponta desafios de inovar no setor elétrico

Segmento vive transformação, com surgimento de novas tecnologias e modelos de negócios, analisa Rafael Lazzaretti.

15 de abril de 2019Infraestrutura

O tradicional setor elétrico vem passando por transformações profundas e, ao que tudo indica, deixará de ter a configuração pela qual o conhecemos num futuro nada longínquo. Mas onde estão os principais desafios de inovar nesse cenário?

Rafael Lazzaretti, diretor de Estratégia e Inovação da CPFL Energia, recebeu o GRI Hub na sede da companhia, em Campinas, para conversar sobre esse tema e contar sobre os diversos programas-piloto que a empresa vem desenvolvendo. Apenas em 2018, os investimentos da CPFL Energia em pesquisa e desenvolvimento somaram R$ 45,7 milhões. Acompanhe:

Como avalia a realidade brasileira em termos de inovação no setor elétrico? Estamos evoluindo em ritmo satisfatório?
Há uma tendência global, na qual o Brasil se insere, de profunda transformação do setor elétrico, deixando de ser tal qual estamos acostumados, lastreado em grandes ativos, de capital intensivo, pautado em um modelo tradicional de geração, transmissão e distribuição de energia para os clientes. Cada vez mais, estão surgindo novas tecnologias e novos modelos de negócios que desafiam o status corrente. O grande exemplo vivo desse movimento, inclusive no Brasil, é a geração distribuída, que começa a se consolidar como forma alternativa à produção centralizada de energia. Assim como a geração distribuída, vão surgir outros modelos de negócios, tecnologias e players no nosso segmento que vão mudar bastante sua 'cara' no futuro. No mundo, há alguns mercados mais desenvolvidos, nos quais essa emergência de modelos e tecnologias tem sido um pouco mais acelerada do que aqui, até por conta de algumas questões regulatórias, por serem mais liberalizados e tenderem a incentivar mais inovações. O setor elétrico brasileiro conseguiu avançar muito nos últimos anos no sentido de instalação de infraestrutura tradicional e está saindo dessa fase. Agora, talvez com um pouco de atraso em relação ao resto do globo, o País está pronto para olhar para as novas tendências e como trazê-las à sua realidade.

Onde estão os maiores desafios para um progresso mais acentuado?
Um desafio é a própria preparação das empresas. Refiro-me à transformação da estratégia e a ações práticas por parte das grandes companhias para de fato implementarem mudanças e trazerem as inovações de forma proativa para dentro de suas estruturas. Elas têm uma inércia natural, um modelo de negócio consagrado, e muitas vezes leva um pouco de tempo e bastante esforço da liderança para a transformação acontecer. Mas há uma questão também de políticas públicas e incentivos do Estado em relação a investimentos em inovação e a novas formas de gerar e consumir energia. Nesse aspecto, vemos no Brasil, por exemplo, um parque de medidores ainda em grande medida analógico, de modo que existe imenso potencial de implementação de medidores inteligentes – e uma mão indutora por parte do Estado seria relevante.

Falta uma visão mais estratégica?
Sim, em relação a fomento de inovações e modernização da infraestrutura em sintonia com a realidade brasileira. Hoje, cada empresa tem certa atuação e tenta fazer suas inovações. A agência [Nacional de Energia Elétrica, Aneel] também regula de forma bastante correta, dentro do que a legislação estabelece e dando passos importantes, ao incentivar a geração distribuída. Contudo, ainda é necessária maior evolução no nível do Estado efetivamente, das leis e da atuação do governo, definindo diretrizes de inovação, metas, caminhos e políticas que façam com que os agentes reajam.

Tradicionalmente, a regulamentação não acompanha o ritmo evolução tecnológica. Esse tem sido um dificultador?
Sem dúvidas. O mundo está cada vez mais dinâmico e teremos de viver esse processo de a regulação acompanhar de alguma maneira os progressos. Creio que a Consulta Pública nº 33 [instaurada em 5 de julho de 2017 com o objetivo de aprimoramento do marco legal do setor elétrico brasileiro] teve um pouco da ambição de promover um repensar do arcabouço legislativo do setor de forma a criar um ambiente mais propício à inovação. Foi uma tentativa muito importante do governo, à época, de discutir com os agentes um conjunto de reformas e mudanças regulatórias para tornar o mercado mais livre, com mais empoderamento do cliente, sinais de preço e regras melhores, e menos subsídios. Enfim, uma transformação que alcançaria um ambiente do setor elétrico mais propício à inovação. Creio que a nova gestão federal [de Jair Bolsonaro] vai ter de retomar a discussão com os agentes para propor uma nova reforma. O setor elétrico, em algum momento não muito distante, terá de passar por uma grande reforma das suas regras, de modo a corrigir distorções e fragilidades do modelo atual e, principalmente, se preparar para as novas tecnologias, para as coisas novas que estão vindo.
Diretor da CPFL aponta desafios de inovar no setor elétrico
Vê, então abertura da presente gestão federal para avanços nessa direção?
Sim. As declarações da nova equipe, desde o ministro [de Minas e Energia, almirante] Bento Albuquerque até a equipe técnica que está sendo formada e todo o time, dão sinais ao mercado no sentido de reconhecer a necessidade de uma reforma, usando como ponto de partida a CP33, o que é muito bom, já que teve muita participação do mercado. Basicamente, trata-se de reavaliar tudo o que foi proposto ali, portanto ganhando tempo ao não partir do zero, para que consigamos fazer essa reforma o quanto antes e o setor de modernize.

O foco dos poderes Executivo e Legislativo na reforma da Previdência pode atrasar essa mudança regulatória? É possível pensar em sua efetivação no curto prazo?
É muito difícil fazer esse tipo de previsão porque envolve não só vontade do Executivo como também prioridades na discussão com o Legislativo. O que é possível dizer é que estamos nos primeiros dias de um novo governo de quatro anos e deve haver tempo, sim, nessa gestão para essa discussão. Se vai acontecer agora, daqui a seis meses, um ou dois anos, é complicado antecipar. O importante é que aconteça, e com qualidade, de maneira muito bem pensada, e com a preocupação de, na implementação, preservar o legado, os contratos já assinados, e garantir uma transição adequada a fim de que o mercado se ajuste.

Mirando o cenário dos próximos 12 a 24 meses, que tecnologias disruptivas vão de fato revolucionar setor?
A geração distribuída, as baterias para armazenamento de energia e o veículo elétrico. Há ainda várias outras coisas, considerando conceitos de cidade inteligente [smart city], uso de IoT [internet das coisas], blockchain e muito mais que, num horizonte de médio prazo, talvez ainda estejamos conhecendo e testando.

O que destaca como principais projetos recentes da CPFL na área de inovação?
Entendendo as transformações do setor, temos uma estratégia de inovação voltada a preparar a empresa para o futuro em duas grandes vertentes: projetos que ajudem a melhorar nosso core business, isto é, novas tecnologias e soluções que aperfeiçoem o atendimento ao cliente, a segurança dos empregados, a produtividade das atividades etc.; e projetos estruturantes, nos preparando para as tecnologias disruptivas que estão surgindo. Nessa segunda linha, estamos criando em Campinas [SP], no distrito de Barão Geraldo, um living lab, laboratório real para testar várias das tecnologias, até para ver as complementaridades e os impactos ao setor de energia e ao nosso negócio. Também realizamos um projeto bastante grande de mobilidade elétrica, o Emotive, que trouxe mais de 20 carros, instalou eletropostos e criou uma dinâmica de utilização em Campinas, entendendo seus efeitos e contribuindo para a legislação específica. Fizemos ainda dois projetos relacionados a energia solar – a Usina de Tanquinho, que fica perto da nossa matriz [em Campinas] – e energia fotovoltaica – o Telhado Solaris, em Barão Geraldo, com instalação de mais de 200 painéis fotovoltaicos num trecho da nossa rede, para nos dar elementos técnicos e práticos do que pode acontecer com a rede num cenário de penetração muito grande de geração distribuída. Adicionalmente, estamos fazendo outros projetos em Barão Geraldo, buscando implementar tecnologias de armazenamento e storage e testar o efeito, fora projetos de campo sustentável na Unicamp, com IoT, ônibus elétrico e assim por diante.

Para a disseminação da geração distribuída, a integração ao sistema ainda é um ponto de atenção?
Com o projeto Telhado Solaris, percebemos que um crescimento acelerado de geração distribuída tem que gerar por parte das empresas de infraestrutura de distribuição uma reflexão sobre seus processos e práticas de operação das redes. Notamos que uma concentração muito grande de painéis fotovoltaicos num trecho único da rede pode gerar desafios técnicos para as distribuidoras. O mais óbvio e relevante deles é o de sobretensão, isto é, superação dos limites regulatórios de tensão na tomada das residências. Esse é só um dos exemplos de que a geração distribuída vai criar necessidades de adaptação por parte das empresas, além da adequação regulatória, que vai acabar acontecendo nos próximos anos.

Você citou o projeto Emotive, pelo qual a CPFL investiu R$ 17 milhões e que permitiu estimar que que o Brasil precisará de 80 mil eletropostos públicos até 2030 para atender ao ritmo de crescimento do mercado de veículos elétricos. É viável atingir essa meta?
Acredito que sim. A infraestrutura vai naturalmente acompanhar o desenvolvimento do mercado, que envolve a adoção e o crescimento da venda de carros elétricos. Costumam usar a analogia do ovo e da galinha para explicar essa questão da infraestrutura e do carro elétrico, mas, na minha avaliação, ambos têm que se desenvolver de forma paralela e sustentável. Na ausência de subsídios e de políticas públicas que incentivem uma parte mais do que a outra, a dinâmica mercadológica acaba sendo de a infraestrutura acompanhar o número de veículos, se concentrar nas regiões com maior volume e assim por diante. Esse número de 80 mil eletropostos é uma estimativa e deve ser atendido tanto por empresas reguladas e distribuidoras que queiram investir [nesse segmento] quanto por qualquer agente que deseje construir essa infraestrutura. A Aneel publicou uma nova resolução [nº 819/2018] que deixa claro que esse mercado de recarga de veículos é livre, o que vejo como positivo. Cabe ressaltar que boa parte das recargas vai se dar no momento em que o carro estiver parado no ponto final – a residência, as indústrias e as empresas frotistas, por exemplo –, diferente do paradigma atual de abastecimento, em que se vai até o posto. Então, a infraestrutura vai acabar atendendo muito mais aos deslocamentos de longa distância.
Diretor da CPFL aponta desafios de inovar no setor elétrico
Quais os planos da CPFL para a área de veículos elétricos?
Entendemos que, conforme o mercado de veículos leves se desenvolver e tomar corpo, a questão da infraestrutura pode ser uma oportunidade para avaliarmos. Também acreditamos em outro modal que está agora em desenvolvimento no Brasil, o dos veículos pesados – basicamente ônibus elétrico – como uma oportunidade para atuação, seja provendo infraestrutura de recarga ou solução de fornecimento energia.

Jaguariúna foi escolhida pela CPFL para receber um projeto-piloto de implementação de medidores inteligentes para 100% dos clientes neste primeiro semestre. Quais as expectativas para essa iniciativa? Será replicada em outras localidades?
Hoje, o grupo A, que são os clientes de alta tensão – indústrias, grandes comércios –, já tem telemedição; porém, o grupo B, que são as residências e pequenos comércios, tem medidor convencional. Em Jaguariúna, vamos fazer um investimento para troca de todos os medidores [do grupo B] e teste de diferentes tecnologias de comunicação [transporte dos dados coletados]. A ideia é ter subsídios para decidir sobre um rollout de maior abrangência e também para contribuir com discussões junto à Aneel na direção de regras que permitam às empresas fazer esse tipo de investimento em medição inteligente no País, ainda cercado de desafios de viabilidade econômica.

Quais as expectativas para a segunda edição do programa de aceleração e inovação aberta CPFL Inova, lançada no começo de 2019?
Esse é um programa de aproximação com startups que começamos no ano passado. Focamos scale-ups, isto é, normalmente startups que já têm algum tempo de vida, cliente e produto no mercado e que estão em fase de ganhar escala. Em 2018, fizemos um programa bem abrangente em nível nacional e recebemos 496 inscrições, o que por si só já foi uma surpresa bastante positiva. Selecionamos 12 finalistas numa primeira fase e conseguimos fechar contratos da ordem de R$ 6 milhões com elas, abrangendo projetos-pilotos, protótipos ou desenvolvimentos de tecnologias. Os resultados da experiência foram bastante satisfatórios, o que nos impulsionou a fazer uma segunda edição, nos mesmos moldes, com a Endeavor [como parceira] e o mesmo tipo de metodologia de forma geral, mudando um pouco os temas de interesse. Mas o objetivo geral é o mesmo: criar uma aproximação maior da CPFL com esse ecossistema de startups com vistas a trazer soluções relevantes para o mercado de energia e para a companhia. Queremos mapear tecnologias e criar bons parceiros. Desejamos tentar explorar ao máximo as complementaridades. As startups nos veem como uma empresa com boa base de ativos e clientes, e possibilidade de recursos para apoiar pesquisa e desenvolvimento; por outro lado, nós observamos nelas agilidade, capacidade de trazer coisas novas e oxigenar a companhia. É uma relação saudável para os dois lados.

A entrada do investimento chinês na CPFL, via aquisição do controle acionário pela State Grid, alterou de alguma forma o nível de priorização dado à inovação?
O foco em tecnologia e inovação se intensificou um pouco mais. A China é hoje uma potência global, não só econômica, mas cada vez mais tecnológica. Sem dúvida, a compra pelos chineses foi muito importante para fortalecer a capacidade financeira de investir – o investimento da empresa tem crescido e o plano é continuar crescendo, investindo mais no País – e também pela questão de implementação de novas tecnologias. A CPFL sempre foi pioneira em tecnologias e esse viés aumentou com o DNA chinês. Tem sido bastante interessante conhecer um pouco mais das práticas adotadas pela State Grid, a maior empresa de energia do mundo, e aproveitar esse know-how.
Diretor da CPFL aponta desafios de inovar no setor elétrico
Na sua avaliação, qual a importância de iniciativas como o GRI Tech Club – clube global que reúne startups inovadoras para trocar experiências entre si e com grandes companhias – para o impulsionamento e a adoção da inovação no dia a dia dos negócios?
Vejo como algo muito relevante. Iniciativas assim são muito boas para o País, a sociedade e o desenvolvimento econômico. Ajudam no fortalecimento do ecossistema de suporte às startups e na conexão delas com o mercado – e as grandes corporações são uma parte relevante dos mercados comerciais.


Entrevista concedida à editora-chefe Giovanna Carnio
 

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