Debate sobre segurança jurídica em concessões subnacionais

GRI e Alvarez & Marsal reuniram órgãos reguladores e players da infraestrutura

22 de abril de 2021Infraestrutura
Introdução

Casos recentes de medidas adotadas pelo poder público em algumas concessões têm causado preocupação entre operadores e deixado em alerta investidores de infraestrutura no Brasil.

Tendo em vista os efeitos que a judicialização e as experiências análogas podem ter sobre o desenvolvimento da infraestrutura subnacional, sobretudo em um momento em que as gestões públicas se apoiam neste setor para a retomada econômica, o GRI Club e a Alvarez & Marsal reuniram autoridades e executivos para debater questões como: de que forma garantir a adequada execução do procedimento administrativo em casos de resgate das concessões de infraestrutura? Quais desdobramentos esperar nos casos de encampação? Quais são os riscos para a relicitação de ativos com histórico de alta complexidade?

A discussão foi moderada por Marcus Ganut, diretor-geral da Alvarez & Marsal, e contou com as presenças de Letícia Queiroz (Queiroz Maluf Sociedade de Advogados), Davi Barreto (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Manoel Neto (Tribunal de Contas da União), Marco Aurélio Barcelos (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), Rodrigo Sarmento (Governo do Estado de São Paulo) e Chicão Bulhões (Prefeitura do Rio de Janeiro).

Veja a seguir os principais tópicos debatidos na reunião virtual.

Atuação de órgãos reguladores

Segurança jurídica remete ao alicerce para dar suporte ao interesse de investimentos, com a visão de conseguir executar movimentos importantes de infraestrutura, que precisa do investidor privado.

Recentemente, tem-se visto no Brasil um cronograma positivo de concessões em infraestrutura. As agências reguladoras possuem papel fundamental para trazer novos projetos, novos parceiros privados para trabalhar com concessões e investimentos de infraestrutura e, posteriormente, depois da fase de leilão desses projetos, na própria gestão dos contratos e na rotina diária da relação. Na visão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), é justamente essa gestão que faz com que a relação seja bem ou mal sucedida.

A agência amadureceu muito nos últimos anos para gerir esses contratos e lidar com conflitos complexos, como reequilíbrio e repactuação de contratos na pandemia, diferentes interesses dos stakeholders internos, sociedade, órgãos de controle. Devido a um passivo oriundo principalmente da terceira e alguns da segunda etapa de concessões, os quais requerem a intervenção da agência, é importante a sua atuação como fiel da balança, garantindo que as decisões sejam equilibradas e, principalmente, preservem a continuidade e adequação do serviço prestado nas rodovias.

Pelo lado do Tribunal de Contas da União (TCU), busca-se o amadurecimento do ambiente de negócios e da segurança jurídica. O fim maior que o tribunal avalia é a prestação do serviço público de forma adequada. Não cabe ao tribunal ter opinião sobre o viés de escolha política a ser adotada: diretamente pelo DNIT ou concessão – isso é opção discricionária do poder concedente.

Nas concessões, há espaço discricionário das agências reguladoras. Sem dúvida, a questão da discricionariedade ampla da agência reguladora e do poder concedente encontra limites nas leis e na própria discussão de eventual arbitrariedade. O amadurecimento do TCU compreende esse espaço discricionário das agências, considerando se os meios - e não os fins - da decisão foram realmente adequados (se o resultado foi favorável, bom ou ruim). Não se espera da agência reguladora decisões excelentes, mas, sim, a decisão mais bem informada, refletida e desinteressada.

É responsabilidade do tribunal ter uma visão relacionada a risco e integridade. Há distinção auditar atores com graus de maturidade institucional diferentes, marco regulatório mais ou menos sólido, setores mais ou menos competitivos, escolha dos diretores de forma mais política ou técnica. A atuação não é uniforme para todos esses ambientes de negócios devido aos níveis de maturidade.

Extinções prematuras dos contratos

Extinções de contratos nunca ficam sem repercussão. Quando terminada prematuramente, uma concessão gera passivo relevante: em processo de caducidade surgem passivos regulatórios e de multas. É preciso tornar bastante clara a justificativa dessa escolha, isto é, por que está sendo tomada a decisão em torno de uma caducidade (rescisão por culpa) ou encampação (rescisão sem culpa). A lei de liberdade econômica e a lei das agências reguladoras no plano federal prestigiam a figura da Análise de Impacto Regulatório (AIR), considerando alternativas e seus impactos, e que já tem uma forma prevista.

Há campo para discricionariedade do poder concedente, mas é importante que a decisão seja tomada pela sua repercussão. A procedimentalização é um controle de meio que precisa ser feito para garantir que a decisão tenha participação adequada das partes e avaliação dos impactos dessa decisão.

Um tema que que necessita aperfeiçoamento nos contratos é a intervenção: a lei prevê essa possibilidade para o poder concedente intervir, no sentido jurídico, antes de terminar o contrato; no entanto, carece ser mais específico dos efeitos e limites dessa intervenção.

Há uma série de instrumentos sendo lançados, como, por exemplo, para calcular a indenização em um contexto de devolução de contrato amigável, que não podem levar ao desfazimento do negócio. Na possibilidade de repactuação dos contratos, mesmo em casos de relicitação, é um processo doloroso, em que um ativo não desempenhou como esperado, trazendo consequências para os usuários e um longo prazo para investimentos voltarem à tona. Por fim, existem processos litigiosos de caducidade envolvendo decisões arbitrais e judiciais.

A ANTT entende ser o locus correto e legítimo para tomada de decisão, dotada desse poder pela legislação, com governança própria para decidir, com agenda regulatória, audiência pública, análise de impacto regulatório, parecer jurídico e decisão da diretoria colegiada deliberada por membros que são apontados pelo executivo e sabatinados pela Congresso.

Preservando a Segurança Jurídica

Para o presidente executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), o conceito de segurança jurídica é simples: o combinado não sai caro - e isso é tanto mais relevante no mundo das concessões de capital intensivo. Quando se fala em investimentos altos, é preciso ter certeza de que há um trato e expectativas que serão nutridas pelas partes e que encontrarão estabilidade no decorrer do contrato.

Nas concessões de capital intensivo, como as rodoviárias, verifica-se um problema de dissociação de momentos: no início do investimento, decorre-se uma exposição muito grande do financiador e investidor, cujo custo afundado será recuperado no longo prazo. Na determinação da tarifa, cria-se uma racionalidade subjacente à viabilidade econômica daquele contrato – deve perdurar ao longo do tempo, ter um determinado padrão tarifário, incorporar obrigações de prestação de serviço –, ou seja, é um sistema fechado.

Em razão dessa dissociação de momentos, a intermitência gera um grau de risco indesejável por parte da concessionária por uma simples razão: na desistência do poder concedente, a concessionária não pode se desfazer do ativo e já realizou o dispêndio de recursos. Na visão da ABCR, vale o foco no comportamento oportunista do poder concedente ao decidir não aplicar reajuste tarifário ou considerar a tarifa elevada.

Sob o ponto de vista de análise de impacto regulatório, faz-se necessário assegurar a estabilização do fluxo, as expectativas e premissas assumidas; as intervenções que ocorrerem precisam ser refletidas para não passar uma mensagem ao investidor de que há a possibilidade de exposição a resoluções não adequadas e tempestivas. Os usuários precisam ser preservados e as decisões precisam ter argumentos racionais e técnicos.

Gestão da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Governo do Estado de São Paulo

A nova administração da Prefeitura do Rio de Janeiro traz uma visão diferente em relação à gestão anterior, com inovação e simplificação. Dentro do contexto de segurança jurídica, o Secretário de Desenvolvimento Econômico, Chicão Bulhões, comunicou o envio para a Câmara dos Vereadores de uma lei de liberdade econômica seguindo a linha federal e também do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Com o objetivo de desburocratizar certos temas, a lei traz também princípios da AIR. Não há propriamente uma agência reguladora no Rio que conduza a gestão dos contratos, sendo este um desafio de governança importante a ser vencido.

A criação da subsecretaria de ambiente regulatório ocorre para desenvolver novas técnicas, inteligências de estudo e trazer a visão de construção da segurança jurídica. Como exemplo prático, já se pode citar a tentativa de escalonamento na atividade econômica para diminuir a curva de usuários no transporte público (espaçamento no tempo), requerendo parceria das concessionárias para evitar a tomada de medidas de extrema restrição. Em outro caso, no qual as concessionárias querem devolver o BRT à prefeitura, a solução está sendo construída conjuntamente, discutindo-se como será a intervenção, os cronogramas e as fases em comum acordo com a concessionária que incorreu em prejuízos.

O Coordenador de Estruturação de Projetos do Governo do Estado de São Paulo, Rodrigo Sarmento, afirma que também busca a maturidade institucional mencionada pelo TCU. O governo exercita reflexões acerca das concessões, como o risco de demanda, uma questão naturalmente preconcebida como responsabilidade do concessionário. É fundamental entender cada setor, projeto, situação específica para realizar a calibragem dessas questões adequadamente e não utilizar conceitos e mecanismos aproveitados de um local para outro.

Em paralelo, Sarmento explicou casos de projetos que não deram proteção ao câmbio (Piracicaba/Panorama) e outros que utilizam espaço na modelagem para conceder proteção na demanda. Ele reforça que é importante trazer padronização e esclarecimentos para regras que são conceitos dados, tal como encampação: a lei afirma que encampação precisa ser precedida de uma indenização. Porém, como calcular a indenização, o que se descontar dela, entre outras perguntas específicas, surgem do que se imaginava que a legislação respondia.

A dinâmica no setor de concessões passa pela complexidade versus simplificação. Segurança jurídica é de fato cumprir o combinado, porém é essencial ter em mente a compreensão quanto à maturidade institucional, entendendo que concessões são recentes (década de 1990) e evoluções são imprescindíveis na busca de procedimentos e regras claras trabalhadas desde o princípio.


Alvarez & Marsal

Como líder global, Alvarez & Marsal se destaca na prestação de serviços de melhoria de performance, reestruturação e consultoria empresarial, buscando potencializar o crescimento e aceleração de resultados dos clientes. Em infraestrutura, A&M possui vasta experiência, tendo realizado inúmeros projetos em gestão, reestruturação e avaliação de ativos de construção, rodovias, portos, energia e telecomunicações. Enxerga o Brasil como um mercado de oportunidades para ampliar seu portfólio de serviços no setor. Para isso, criou a área de Infrastructure & Capital Projects (I&CP), com consultores habilitados para oferecer aos clientes uma visão multidisciplinar, compreendendo análise estratégica, financeira, de estrutura de capital, impostos, licenças, apoio no processo de gestão e construção, disputas e maturidade dos ativos. A&M ainda apoia potenciais investidores em processos de privatização, atuando como uma empresa “one stop shop”, capaz de validar as premissas dos geradores de valor.

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