Cooperação entre Bancos de Desenvolvimento para alavancar infraestrutura

19 de maio de 2020Infraestrutura
Em um cenário de crise global, cujos reais impactos ainda são imprevisíveis e novas adversidades se somam a desafios antigos, em especial no que tange a financiabilidade de projetos de infraestrutura, saúde financeira das empresas e capacidade de balanço para apresentar as garantias necessárias para execução das obras.

Neste contexto, líderes dos principais bancos nacionais de desenvolvimento e multilaterais atuantes no Brasil se conectaram com os membros do GRI Club Infra, no último dia 14 de maio, para discutir os mecanismos mais efetivos de apoio por parte destas instituições ao desenvolvimento da infraestrutura no País e retomada da economia. Discutiram ainda as melhores iniciativas para potencializar as sinergias de cooperação entre as várias esferas públicas e estes bancos no processo de originação, estruturação, concessão e financiamento de projetos.

Neste diálogo, estiveram representadas por seus executivos, compartilhando visões e experiências, as instituições: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste (BNB), Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fonplata e New Development Bank (NDB).

Muito além do capital: expertise

Um dos principais entraves ao desenvolvimento da infraestrutura, sobretudo em âmbito subnacional, é a carência de uma carteira de projetos robustos, qualificados, bem estruturados e modelados, embasados em adequada análise técnica, econômica e financeira e com profundo mapeamento dos riscos.

Cientes desse gargalo, os bancos de desenvolvimento se estruturaram e têm atuado de forma intensiva neste versante, provendo suporte técnico às administrações municipais e estaduais na originação e na estruturação de projetos, estimulando a formação das equipes locais, mas também apoiando com conhecimento e expertise ao longo de todas as etapas de desenvolvimento, desde a concepção até a entrada em operação do ativo, para assegurar êxito a todos os agentes envolvidos e o alcance dos benefícios à sociedade.

Em alguns casos, além do apoio técnico, faz-se necessário o diálogo com entes legislativos locais para garantir a implantação de um arcabouço regulatório que viabilize a estruturação de parcerias público-privadas no território e crie um ambiente jurídico seguro para atração de investimentos.

Um desafio ainda presente é o ganho de escala, dada a extensão territorial do País e o número elevado de pequenas gestões municipais, muitas das quais são extremamente carentes de recursos humanos e financeiros para a elaboração de estudos. Nesse sentido, os bancos de desenvolvimento têm analisado diferentes modelos de consórcios como alternativa para ampliar a magnitude dos projetos e, consequentemente, torná-los mais atrativos e financiáveis.

Outra importante reflexão trazida pela atual crise é a alocação equilibrada dos riscos na operações de infraestrutura, sobretudo risco de demanda. Historicamente, alocado ao parceiro privado, este modelo de gestão de risco certamente deverá ser revisto, já que incute uma grande responsabilidade e pode inclusive ameaçar a estabilidade de contratos de longo prazo. Essa análise é fundamental tanto para a viabilidade dos contratos em andamento, quanto para modelagens futuras.

Linhas de fomento à infraestrutura

Entre os bancos no desenvolvimento presentes na discussão, houve unanimidade quanto aos esforços irrestritos que estão sendo direcionados às medidas emergenciais de mitigação da crise econômica. Suspensão de pagamentos, crédito emergencial, continuidade dos desembolsos para operações já contratadas são apenas algumas das iniciativas implantadas pelas instituições no apoio às empresas de diferentes portes. Frente a uma demanda imensa, essas instituições têm reforçado seu papel contracíclico e evidenciado a necessidade de ampla cooperação entre as várias instituições para atingir os resultados de recuperação econômica e avançar na pauta de investimento.

Porém, mesmo em meio a essas demandas urgentes, o setor de infraestrutura permanece em posição prioritária para esses bancos, que reconhecem a sua importância para a retomada da atividade econômica e o papel estratégico de propulsor do desenvolvimento que pode desempenhar.

Bancos de desenvolvimento, historicamente, trabalham nas falhas do mercado, nos nichos em que há maior resistência ao investimento privado. Contudo, em virtude da proporção da crise econômica atual, há uma perspectiva de que essas lacunas se ampliem no período pós-pandemia, tornando ainda mais crucial o papel dessas instituições no financiamento de longo prazo e reforçando a necessidade desses bancos trabalharem de forma colaborativa para fomentar investimentos e atender às várias frentes de trabalho.

Por exemplo, em um contexto pós-pandemia, com defasagem de recursos públicos, em que o investidor externo apresenta máxima aversão ao risco, e o investidor interno ainda busca encontrar meios para superar a crise, os bancos multilaterais e de desenvolvimento exercem uma posição fundamental na "ancoragem" dos projetos de financiamento, sendo capazes de atrair e dar maior segurança para que o capital privado também participe dessas iniciativas.

Outra frente importante de atuação é no âmbito da estruturação de garantias corporativas em projetos de infraestrutura, sejam garantias para obtenção de financiamento, garantias de crédito para emissão de debêntures, ou mesmo garantias públicas, que devem ter grande demanda e pertinência no pós-pandemia.

Devido ao extenso portfólio de projetos, sobretudo de rodovias e saneamento, e o número relativamente limitado de operadores que atuam nesses setores no País, há preocupação do Governo Federal em atrair atrair outros players estratégicos internacionais que possam dar vazão a todo o pipeline. Nesse sentido, o BNDES reconhece a importância e está desenhando um modelo de garantias na fase pré-completion a ser fornecida aos investidores que não estejam no Brasil, que ainda não tenham balanço no País ou mesmo operadores que tenham limitação de garantia corporativa.

Há ainda atuações específicas de algumas instituições, como, por exemplo, o NDB, que apostou no equity como um dos meios de alavancar investimentos em infraestrutura; e o BID, que tem trabalhado com um mecanismo conhecido como garantia de pleito ou garantia parcial, que absorve parte do risco, seja comercial ou político, e que tem sido implementado com bastante sucesso em alguns projetos no Brasil.

Mas a gravidade do cenário e a imensa demanda por capital vai exigir que os bancos de desenvolvimento sejam inovadores e criativos com os instrumentos que têm à disposição. Por exemplo, o Brasil, pelo perfil dos projetos prioritários e o espaço para se desenvolver infraestrutura sustentável, oferece uma oportunidade muito grande para emissão de títulos verdes. Nesse âmbito, a atuação dos bancos permeia o ciclo inteiro do project finance, desde a pré-emissão, certificação, validação da qualidade do projeto, pós-emissão, private placement.

Um dos hiatos apontados pelos executivos que acompanharam a discussão foi o seguro cambial. Embora seja considerado fundamental para a atração de investimentos internacionais, não há, no momento, uma solução simples, já que a sua composição envolve o alinhamento de vários aspectos junto ao Banco Central. Existem, porém, algumas alternativas que podem ser negociadas em âmbito contratual nas concessões, por meio de compensação de outorga.

Outro ponto levantado foi a eventual participação do BNDES como âncora em emissões no mercado de capitais de infraestrutura. Embora o Banco reconheça a importância dessa atuação, nesse momento, ele deve deixar esse papel ao setor privado, que ainda demonstra apetite (mesmo que mais espaçado no tempo e com menor exposição ao risco). Portanto, a instituição não conta hoje com uma linha focada em subsídio. O Banco avalia apenas uma linha de apoio aos projetos importantes para o País, mas pelos quais o mercado não demonstra apetite (sendo este apoio limitado ao projetos que o próprio Banco modela e possui capacidade de avaliação mais profunda).

Finalmente, diversos bancos de desenvolvimento atuam também em carteira soberana, financiando entes públicos. Embora haja sempre um componente de fortalecimento institucional nesse tipo de crédito, há também a preocupação das instituições quanto ao desafio de deterioração do risco de estados e municípios. Nesse sentido, os bancos de desenvolvimento reforçam que é fundamental que o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, também conhecido como Plano Mansueto, seja bem discutido e implementado para que impulsione a capacidade de investimento público após a pandemia.