Cidades são solução para mundo sustentável, diz Carlo Ratti

Professor do MIT defende espaços urbanos de experimentação e inovação em busca de soluções replicáveis.

29 de outubro de 2018Mercado Imobiliário
Um dos maiores pensadores das cidades do futuro esteve recentemente no Brasil e, instado a deixar uma mensagem sobre o tema aos novos governantes do País, defendeu a promoção de espaços de experimentação e promoção de inovação, em busca de soluções replicáveis.

"As cidades, ainda que demandem grande quantidade de energia, são parte da solução para um mundo mais sustentável", afirma Carlo Ratti, professor do MIT e diretor do Senseable City Lab, focado em estudos urbanos.

Ele participou de um club meeting que juntou membros do GRI Club Real Estate e do GRI Club Infra em São Paulo no final de setembro. Também já havia estado em outra atividade do GRI Club neste ano, em janeiro, atuando como keynote speaker do Chairmen's Retreat, encontro anual que reúne os maiores nomes do setor imobiliário global em Saint Moritz, na Suíça. Acompanhe a entrevista:

Qual é a diferença fundamental entre o conceito de senseable cities, que você defende, e o de smart cities ou cidades inteligentes?
Não gosto muito do conceito de smart cities porque põe a ênfase na tecnologia. Soa como um computador a céu aberto. Por outro lado, para nós, senseable cities são cidades ao mesmo tempo capazes de sentir e de ser sensíveis. Então, a ênfase recai mais fortemente sobre o lado humano.

Esses conceitos permanecem os mesmos desde que foram criados ou vêm se transformando?
Os conceitos constantemente se transformam. Um dos motivos para tanto reside no surgimento de aplicações em muitos campos que, de início, sequer eram imaginadas. A definição de smart cities e senseable cities, para mim, está basicamente relacionada à conversão da internet em Internet das Coisas, adentrando no espaço das cidades, dos prédios, das fábricas e assim por diante. Trata-se de um sustentáculo tecnológico, uma tese que permite explorar muitas coisas diferentes. Desde o começo, há muitas dimensões a serem sondadas. Falo de compartilhamento, mobilidade, escritórios inteligentes… É mais ou menos como foi o início da revolução digital, quando as pessoas começaram a olhar primeiro para as compras online, para a busca por conhecimento via Google etc. Hoje, algo semelhante ocorre, não com o digital, mas com o físico-virtual, ou seja, o físico e o digital juntos. Há muitos novos capítulos sendo escritos todos os dias.

O conceito de cidades sensíveis é aplicável a qualquer cidade, independente de tamanho, localização, vocação econômica ou nível de desenvolvimento?
Não é. Não existe uma solução geral para todas as cidades, pois estão ancoradas no espaço físico. Creio que a solução é normalmente bastante local. A melhor resposta para um lugar não é a melhor resposta para outro. Isso é muito interessante porque, muitas vezes, a melhor solução aparece na periferia. Pode acontecer em qualquer canto. Talvez, na revolução digital anterior, tudo tendesse a estar mais concentrado. Agora, pode estar mais distribuído, com a inovação emergindo no centro e na periferia.

Neste final de ano, o Brasil está elegendo novos governantes. Que mensagem, se pudesse, você daria a eles, em direção à promoção de uma evolução urbana consistente e significativa?
Primeiramente, eu diria que as cidades, ainda que demandem grande quantidade de energia, são parte da solução para um mundo mais sustentável. Portanto, eu os instaria a olhar com muito cuidado para as cidades. Outro ponto que destacaria é a importância de promover inovação via sandboxing [conceito que consiste em criar uma espécie de realidade virtual], de modo a abrir espaço para a experimentação e, a partir daí, clonar e replicar o que funcionar bem em partes da cidade focada ou em outras cidades.

Que papel novos empreendimentos imobiliários e de infraestrutura vão ter na construção de senseable cities, particularmente no Brasil?
Algo que em devemos pensar atualmente ao criar uma nova obra de infraestrutura é: sim, precisamos de infraestrutura física, mas também podemos recorrer ao lado digital para usá-la melhor. Hoje, podemos efetivamente, em certa medida, trocar asfalto por silício, isto é, o lado físico pelo digital. O ponto a que devemos nos atentar é como o melhor uso da infraestrutura pode nos ajudar a ser mais eficientes e obter uma infraestrutura mais sociável. Isso se aplica a muitas realidades. Se pensarmos em prédios de escritórios, vemos que são uma parte enorme das cidades em termos de metros quadrados. Há dez ou 20 anos, usavam-se cerca de 15 m² por pessoa como referência. Hoje, essa métrica caiu para 5 m² ou 5 m² por pessoa, e o mais relevante é que isso torna o espaço mais sustentável. Precisa-se de menos energia, menos luz, além de aumentar a sociabilidade. Acredito que haja dois componentes centrais a serem considerados ao se construir um novo prédio ou uma nova obra de infraestrutura: como usá-lo melhor hoje e como pode nos ajudar a ter cidades mais sustentáveis e sociáveis.

Que futuro imagina para a cidade de São Paulo, que padece com tantas dificuldades por conta do gigantismo e das deficiências de mobilidade urbana? A disseminação da cultura do compartilhamento, a chegada dos carros autônomos e tantas outras novidades devem promover uma reconfiguração dessa metrópole?
Essas mudanças vão reconfigurar as cidades em todo o mundo de diferentes formas. Ainda está para ser definido qual será o impacto, mas, em tese, quando se pensa em carros autônomos, seriam necessários 20% do total de veículos que hoje rodam em uma cidade como São Paulo. Se refletirmos sobre isso, é possível imaginar que a cidade será muito diferente, considerando também estacionamentos, construção de vias etc. Vamos ver muitas mudanças e, destaco mais uma vez: usar sandbox para definir áreas onde a experimentação seja permitida e tentar encontrar novas soluções é algo que vai moldar o amanhã.

Entrevista concedida à editora Giovanna Carnio